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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Por que algumas músicas não saem de nossa cabeça e como tirá-las

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Imagem: iStock

Flávia Santucci

Colaboração para o VivaBem

17/01/2023 04h00

De repente, o refrão de uma música surge na sua cabeça e você, mentalmente, começa a cantar. As horas se passam —às vezes, alguns dias também— e, quando se dá conta, ainda está ali cantando as mesmas estrofes.

A sensação que se tem é como se aquele trechinho de música estivesse impregnado na sua mente e, não importa o que você faça, simplesmente não vai embora.

Popularmente conhecida como "música chiclete", a síndrome da canção presa também é chamada de "verme de ouvido" (earworm, em inglês) e dá a ideia de que, muitas vezes, a música chega para ficar.

"Esse nome verme de ouvido tem relação com um processo em que essa música se manifesta. É como se fosse um parasita que fica a todo momento na tela de fundo mental cognitiva, mostrando-se presente. É como se fosse, constantemente, a exposição da sua memória de curto prazo ou memória de trabalho", explica o neurocirurgião Fernando Gomes, professor livre docente do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Para Rodrigo Costa Oliveira, psicólogo do Hospital Universitário Onofre Lopes, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), a sensação que dá é como se algo infiltrasse no seu ouvido. "Como se fosse um verme cavando lá dentro. A ideia é de que isso está penetrando cada vez mais fundo", explica.

A síndrome da canção presa pode parecer inofensiva, mas também tem o poder de irritar muitas pessoas. Um estudo publicado em 2016 no British Journal of General Practice revela que 98% da população ocidental já teve de lidar com músicas chiclete em alguma fase da vida.

Para a maioria, estar com uma música presa na cabeça chega a ser divertido, mas pelo menos um terço da população considera o fenômeno perturbador —especialmente mulheres e pessoas que sofrem de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo).

"Um achado interessante é que pessoas com dificuldade na memória de trabalho, que é a memória rápida para as atividades do dia a dia, como as pessoas com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e de Hiperatividade), sofrem menos com essa síndrome. Por outro lado, pessoas com loops de memória/ansiedade excessivos, como quem tem TOC, são mais afetadas", diz José Marcos Vieira de Albuquerque Filho, neurologista do Hospital Japonês Santa Cruz.

Segundo ele, a condição exige atenção se vem associada a sintomas de desconforto ou se realmente a pessoa começa a ficar obsessiva com a música e isso repercute no dia a dia.

Por que gruda?

De acordo com o neurologista Rodrigo Santos de Araújo, do Hospital Universitário da UFS (Universidade Federal de Sergipe), vinculado à Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), quando isso acontece, o cérebro entende como uma memória evocada.

"Quando a gente ouve uma canção, ativa um processo auditivo temporal. Ouve ali [a música] e passa. Já a canção presa é uma memória que fica sendo evocada, às vezes, por anos, o que chega a incomodar bastante a pessoa. Isso impacta na qualidade de vida. A pessoa está fazendo outra atividade e aquela música ali na cabeça o tempo todo. É difícil conseguir tirar do pensamento", diz Araújo.

Segundo Felipe Chaves, neurologista do Hospital Sírio-Libanês, qualquer tipo de som que a gente ouve, um barulho, uma conversa, uma música, vai para uma região chamada córtex auditivo primário, que é como se fosse o receptor dos sons cerebrais.

Do córtex auditivo primário, a informação passa para o córtex auditivo secundário, que é onde é identificada como música. "O cérebro sempre vai tentar comparar esse som que está ouvindo com outros sons que já ouviu antes. Então, se você está ouvindo a mesma música mais de uma vez, pode acessar áreas de memória." Isso quer dizer que essa música vai aparecer hora ou outra.

Música chiclete não é alucinação musical

Outro ponto importante que deve ser levado em consideração quando se fala de síndrome da canção presa é que ela se define, exclusivamente, por uma lembrança de uma música.

"A pessoa sabe claramente que está lembrando da música, não está ouvindo a música no ambiente. Se ela tiver, constantemente, a percepção de que está ouvindo no ambiente uma música que não está sendo tocada, é alucinação musical. Isso, sim, implica em uma atenção um pouco mais especial e vale a pena procurar um médico", destaca Chaves.

A preocupação, segundo especialistas, é válida, pois a alucinação musical está ligada a casos mais sérios de transtornos, como a esquizofrenia.

Além disso, a psiquiatra Jessica Martani diz que o caso pode ser preocupante se esse pensamento começar a ter características obsessivas, contemplando características do TOC, no qual o pensamento é intrusivo e ocasiona prejuízo na qualidade de vida da pessoa.

"O paciente tem alteração de humor, não consegue ter atenção nas coisas devido a esse pensamento ou esse pensamento se torna o centro da vida do paciente. Nesse caso, podem ser pronunciadas e debilitantes", diz ela.

Como tirar da cabeça

Um estudo publicado no periódico American Psychological Association em 2016 revelou "Bad Romance", de Lady Gaga, e "Can't Get You Out Of My Head", de Kylie Minogue, como dois grandes "vermes de ouvido".

Os refrões que grudam como chiclete e demoram para sair foram os mais citados por mais de três mil entrevistados.

Mas tirar essas e tantas outras músicas da cabeça não é muito difícil. A orientação, diz Oliveira, é fazer algo mecânico.

"Alguma atividade com alguma complexidade ou atividade física ao ar livre, por exemplo. Também escutar no sentido de ouvir a música. Quando você para e escuta, é como se tivesse fechado esse pensamento. Isso funciona em 90% das abordagens. Em casos mais graves, que não é a maioria, seria necessário uma intervenção terapêutica", diz o psicólogo.

Mascar chiclete, diz o neurologista Felipe Chaves, também pode funcionar. Assim como fazer atividades como sudoku, ler um livro ou matérias de jornal mais longas e que prendam sua atenção, como destaca o neurocirurgião Fernando Gomes.

Fontes: Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues, neurocientista e chefe do Departamento de Ciências e Tecnologia da Logos University International, na Flórida; Felipe Chaves, neurologista do Hospital Sírio-Libanês; Fernando Gomes, neurocirurgião e professor livre docente do Hospital das Clínicas de São Paulo; Jessica Martani, psiquiatra observership em neurociências pela Universidade de Columbia em Nova Iorque, nos Estados Unidos; José Marcos Vieira de Albuquerque Filho, neurologista do Hospital Japonês Santa Cruz; Rodrigo Costa Oliveira, psicólogo do Hospital Universitário Onofre Lopes, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte); Rodrigo Santos de Araújo, neurologista do Hospital Universitário da UFS (Universidade Federal de Sergipe), vinculado à Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).