Você sabe o que faz um terapeuta ocupacional e quando procurá-lo?
No nosso dia a dia nem imaginamos quantas pequenas tarefas realizamos e muito menos que alguns ajustes em outras podem torná-las mais fáceis, ágeis ou até mesmo mais ergonômicas, evitando dores e desconfortos.
E o que seria de tantas pessoas com deficiências físicas, problemas de locomoção e outras questões que limitam a execução de afazeres, se não pudessem promover mudanças e adequações na rotina e também nos utensílios e aparatos que utilizam para simplificar ou, inclusive, realizar determinada função?
A ajuda de profissionais para essas adaptações é fundamental, mas, muitas vezes, desconhecida. A atuação dos terapeutas ocupacionais, também chamados de TOs, compreende do recém-nascido prematuro ao idoso e promove saúde, bem-estar e qualidade de vida.
É o caso de Bernardo Caramaschi Prata Vieira, 7, criança que tem múltiplas deficiências. Ele tem a ajuda de uma equipe multidisciplinar, da qual participam terapeutas ocupacionais que pensam em alternativas para a execução de tarefas, ajustes posturais e o uso de órteses.
Ele tem paralisia cerebral espástica que afeta os 4 membros, não tem controle de tronco e cervical, usa uma cadeira de rodas para se locomover, alimenta-se por gastrostomia [uma abertura no estômago para administrar alimentos e líquidos] e tem comprometimento na visão.
Entre as adaptações e avanços no dia a dia, em conjunto com esses especialistas, os pais do Bernardo desenvolveram um dispositivo para que ele conseguisse apagar a velinha do seu sexto aniversário.
"Desde 1 ano e meio de vida do Bernardo, a terapia ocupacional trabalhou sempre em adaptações e, aos poucos, pude compreender no próprio dia a dia o impacto desse profissional", conta Natasha Caramaschi Del Galo, 37, mãe de Bernardo.
Mas o que faz um terapeuta ocupacional?
Mesmo que algumas atividades pareçam muito simples, como escovar os dentes ou vestir uma camisa, existem condições de saúde que impedem ou dificultam sua realização adequada. O terapeuta ocupacional é o profissional que busca ajudar o paciente a realizar atividades cotidianas (ocupações) quando existem tais problemas. Um dos propósitos é a independência da pessoa em suas ações do cotidiano como tomar banho, se vestir, comer e outras.
Esse profissional trabalha a partir das habilidades e limitações de cada pessoa, criando junto do paciente novas formas de fazer o que ele quer e precisa, com a maior autonomia e independência possíveis.
As estratégias podem ser desde uma modificação no modo de realizar uma atividade para evitar sobrecarga de uma articulação, por exemplo, até o planejamento abrangente de como executar uma atividade para realizá-la da forma mais eficiente possível. Em alguns casos, podem ser necessárias adaptações para realizar tais atividades.
Por exemplo, na higiene oral, esse profissional orienta a postura adequada, adapta o ambiente, sugere o apoio do braço para descansar, orienta a organização dos materiais utilizados, prescreve alterações para facilitar a preensão [ato de segurar objetos], promove exercícios para ganho de força e sensibilidade, organiza a rotina, a fazer lista ou memorizar o sequenciamento das etapas da atividade, entre outros. Carolina Rebellato, terapeuta ocupacional e professora do Departamento em Terapia Ocupacional da UFRJ.
O que difere um fisioterapeuta de um terapeuta ocupacional?
Muitos pacientes são atendidos por profissionais de ambas as áreas. As profissões compartilham o mesmo conselho de classe, mas existem muito mais diferenças do que semelhanças.
O trabalho do fisioterapeuta é focado na prevenção e reabilitação de pessoas com distúrbios do movimento, atendendo por exemplo, pacientes com deficiências (sejam de natureza cardíaca, respiratória, neurológica ou qualquer outra) que tenham sua capacidade motora afetada.
Já a terapia ocupacional é focada na ocupação/atividade humana. Seus objetos de trabalho e seus objetivos são completamente diferentes.
O fisioterapeuta tem entre os objetivos preservar, manter, desenvolver ou restaurar a integridade de órgãos, sistemas ou funções. Para isso, faz o uso de diferentes estratégias, abordagens e técnicas.
Se o paciente tiver um comprometimento motor que também interfira na parte ocupacional, o fisioterapeuta e o terapeuta ocupacional podem contribuir e trabalhar juntos. Mas há casos, como os de pessoas com transtornos mentais, em que a terapia ocupacional não tem nada a ver com a fisioterapia.
O terapeuta ocupacional pode realizar avaliação e intervenção em competências:
- motoras, como posicionamento do corpo, alcançar, agarrar e mover objetos;
- de processo, por exemplo organizar o tempo e o ambiente, além de ajustar os seus movimentos
- sociais, por exemplo iniciar, manter e terminar uma interação social.
No universo da reabilitação neurofuncional, a fisioterapia devolve a experiência do corpo para a pessoa com deficiência e a terapia ocupacional ajuda a dar significados ao corpo.
Práticas com significado
Pelo fato de Bernardo ser uma criança com pouquíssima movimentação espontânea, a mãe conta que a busca é por atividades e tarefas que ele possa fazer sozinho: "Nossa busca atual no processo de reabilitação tem sido construir um rol de práticas que sejam significativas e prazerosas. Isso parece simples, mas é bem complexo".
Uma das coisas mais relevantes para Bernardo é a música. Ele sempre fez musicoterapia, porém, por todas as questões motoras, sua mãe relata que existe uma dificuldade de acesso ao instrumento musical, de ter a experiência de produzir música.
Foi então que ele começou a ter atendimento interdisciplinar entre a musicoterapeuta e uma terapeuta ocupacional, que se preocupava com o alinhamento corporal, enquanto a primeira fazia as propostas musicais propriamente ditas.
"A parceria foi muito incrível na época. Às vezes, a terapeuta realizava adaptações como prender uma baqueta na mão dele, com o uso de tiras elásticas, que permitia, num movimento de extensão, que ele acertasse ou, então, tocasse o sino", conta.
A terapia ocupacional vai atravessando a vida, a escola e as atividades do cotidiano para encontrar sentido para tudo isso.
As graduações em terapia ocupacional no Brasil estão mais escassas e, a cada dia, mais necessárias, porque a população vai envelhecendo, além do aumento de diagnósticos de crianças e pessoas em situação de neurodiversidade.
Terapeuta ocupacional também ajuda pessoas em sofrimento mental
Os TOs desenvolvem estratégias de intervenção a partir da (re)organização do cotidiano e do engajamento em novos projetos de vida, seja no âmbito do autocuidado, do lazer ou do trabalho, com o intuito de aumentar a autonomia, ampliar as redes de apoio e participação social.
Rebellato enfatiza que não é o fazer pelo fazer, mas, sim, ter um significado para a pessoa, mesmo para as que possuem problemas cognitivos, pois envolve questões de identidade e dignidade.
"As atividades expressivas, artísticas e artesanais, bem como o contato com natureza, podem ser uma potente estratégia para ampliar as habilidades e interesses de pessoas com problemas de saúde mental, como com depressão, demência e esquizofrenia", ressalta Rebellato.
E a atuação com idosos?
É bastante ampla a atuação com pessoas com mais de 60 anos, sejam independentes, semidependentes e dependentes, bem como com a sua família/cuidadores e comunidade para prevenir ou tratar disfunções ocupacionais em diferentes ambientes.
Porém, na maioria das situações, o terapeuta ocupacional é procurado para atender pessoas idosas com disfunções ocupacionais já instaladas, decorrentes de deficiências motoras, cognitivas e sensoriais e algumas doenças.
Mesmo frente a deficiências ou limitações em realizar alguma atividade, é possível prevenir mais agravos ao diminuir a inatividade e o isolamento social e otimizar a independência e autonomia fazendo uso de estratégias de simplificação das atividades, seleção de prioridades, melhora da postura corporal, gestão do uso do tempo, uso de tecnologia assistiva, modificações no ambiente, entre outras adaptações e ressignificação do fazer.
Quando buscar a ajuda de um terapeuta para os idosos?
É aconselhável buscar o auxílio quando a pessoa idosa:
- deixou de realizar uma atividade desejada/necessária ou tem risco de limitações ou restrição de sua participação em atividades de lazer, trabalho, de autocuidado, entre outras;
- tem uma rotina insatisfatória, empobrecida, mal distribuída ou centrada em questões clínicas;
- ou os cuidadores necessitam de educação/treinamento para a organização de uma nova rotina ou necessita de auxílio para promover maior independência e autonomia em determinadas ações cotidianas;
- o ambiente domiciliar/institucional necessita de mudanças para evitar acidentes (quedas, queimaduras e outros ferimentos) ou promover o envolvimento da pessoa idosa em atividades significativas com maior segurança;
- necessita de algum recurso de tecnologia assistiva, por exemplo, cadeira de rodas, órtese, adaptação para talheres, copo ou para outras atividades da vida diária, recursos de acessibilidade ao computador, sistemas de controle de ambiente e de comunicação alternativa.
Fontes: Carolina Rebellato, terapeuta ocupacional, professora do Departamento em Terapia Ocupacional da UFRJ e ex-presidente do Departamento de Gerontologia da SBGG-RJ (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia - seção Rio de Janeiro); Elaine Cristina Soares, terapeuta ocupacional, especialista em psicomotricidade, mestre em saúde da criança e do adolescente, responsável técnica pela TO e atuante na UCINCa (Unidade de Cuidados Intermediários Neonatais Canguru) da MEAC (Maternidade Escola Assis Chateaubriand) da UFC (Universidade Federal do Ceará), ligado à rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); Lígia Junqueira, fisioterapeuta, especialista em neurologia no adulto e gerente de fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia da BP (Beneficência Portuguesa de São Paulo); Ministério da Saúde e Coffito (Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional).
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