'Síndrome sensorial': entenda diagnóstico do filho de Giovanna Ewbank
A atriz e apresentadora Giovanna Ewbank, 36, revelou que seu filho do meio foi diagnosticado com uma "síndrome sensorial". Segundo ela, Bless, de 8 anos, "ouve mais do que nós todos e sente mais cheiros".
O relato foi feito durante a edição mais recente do Quem Pode, Pod, podcast que a atriz comanda ao lado de Fernanda Paes Leme no YouTube. "Durante a pandemia, o Bless começou a ficar muito aéreo, [fazendo] algumas coisas que eu achava um pouco estranhas", afirmou Ewbank.
A atriz disse que, no início dos sintomas, cogitou a possibilidade de o filho ser autista. "Até que uma médica em São Paulo o diagnosticou com uma síndrome sensorial", disse ela.
Diversas vezes ele passava, por exemplo, pela cozinha, e falava: 'ai, que cheiro forte!'. E eu falava: 'Bless, para com isso. É frescura, filho! É o cheiro da cebola'. Quando ele pisava na grama e falava: 'me tira daqui!'. E eu falava: 'filho, para de frescura, é só grama'. Queria muito colo, não gostava de ir para o meio do mato - onde a gente vai muito - porque o barulho das moscas incomodava ele. Giovanna Ewbank, sobre filho que recebeu diagnóstico de síndrome sensorial.
O que é síndrome sensorial
O neuropediatra Anderson Nitsche, do Hospital Pequeno Príncipe (PR), referência nacional em atendimento pediátrico, explica que a atriz provavelmente se refere ao chamado Transtorno de Processamento Sensorial (TPS, na sigla em português).
Segundo o médico, o transtorno ainda não consta nos manuais de medicina, mas já é reconhecido na prática como um componente de vários outros transtornos.
- O problema é mais frequentemente encontrado em pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista), TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) ou dispraxia (transtorno neurológico de coordenação motora).
- Mas, em alguns casos, também pode aparecer isoladamente.
- Trata-se de uma inabilidade de o cérebro processar e integrar os sentidos que capta do ambiente.
Nitsche dá um exemplo: quando passamos perfume, imediatamente sentimos o cheiro do produto e notamos suas características —se ele é mais doce ou se tem cheiro de canela ou madeira.
Minutos depois, porém, o cérebro "deixa de pensar" naquele cheiro. "É como se o cérebro dissesse 'olha, se você ficar sentindo esse cheiro o tempo todo, você pode ficar um pouco maluco' e a gente vai parando de perceber aquele cheiro, porque o próprio cérebro organiza essa informação".
Nas pessoas com TPS, contudo, isso não acontece. Os receptores funcionam —no nariz, na boca, no ouvido—, mas o processamento e integração dos sentidos no cérebro é falho.
O transtorno de processamento sensorial é uma dificuldade de integrar e dar real significado para cada uma das informações sensoriais que o cérebro recebe. Então, a pessoa pode ficar percebendo um cheiro por muito tempo, e um cheiro que poderia ser prazeroso fica desagradável. Ou um ruído que normalmente as pessoas toleram, como o som do aspirador de pó, se torna extremamente irritante. Anderson Nitsche, neuropediatra do Hospital Pequeno Príncipe (PR).
Quais são os sintomas?
A criança pode perceber os estímulos com mais intensidade (hipersensibilidade) ou menos intensidade (hiposensibilidade).
- Ter a percepção de que as luzes e as cores são brilhantes demais e incomodam, ou que os sons ficam bem intensos;
- Odores naturais também se tornam muito fortes e aversivos e as sensações táteis são interpretadas de modo extremamente profundo pela criança, causando incômodo para escovar os dentes ou cortar unhas, por exemplo.
E nos casos de hiposensibilidade:
- A criança precisa de esforço maior ou de maior intensidade para perceber e aproveitar o estímulo.
- Por isso, é comum que ela seja bastante agitada, leve objetos à boca, goste de muito barulho/sons altos e cheire tudo o que encontra pela frente.
Como é feito o diagnóstico e como diferenciar do autismo
- Não existem exames laboratoriais ou de imagem para diagnosticar a síndrome sensorial. O diagnóstico é clínico, a partir de relatos dos pais, professores ou cuidadores da criança.
- Instrumentos específicos de avaliação, como escalas, também são aplicados por terapeutas ocupacionais para avaliar como a criança processa informações sensoriais.
- Além do terapeuta ocupacional, o diagnóstico também pode incluir neuropediatra, psiquiatra infantil, neuropsicólogo e fonoaudiólogo.
O médico Anderson Nitsche diz que é importante que os sintomas sejam analisados considerando o contexto geral da criança, pois, na maioria das vezes, existem outros transtornos associados.
A síndrome é muito comum em autistas, por exemplo. Os sintomas do TPS são, inclusive, um dos critérios de diagnóstico do autismo.
"Mas, no autismo, além do TPS, existem dificuldades na interação social e na comunicação, além de um padrão de interesses específicos, comportamentos repetitivos e dificuldade com mudanças de rotina", diferencia Julieta Sobreira Góes, neurologista infantil e professora da UNEB (Universidade Estadual da Bahia).
O que causa o problema?
Segundo os especialistas consultados por VivaBem, a síndrome é multifatorial, ou seja, é causada por diversos fatores, entre eles:
- Genética
- Complicações pré-natais, no nascimento e nos primeiros anos de vida;
- Fatores ambientais.
Crianças que são expostas a sensorialidades diversas com bastante precocidade e vários estímulos, especialmente nos dois primeiros anos, numa relação mais concreta com o ambiente, tocando, sentindo, cheirando, amassando, colocando na boca ou ouvindo estímulos diferentes, têm menos probabilidade de desenvolver esse transtorno do que crianças que ficam o dia inteiro no tablet ou num ambiente de pouca estimulação dentro de casa. Anderson Nitsche, do Hospital Pequeno Príncipe (PR).
Há relação com a pandemia?
A atriz Giovanna Ewbank contou que os sintomas do transtorno em seu filho tiveram início durante a pandemia, período no qual foi observado mundialmente um aumento nos casos de transtornos de desenvolvimento.
Algumas pessoas podem ficar se perguntando se existe alguma relação entre o cenário da covid-19 e o transtorno.
Segundo os especialistas ouvidos por VivaBem, como o problema é mutilfatorial, não pode ser atribuído diretamente à pandemia.
"No entanto, a pandemia alterou o modo de vida e o processo pelo qual as crianças são expostas e lidam com os diversos estímulos ambientais", avalia Julieta Sobreira Góes.
O isolamento social pode ter levado a um cenário de menos estímulos sensoriais e maior contato com as telas, por exemplo. Ao mesmo tempo, diz a neuropediatra, os pais podem ter ficado mais atentos ao dia a dia dos seus filhos, facilitando o diagnóstico.
Como funciona o tratamento
A síndrome pode causar prejuízos à qualidade de vida da criança, como o aumento dos níveis de ansiedade.
Ela pode ficar com medo de frequentar um lugar onde sabe que vai receber muito estímulo visual, como um supermercado.
- Por isso, o tratamento visa estimular o cérebro a desenvolver a capacidade de processar, organizar e interpretar as sensações, respondendo de maneira apropriada ao ambiente.
- Uma das técnicas mais utilizadas nesses casos é o protocolo de integração sensorial de Ayres, que foi desenvolvida pela neurologista e terapeuta ocupacional pioneira Anna Jean Ayres em 1989.
Ao longo do tratamento, a criança vai, aos poucos, recebendo estímulos sensoriais diversos. Pode ser uma piscina de bolinhas, onde ela irá mergulhar e sentir as bolinhas encostando em seu corpo. Ou uma sala com uma ponte pênsil, que vibra, para ajudá-la a aprender a andar sobre ela.
"Também há momentos durante a terapia em que ela recebe, de uma forma carinhosa e respeitosa, alguns ruídos de que ela não gosta e acaba entendendo que está tudo bem e não é tão problemático. A gente vai ensinando aquele cérebro a sentir as coisas sem sofrer tanto", resume Nitsche.
Como prevenir
Fatores genéticos não podem ser alterados. Mas alguns fatores ambientais diminuem as chances de uma criança ter o transtorno. Veja:
- Levar a criança ao parque.
- Pisar na grama, areia.
- Brincar com brinquedos de texturas diferentes.
- Ter relações com outras crianças.
- Diminuir tempo de tela.
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