'Lidar com o risco de morte foi enlouquecedor, e ouvi do convênio um não'
A paulistana e estudante de naturologia Isadora Matos, de 25 anos, viu sua vida virar de cabeça para baixo ao receber o diagnóstico de linforma difuso de grandes células B —um tipo de câncer agressivo e mais comum em pessoas idosas— no fim de 2021.
Após tratamentos, a jovem anunciou que precisaria passar por uma nova terapia de reprogramação das células por um laboratório nos Estados Unidos. "É minha última opção", disse ela, nas redes sociais.
Para liberar o tratamento pelo plano de saúde, porém, a família teve de fazer um verdadeiro mutirão de ligações e compartilhamentos nas redes sociais — além de ir à Justiça. A VivaBem, Isadora conta sua história.
'Encobri as dores'
"Em agosto de 2021 comecei a sentir várias dores, principalmente no quadril e na perna. Comecei a fazer fisioterapia porque, inicialmente, achavam que o quadro era de inflamação no nervo ciático, mas nada melhorava, pelo contrário.
Sentia desconforto para sentar e depois para andar, mas tinha muito receio de assustar minha família pelo tanto de dor que estava sentindo. Então, tentei encobrir essas dores com bastante remédio.
Quando já não aguentava mais, falei com minha família e resolvemos ir a um especialista em quadril, perto de novembro. Ao contar para o médico que sentia muita sudorese noturna e tinha perdido 10 kg em um mês, ele disse que precisava investigar com urgência.
Depois de uma semana internada, chegamos ao diagnóstico do meu tipo de câncer, que já estava com 17 cm e localizado no fêmur. Foi muito assustador descobrir, mas ótimo ter um norte do que era, de saber que tinha cura
Ainda em 2021 comecei a fazer os ciclos de quimioterapia e hoje já foram 13 sessões. Estava pesando 39 kg e nem conseguia andar. Depois de muitas sessões, a equipe médica indicou um tratamento com transplante de medula óssea chamado transplante autólogo, com a doação da célula vinda de mim para mim.
Em julho de 2022 comecei o processo, no mês seguinte fiz o transplante e fiquei 28 dias internada. As reações foram bastante complicadas, desde a sensibilidade que desenvolvi, chamada de mucosite, da boca até o ânus, até dores, diarreia e febre.
Em outubro saiu o resultado, que comprovou que eu estava curada, Foi muito simbólico e maravilhoso. Fazia mais ou menos um ano do início do tratamento.
Entretanto, meses depois, ainda em 2022, comecei a sentir fadiga e, ao refazer a biópsia, vimos que o linfoma tinha retornado de forma menor. Antes os focos eram no fêmur, rim, abdome e parte do pescoço. Ao voltar, estava nos rins e uma parte do abdome.
No início deste ano voltei a fazer as químios, mas a gente já sabia que o único tratamento efetivo seria o Car-T Cell [um tratamento inovador que modifica geneticamente as células do paciente em laboratório].
O mutirão
Desde o começo tinha certeza que o plano aprovaria o tratamento, então vivi um momento surreal quando negaram. Mesmo com os relatórios dos médicos falando que era o único tratamento para me manter viva, negaram duas vezes com a justificativa de que não estava listado no rol [uma espécie de lista de procedimentos] da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
Na época das duas negativas, minha mãe ficou na linha de frente para falar com o plano porque eu estava fazendo a químio para que o câncer não espalhasse.
Minha família e amigos começaram uma movimentação grande nas redes sociais, além de entrar com um processo, que gerou uma liminar, contra o plano. Dias depois da ação, o plano liberou o tratamento, sem recorrer, no dia 2 de fevereiro, e foi só alegria.
Espero que esse seja só o começo de todas as aprovações. Desde o primeiro diagnóstico, lidar com a possibilidade de morte foi enlouquecedor, e ouvir do plano que a única chance que tinha de viver não era possível tirou totalmente meu chão.
Com as negativas, até parei de conversar com a minha família, porque sabia que, se eles não aprovassem, eu ia morrer
Esperança na terapia
No Car-T Cell, eles pegam a minha célula e aplicam como se fosse um chave, que se conecta à célula cancerígena e a destrói. Essa célula com a chave é recolocada de volta como se fosse um transplante de medula, através de uma máquina parecida com a usada na hemodiálise.
Antes ou depois desse transplante, também será feito um tratamento de quatro dias de uma quimioterapia específica.
Coletei as células, que precisavam para fazer o tratamento do Car-T Cell antes de voltar a fazer as químios em janeiro, e agora elas vão para os Estados Unidos para acontecer a manufatura delas [a modificação genética].
Depois de 45 dias, as células voltam ao Brasil para serem inseridas em mim. Se fosse há cinco meses, teria de fazer o tratamento todo nos Estados Unidos, mas, no final do ano passado, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) liberou fazer o tratamento [a infusão das células modificadas] aqui.
A previsão é de que no final de março façam a recolocação das células. Como será uma infusão de células novas, pode haver bastante reação. Precisarei ficar de 14 a 30 dias em observação no hospital. Em abril, maio, eu sairei curada.
Precisamos de muito investimento para que seja possível fazer todo o tratamento [incluindo a reprogramação das células] no Brasil. Temos profissionais e tecnologia, mas falta investimento
Enfrentar o câncer é uma porcaria, mas, por ter minha família, amigos e meu companheiro ao meu lado, tento viver o processo e lidar da melhor forma.
Entendo que a vida é hoje e não é à toa que o presente se chama presente. Temos de viver o presente.
Entenda a doença
- O linfoma difuso de grandes células B representa 30% dos linfomas não Hodgkin e é o mais comum entre eles.
- Pode atingir pessoas de qualquer idade, mas é mais frequente em pessoas mais velhas.
- É uma massa de crescimento rápido em órgãos como intestinos, ossos, cérebro, medula ou em um gânglio linfático e geralmente reage bem ao tratamento: 75% dos pacientes deixam de apresentar sintomas após a terapia inicial e metade deles fica curada.
O tratamento
- O tratamento com Car-t Cell, indicado como única opção para curar a estudante, consiste em habilitar linfócitos T, células de defesa do corpo, com receptores capazes de reconhecer o tumor.
- A terapia custa até US$ 500 mil dólares (mais de R$ 2,5 milhões).
- É considerada uma das novas frentes promissoras de tratamento contra o câncer. Nos Estados Unidos, este tratamento já é comum. No Brasil, porém, ainda há entraves.
O que diz o plano
Questionada pelo UOL sobre o caso de Isadora e o motivo das negativas anteriores, a Amil informou "que cumpriu a liminar em questão e seguirá em discussão sobre a utilização do Car-T Cell".
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