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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Ela perdeu a audição e voltou a ouvir com implante: 'Cada som, uma vitória'

Juliana só percebeu o preconceito "sutil e velado" que sofreu depois de adulta - Arquivo pessoal
Juliana só percebeu o preconceito "sutil e velado" que sofreu depois de adulta Imagem: Arquivo pessoal

Janaína Silva

Colaboração para VivaBem

29/01/2023 04h00

Juliana Amado, 36, é museóloga, decoradora de interiores, mora no Rio de Janeiro e após ter tido meningite meningocócica, com apenas 1 ano e 8 meses, teve perda auditiva profunda. Entre 18 e 19 anos, fez implante coclear —dispositivo eletrônico usado para restaurar a função da audição quando os aparelhos auditivos convencionais não surtem efeito.

Além da sua atividade como coordenadora em um museu, Juliana realiza também consultoria de decoração de interiores, com forte atuação nas redes sociais e foi nelas que começou a abordar questões de acessibilidade e capacitismo —que é a discriminação da pessoa com deficiência: "Já recebi relatos maravilhosos, como uma pessoa que mudou a forma de lidar com a prima que é surda depois de perceber seu próprio capacitismo, professores que buscaram tornar as aulas mais acessíveis e mães que se sentiram acolhidas".

O interesse por decoração surgiu ao ir morar sozinha e no processo de decorar a própria casa. Nas consultorias, Juliana explica que a acessibilidade é vista não necessariamente seguindo as normas, mas com cuidado para que fique funcional para aquela pessoa, como prestar muita atenção na dimensão dos móveis para permitir a circulação de pessoas com mobilidade reduzida ou evitar tapetes para quem usa cadeira de rodas. Abaixo, ela conta sua história:

"Desde que tinha 1 ano e 9 meses, usei aparelhos amplificadores, que chamamos de AASI (aparelho de amplificação sonora individual) —conhecidos como aparelhos auditivos. Mas não tinha o retorno satisfatório.

Por volta de 18/19 anos, fiz o implante coclear. No Brasil, felizmente essa cirurgia é coberta pelo SUS e, atualmente, pelos planos de saúde. Como fiz pelo SUS, passei por uma equipe multidisciplinar, com otorrinolaringologista, fonoaudiólogas, psicóloga e assistente social.

Isso foi fundamental no processo, pois eles alinharam as expectativas, explicaram que eu não tinha memória auditiva por ter perdido a audição antes de adquirir linguagem, então falar ao telefone seria algo muito pouco provável.

Assim, fiz o que fui aconselhada: encarar cada som como uma vitória e treinar para identificar o máximo possível de sons.

E, de fato, não falo ao telefone, mas sou muito grata ao implante, ele me trouxe muitas melhorias na qualidade de vida.

Já estava na universidade, já tinha meus amigos, já era oralizada com domínio do português, que é a minha língua, não uso libras (língua brasileira de sinais), e estava bem adaptada à vida no silêncio.

No entanto, o implante permitiu associar o som à leitura labial, perceber que tem alguém falando e olhar para a pessoa, identificar o apito do micro-ondas, escutar música, mesmo que não entenda muito.

O implante me poupa muito da exaustão tão comum em pessoas com deficiência auditiva.

A pandemia, a acessibilidade e o capacitismo

Juliana Amado 1 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Comecei a prestar muita atenção nas condições de acesso —que devem ser oferecidas independentemente de limitações físicas, intelectuais ou sensoriais, com legitimidade e dignidade—, quando explodiu a pandemia e, de repente, me vi sem autonomia, porque não tinha acessibilidade em lugar nenhum [por causa do uso da máscara].

Até então, precisava de acessibilidade para algumas coisas, mas sem ferir a minha autonomia. Na pandemia, precisei contar muito com a ajuda de amigos para ir a lugares resolver questões, coisas que antes sempre fiz sozinha.

Aí percebi que as pessoas confundiam ajuda com acessibilidade. O ideal é que se tenha o máximo de acessibilidade para que se precise menos de ajuda, já que nem sempre vamos poder contar com a boa vontade alheia.

Isso foi o ponto de partida para começar a pesquisar o tema mais a fundo e refletir sobre ele.

Para muitos de nós, o perrengue foi tão grande a ponto de começarmos a desenvolver fobia social. Passei a ter medo de ir sozinha aos lugares porque não sabia se conseguiria me virar ou se passaria por situações vexatórias.

Andava sempre com papel e caneta na bolsa, mas nem todo mundo tinha a boa vontade de escrever.

Outra coisa delicada foi que tive que mudar quase todos os profissionais da saúde que me acompanhavam por falta de acessibilidade.

Preconceito velado

Na minha infância, não me lembro de ter sofrido preconceito. Estudei em escola regular e meus amigos eram, em maior quantidade, crianças ouvintes. Tinha alguns amigos surdos que frequentavam a mesma clínica de fonoaudiologia.

Nunca fui excluída pelos coleguinhas, ia para as festas e participava das brincadeiras. Sabia que tinha uma deficiência, mas não me sentia muito diferente.

Depois de adulta é que fui perceber que sofri muito capacitismo de forma velada e sutil, em especial no âmbito familiar. Como a pressão enorme que sofria para ser uma das primeiras da turma e provar que era capaz.

Também ouvi, aos 18 anos, de uma pessoa que ela tinha vergonha do fato de eu ter sido capaz de passar em uma universidade pública, e ela, não.

É preciso estudar muito o capacitismo. A não aceitação, no meu entendimento, está muito ligada ao preconceito, a esse mito de que não somos capazes ou que temos que provar nossa capacidade o tempo todo.

Deficiência invisível

Juliana Amado 3 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

A deficiência invisível ou passabilidade nos traz alguns privilégios em relação às demais visíveis, porém há complicações.

Somos, muitas vezes, vistos como picaretas quando precisamos usufruir dos nossos direitos. Tais como gratuidade no transporte público, atendimento preferencial —onde está a acessibilidade, em geral—, fila preferencial no aeroporto, prioridade na saúde, especialmente em situações de calamidade pelo fato de sermos mais vulneráveis.

Já tive meu documento do transporte questionado tanto no ônibus quanto no metrô. Já me olharam torto no aeroporto. Já fui xingada no ônibus porque 'você tem as duas pernas'.

Tanto que não saio de casa sem algum documento que comprove a deficiência. E se não fosse uma mulher branca, teria muito medo de não ouvir uma abordagem policial.

O meu sonho é popularizarem o uso do cordão de girassol, que indica deficiências invisíveis. Me sentiria bem mais segura com esse cordão em algumas situações."

Saiba mais sobre perda auditiva

Existem alguns tipos de perdas auditivas. A perda auditiva neurossensorial, como a que a Juliana teve ainda antes dos 2 anos, é uma das consequências da meningite na população infantil. Ela afeta por volta de 9% dessas crianças, segundo pesquisas internacionais.

"A doença representa a principal causa de dano auditivo grave adquirido na infância. O risco de desenvolver perda auditiva após quadros de meningite está relacionado à gravidade, ao tipo de bactéria e à demora em se implementar o tratamento adequado. Quando a cóclea é acometida pela inflamação, pode ocorrer lesão em grau variável das suas células ciliadas, causando a surdez neurossensorial", explica André Alencar Araripe, otorrinolaringologista do Hospital Universitário Walter Cantídio, do Complexo Hospitalar da UFC (Universidade Federal do Ceará), ligado à rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).

O comprometimento da cóclea, nervo da audição, também ocorre:

  • devido à exposição ao ruído, que pode ser ocupacional, quando a pessoa trabalha em ambiente ruidoso;
  • a presbiacusia, degeneração pelo envelhecimento do ouvido;
  • infecções por vírus e bactérias;
  • e lesões ou tumores cerebrais, que não são tão comuns.

A surdez congênita é a deficiência auditiva diagnosticada e/ou identificada desde o nascimento. "50% dos diagnósticos de perdas auditivas são congênitos", afirma Araripe. Pode ser hereditária, atrelada à genética herdada dos pais, que podem ter algum grau de alteração auditiva ou não.

Ela também é advinda de fatores desencadeadores:

  • má formação anatômica de alguma parte interna ou externa da orelha
  • prematuridade (nascimento do bebê antes de 37 semanas de gestação)
  • baixo peso ao nascer (inferior a 2.500 gramas)
  • infecções no período de gestação

Entre as estratégias para prevenção estão acompanhamento pré-natal, atenção no uso de medicações e cuidados na alimentação, como evitar consumo de carnes cruas ou malpassadas, e higienização de frutas e legumes para evitar infecções, como a toxoplasmose.

"A mãe deve manter a vacinação em dia antes de engravidar para evitar contrair rubéola e sarampo, e fazer uso de preservativos para prevenir ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), como sífilis e herpes, enfermidades que podem causar surdez no bebê", lista.

É essencial que o recém-nascido passe por uma triagem auditiva neonatal, chamada teste da orelhinha, feita antes da alta hospitalar e que irá identificar alguma alteração das células internas do ouvido. A congênita, independentemente da origem, é identificada no exame.

Na perda auditiva adquirida, as causas comuns são:

  • rolha de cerume (muita cera no ouvido)
  • inflamação do canal do ouvido
  • otites (média aguda ou média secretora), após gripes e resfriados

"Essas causas estão relacionadas a uma dificuldade para o som chegar até a cóclea. São perdas condutivas e, quando tratadas de forma adequada, são reversíveis", explica Adriana Gimenes Pim, otorrinolaringologista de São Roque (SP).

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Imagem: iStock

Veja sinais que indicam problemas na audição:

  • dificuldade para escutar os sons
  • dificuldade para entender o que é dito: escuta o som, mas não compreende o que foi falado
  • sensação de ouvido tampado
  • autofonia: escuta a própria voz mais alto que os demais sons
  • zumbido ou chiado
  • tontura
  • necessidade de aumentar muito o som da TV e do celular

Em recém-nascidos, é preciso observar se não se assustam mediante sons de alta intensidade como bater palma, porta batendo e latido de cachorro. Depois, observar se não reagem à fala dos pais, não viram a cabeça quando chamado e não balbuciam.

Em crianças com perda auditiva total, os comportamentos e os atrasos de fala e linguagem são mais evidentes. A desatenção e a dificuldade escolar são sinais importantes.

Já em bebês, é mais difícil perceber perdas parciais, leves ou moderadas na audição. Os que não possuem comprometimento, já reconhecem que estão chamando pelo nome deles até o 9º mês de vida. Por volta de 1 ano, falam as primeiras palavras e com 2 anos devem ser capazes de formar uma frase.