'The Last of Us': existe algum fungo capaz de controlar nossa mente?
- Você acha que os microrganismos são uma ameaça?
- Sim, de forma extrema.
- Bactérias?
- Não.
- Nem bactérias, nem vírus, então?
- Fungos.
O diálogo acima faz parte da série "The Last of Us", que estreou no último domingo (15), na HBO. A história é inspirada no jogo que leva o mesmo nome, lançado originalmente em 2013 para PlayStation 3.
Na cena citada acima, ambientada em 1968, dois especialistas são entrevistados sobre a possibilidade de novas epidemias. Os fungos são apontados como o grande perigo —e é exatamente o que acompanhamos na sequência.
A série mostra diversas pessoas contaminadas pelo microrganismo e, depois, se transformando em zumbis.
É impossível não pensar na história fictícia em um cenário da vida real, principalmente após a pandemia de covid-19. Por isso, VivaBem conversou com médicos e biólogos para entender se isso poderia virar realidade. (Atenção: o texto abaixo pode ter spoilers).
Fungo da série existe
Na ficção, é o Cordyceps que controla a mente dos seres humanos. Ele realmente existe e faz parte de um gênero que conta com mais de 600 espécies descritas, que infectam principalmente insetos e outros artrópodes (como escorpiões, aranhas etc.), segundo o biólogo Anderson Messias Rodrigues, professor e chefe do Laboratório de Patógenos Fúngicos Emergentes da Unifesp.
"O exemplo mais famoso que conhecemos é o do fungo Ophiocordyceps unilateralis, capaz de alterar o comportamento da formiga hospedeira, transformando-a em um 'zumbi'", diz.
A formiga infectada terá seu comportamento controlado pelo parasita e, por isso, o fungo é chamado de "fungo zumbi". "Mas, ao contrário do que é mostrado no jogo e na série, insetos infectados não têm comportamento agressivo como os personagens", diz Rafael Wesley Bastos, biólogo e professor do Departamento de Microbiologia e Parasitologia da UFRN (Universidade do Rio Grande do Norte).
Situação é improvável, mas não impossível
Pode ficar tranquilo, um apocalipse zumbi causado por um fungo capaz de controlar a mente humana é muito improvável de acontecer —apesar de não ser impossível.
Na biologia ou na medicina, é difícil dizer que algo é impossível de acontecer. Se em 2018 alguém dissesse que em breve estaríamos vivendo uma pandemia de um novo vírus, a maioria das pessoas acharia que era ficção científica. Por isso, preferimos o termo improvável. Rafael Wesley Bastos, biólogo e professor do Departamento de Microbiologia e Parasitologia da UFRN (Universidade do Rio Grande do Norte)
Por que seria improvável:
- A manipulação do cérebro pelo fungo ocorre apenas em alguns hospedeiros naturais, como as formigas carpinteiras e alguns insetos.
- Logo, para infectar humanos e outros animais, o fungo teria que passar por grandes alterações que levariam milhões de anos.
- A maioria dos fungos não consegue se desenvolver satisfatoriamente acima da temperatura ambiente (25 °C), o que faz com que a nossa capacidade de controlar a temperatura corporal --entre 36 ºC e 37 ºC-- seja um importante mecanismo de defesa contra fungos, incluindo o Cordyceps.
- O nosso sistema imune é capaz de reconhecer e eliminar células fúngicas que entram em contato com o nosso organismo, estabelecendo uma resposta protetora, impedindo o desenvolvimento de doenças.
Se acontecesse, teríamos vacina para isso?
Não, pois não existe nenhuma vacina contra fungo no momento. Há estudos e pesquisas em andamento para alguns tipos de fungos.
"O que existe são algumas vacinas contra micoses para uso em animais. Dessa forma, a terapia contra infecções fúngicas em humanos se dá por meio de medicamentos chamados antifúngicos", diz Bastos.
Segundo os médicos consultados por VivaBem, produzir uma vacina contra um fungo é difícil por causa da estrutura dele —considerada muito mais complexa que a de um vírus, por exemplo.
Por enquanto, não estamos preparados para um apocalipse zumbi igual da série. Não nos preparamos nem para um vírus que chegou da China. Imagina para um fungo, que é algo muito mais complexo? Filipe Prohaska, infectologista da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e do Hospital Oswaldo Cruz, unidade ligada à UPE (Universidade de Pernambuco)
Algum fungo pode afetar o cérebro?
Esses fungos não nos farão zumbis, mas há casos mais graves, em que alguns microrganismos causam doenças que podem atingir o sistema nervoso central. Veja:
Criptococose (doença do pombo)
A infecção ocorre pelo fungo que se desenvolve nas fezes de pombos ou, em outros casos, da madeira em degradação. A contaminação ocorre, principalmente, quando o cocô do animal fica seco e desidratado, disseminando os esporos do fungo no ar. Ao inalar, a pessoa contrai a doença, que pode ir do pulmão até o sistema nervoso central.
De acordo com Flávio Telles, infectologista da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná), a maioria das pessoas tem contato com o fungo, mas não desenvolve nada. Só que em algumas situações, dependendo da quantidade inalada ou se a pessoa é imunossuprimida, a doença pode vir de forma grave.
"É uma cefaleia brutal, que não melhora com medicamentos. Dá febre e a pessoa pode ter alterações neurológicas, como perda de visão e audição, paralisia, entre outras", diz.
Esporotricose
Doença causada pelo fungo do gênero Sporothrix, que já causou surtos em regiões no Brasil. É transmitida de gatos doentes para as pessoas por meio de arranhões, mordidas ou contato direto com a pele lesionada.
O sintoma mais comum é a lesão na pele e conjuntivite, mas, raramente, pode causar meningite, afetando o cérebro da pessoa. Isso é mais comum em pacientes com problemas na imunidade.
Mucormicose
Na época mais grave da pandemia, a doença ficou conhecida como "fungo negro", e atingia principalmente pacientes que estavam em tratamento da covid e utilizavam medicamentos que impactam a imunidade.
No geral, eles podem ser aspirados pelo próprio paciente ou entrar através dos tubos e cateteres que ficam ligados nas veias. Mas é importante lembrar que é uma doença rara, que pode causar manifestações que afetam a pele, o pulmão e, inclusive, o cérebro.
"A doença tem uma mortalidade de 70% e é uma das mais mortais. O principal fator de risco é o diabetes descontrolado e as pessoas imunossuprimidas (transplantadas, em quimioterapia, por exemplo)", afirma Telles.
Qual a importância dos fungos?
- Os fungos são fundamentais para a existência humana, pois estão envolvidos na produção de alguns medicamentos (o antibiótico penicilina, por exemplo) e alimentos (como pães, cervejas e cogumelos).
- Os fungos fazem parte do nosso organismo e exercem um papel importante de manter o intestino, por exemplo, funcionando bem.
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