'Ossos de vidro': aos 7 anos, ela já tinha feito 30 cirurgias
Antes de completar sete anos, Mayara Massa, 26, já tinha realizado cerca de 30 cirurgias. Por ter osteogênese imperfeita (doença rara, que é popularmente chamada de "ossos de vidro"), as intervenções cirúrgicas eram necessárias ao sofrer alguma fratura, foram tantas cirurgias que a mãe parou de contar e ela não sabe quantas já fez ao todo. A psicóloga, que mora em São Paulo, revela que já perdeu as contas de quantas cicatrizes acumulou com o tempo.
Da infância, a jovem lembra do medo que sentia ao ficar longe da mãe nas passagens pelos hospitais e do sonho de ter uma boneca cadeirante, assim como ela. Atualmente, Mayara divide sua rotina com os seguidores nas redes sociais e divulga a importância da luta anticapacitista, ou seja, formas de evitar a discriminação contra pessoas com deficiência. A seguir, ela detalha a sua história:
"Eu nasci com a doença de 'ossos de vidro'. Durante o ultrassom, os médicos detectaram que havia uma diferença no meu fêmur, que era menor e torto. Mas só após o nascimento recebi o diagnóstico.
Quando era criança ainda não havia muitos tratamentos. Ao fraturar algum osso, o que faziam era engessar. Na maioria das vezes, fraturava os membros inferiores, principalmente o fêmur.
Não entendia o que acontecia direito e não tinha muito cuidado, queria apenas brincar. Mesmo assim, considero que tive uma infância feliz.
Meu sonho era ter uma boneca cadeirante, que só encontrei na fase adulta.
Para evitar que as fraturas fossem frequentes ou prejudicassem a minha rotina, os médicos optaram por colocar pinos (hastes) nos ossos das pernas e dos braços.
Lembro que sempre quis estudar e minha mãe teve dificuldades para encontrar uma escola. De uma forma sutil, falavam que não tinham recursos para atender uma aluna como eu.
Regularmente precisava trocar os pinos conforme ia crescendo. Há pouco tempo, realizei mais uma cirurgia no braço, após um deles sair do lugar e estou imobilizada temporariamente.
Com o tempo, a fragilidade óssea diminuiu e agora a minha preocupação é tomar cuidado para não cair. Hoje consigo me locomover com o andador, mas é mais cansativo e perigoso.
Amor-próprio e aceitação
Na adolescência, não queria mais andar de cadeiras de rodas. Esforçava-me muito com o andador. Queria andar sem limites e acabei provocando uma fratura por tentar demais.
Estava machucada, quebrada e queria me reabilitar com rapidez. Desejava me encaixar na sociedade, não importava como.
Também tinha medo de não ser amada por ter ossos de vidro, achava meu corpo feio por ter deformidades e ser cadeirante.
Percebi que a sexualidade das pessoas com deficiência ainda é um tabu. Não se fala sobre isso e, geralmente, somos infantilizados ou considerados heróis.
Hoje, eu tenho um namorado e, muitas vezes, me perguntam se ele é normal. Mas o que é ser normal? Aprendi a me amar como sou, me aceito e tenho certeza que sou uma mulher bonita.
Falta de inclusão e acessibilidade
Já vi gente com ossos de vidro que não consegue sair de casa. Posso me considerar uma pessoa privilegiada, com recursos e apoio da família, e mesmo assim sempre foi difícil. Na faculdade mesmo, encontrei dificuldades de acesso básico.
Quando entrei no curso de psicologia, algumas aulas eram no quinto andar e não tinha elevador. Fui sendo carregada por colegas para não perder o semestre.
Tive que lutar pelos meus direitos e divulgar nas redes sociais até que resolvessem o problema.
Lutando contra o capacitismo
Eu não quero ser vista como um exemplo de superação. Desejo ser reconhecida como uma pessoa comum que luta por direitos, acessibilidade e inclusão. Não busco uma cura para a minha doença. Desejo que as pessoas possam viver exatamente como elas são.
Vejo que o mundo ainda não está preparado para receber as pessoas com deficiência. Quando frequento um lugar com rampa ou elevador, por exemplo, consigo usufruir das mesmas experiências que os demais ao meu redor.
Fico feliz quando sou vista como uma referência, mas quero mostrar que a vida pode ser boa, que não somos vítimas ou guerreiras. Somos apenas pessoas que enfrentam problemas e vivem suas vidas da melhor maneira que conseguem.
É importante reforçar que nossos ossos são frágeis, mas nós somos fortes. Nossos corpos refletem as nossas vivências, alegrias e dores. E isso deve ser motivo de orgulho todos os dias."
Entenda a osteogênese imperfeita
Conhecida também como "doença dos ossos de vidro" ou doença de Ekman-Lostein, a condição provoca fragilidade óssea. Por isso as fraturas ocorrem com traumas mínimos.
Trata-se de uma doença genética hereditária que afeta a síntese do colágeno, componente importante da estrutura dos ossos. É considerado um problema de saúde raro, atingindo uma a cada 20 mil pessoas no mundo. No Brasil, estima-se que cerca de 12 mil indivíduos tenham ossos de vidro.
Pessoas com formas mais brandas da doença costumam ter uma vida saudável. Nesses casos, é comum que o indivíduo tenha poucas fraturas. Em formas graves, apresentam centenas de ossos quebrados, mesmo antes do nascimento. Roberto Ranzini, ortopedista do Hospital Albert Einstein (SP)
Além das fraturas, podem surgir outros sintomas como:
- Deformidade óssea e dor;
- Dificuldade respiratória;
- Perda auditiva;
- Articulações instáveis ou fraqueza muscular;
- Desvios acentuados da coluna;
- Baixa estatura;
- Forma de rosto triangular;
- Dentes fracos, quebradiços ou descoloridos;
- Esclera azul (cor azulada do branco dos olhos).
Geralmente, o diagnóstico é realizado após o médico observar o histórico de múltiplas fraturas (ou com pequenos traumas).
"São realizados exames laboratoriais para checar a mutação genética, os marcadores do metabolismo ósseo e o colágeno. Também podem ser solicitados exames de imagens, como radiografias e densitometria óssea", destaca Luiz Peres Silva Filho, ortopedista e traumatologista pediátrico da Rede de Hospitais São Camilo (SP).
A doença é classificada de acordo com a sua gravidade. Há vários tipos, mas as mais comuns são:
- Tipo 1 - forma mais leve e comum, que não causa deformidade. Geralmente, se manifesta mais tarde, na fase adulta;
- Tipo 2 - é a mais grave e o indivíduo morre ainda no útero ou logo após nascer;
- Tipo 3 - além das fraturas, provoca deformidades graves e encurvamento dos ossos. Geralmente, a pessoa não consegue andar;
- Tipo 4 - acarreta deformidades moderadas na coluna, curvatura nos ossos longos (como fêmur) e baixa estatura.
De acordo com Ranzini, o objetivo do tratamento é aumentar a massa óssea e ajudar as pessoas a viver de forma mais independente. Portanto, visa prevenir e tratar as fraturas, assim como as sequelas da doença.
Podem ser usados dispositivos de proteção para estabilizar os ossos quebrados durante a cicatrização ou após a cirurgia. "As intervenções cirúrgicas servem para corrigir ossos com deformidades ou desvios. As hastes intramedulares são usadas para evitar as fraturas. Alguns tipos são ajustados à medida que a criança cresce. Tudo para minimizar as complicações", afirma o especialista do São Camilo.
Além disso, dependendo dos sintomas, o médico prescreve medicamentos que diminuem a perda óssea ou tratam a dor. Geralmente, o indivíduo necessita de acompanhamento médico e especializado por toda a vida. A equipe multidisciplinar pode ser formada por ortopedista, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, entre outros.
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