'Sentia dor de cabeça, disseram que era sinusite e parei de enxergar'
Graziela Belau Barros, 31, foi diagnosticada com uma doença rara que afeta a visão: a neuromielite óptica. Ela teve de enfrentar uma verdadeira saga de médicos e exames por quatro anos até conseguir saber o que tinha. Chegou a ser diagnosticada com sinusite e enxaqueca. Hoje, é uma pessoa de baixa visão — Graziela não consegue identificar obstáculos, precisa de bengala para andar e usa recursos como textos ampliados e áudio. A VivaBem, a jovem de Franca (SP) conta sua história com a doença.
Justificaram como sinusite
"Os meus primeiros sintomas foram dores de cabeça e então comecei a sentir uma leve dor no olho esquerdo, em 2014. Fui várias vezes ao plantão [médico].
Me pediram uma tomografia, que constatou uma sinusite. Justificaram minhas dores na cabeça e no olho como sinusite. Mal sabia eu que, naquela época, já tinha a neuromielite óptica.
Esse foi meu primeiro diagnóstico errado. Tomei a medicação para sinusite por algum tempo. Fui ao oftalmologista porque, além das dores de cabeça e no olho, comecei a sentir também uma dor ao movimentá-lo.
Quando abaixava e levantava a cabeça, minha visão ficava toda escura, preta, na lateral. Fiz alguns exames com a médica e ela me disse que os sintomas estavam relacionados à sinusite. Como sou leiga, acreditei e continuei com o remédio.
Essa medicação não me fez mal porque era um tipo de corticoide e eles também são usados [por coincidência] no tratamento da neuromielite óptica. Enquanto era tratada como sinusite, a medicação não tirou a inflamação do nervo do meu olho esquerdo, mas aliviou um pouco a dor.
Diagnóstico de enxaqueca
Tive de parar a medicação porque, durante o tratamento da suposta sinusite, descobri que estava grávida.
A gravidez foi tranquila e meu filho nasceu saudável. Em julho de 2018, comecei a ter os mesmos sintomas: dores de cabeça e dores no olho. Fui ao plantão novamente, expliquei a situação.
Fizeram a tomografia e não encontraram nada que pudesse indicar sinusite. A face estava limpa e isso me deixou preocupada. Me indicaram fazer uma consulta com um neurologista e contei todo meu histórico. Ele me solicitou vários exames, até mapeamento cerebral, que constatou uma enxaqueca crônica. Acreditei nele.
Comecei a tomar a medicação para enxaqueca por um mês e meio e não senti melhora. Dores de cabeça, dores no olho direito, tudo muito forte e comecei a ficar sem enxergar
'Não conseguia ver a cor do semáforo'
Todos os dias deixava meu filho logo na casa da minha mãe, de carro. Um dia, ao fazer isso, ao entrar em uma avenida, me dei conta de que já não enxergava bem. Não fiquei cega, mas levei um susto muito grande.
Minha acuidade visual [capacidade de distinguir detalhes, como forma e contorno de objetos] ficou muito ruim, já não conseguia identificar o carro que estava bem na minha frente ou em que cor o semáforo estava.
Entrei em desespero, nunca senti tanto medo na minha vida. Foi muito assustador. Eu, meu filho e as pessoas que estavam na rua corremos riscos
Até cheguei a parar o carro próximo ao meio-fio e ligar para os meus pais, mas não conseguia. Continuei dirigindo e rezei para chegar à casa da minha mãe, que não fica tão longe de onde moro. Cheguei lá com muita vagareza e buzinavam muito.
Meu pai me levou ao trabalho naquele dia, dirigiu para mim. Eu trabalhava como professora do ensino infantil, alfabetizava crianças. Me reuni com a diretora da escola e a coordenadora e afirmei: "tem alguma coisa errada comigo e preciso correr atrás se não vou ficar cega".
Fui afastada do trabalho e nunca mais voltei. Percebi que meu corpo não dava mais conta, me sentia muito sobrecarregada nos meus outros sentidos. Não enxergo direito e é como se meu corpo tentasse compensar com a audição, me dá muito mal-estar.
'Fui jogada de um médico para outro'
Na época, cheguei a fazer um novo exame com um oftalmologista para ver meu fundo do olho e constataram a inflamação no nervo óptico.
Voltei ao mesmo neurologista que tinha me diagnosticado com a enxaqueca crônica. Ele fez alguns exames e reafirmou o diagnóstico. Sobre a perda de visão, disse que eu deveria falar com um oftalmologista e assim eu fui jogada de um para o outro.
Fui a outro neurologista que se espantou com o tamanho da inflamação no nervo óptico e me encaminhou a um hospital, onde fiz mais exames e fiquei internada por dez dias.
Cheguei a retirar um líquido da coluna, para verificarem se não estava com esclerose múltipla. Deu negativo.
Enquanto isso, ia recebendo corticoides. Foi muito difícil identificar o que era, até que fiz um último exame, chamado anti-aquaporina 4 e deu positivo. Só fui diagnosticada com neuromielite óptica em setembro de 2018.
Fiquei com sequelas graves no meu olho esquerdo.Tenho baixa visão nele e um profundo embaçamento. Não consigo deixar a imagem nítida: é como se o que estivesse na frente sumisse. Meu nervo óptico do olho esquerdo atrofiou.
'Talvez não tivesse as sequelas'
Entendo que muitos médicos, mesmo especializados em oftalmologia ou neurologia, não conhecem a minha doença. Afinal, é uma doença rara, algo que talvez eles nunca tenham presenciado na vida. É por isso que sempre aproveito para falar sobre ela.
Se eu tivesse o diagnóstico correto desde o princípio, meu tratamento seria adequado e talvez eu não tivesse as sequelas com as quais tenho de conviver diariamente.
Não deixei de ter dores oculares e de cabeça: é como se meu olho se esforçasse para tentar enxergar. Preciso ficar várias vezes no escuro, quieta, para relaxar a vista. Me dá enjoo e ânsia também, além da fadiga. São coisas que não controlo.
Aprendi a andar com a bengala [ela usa uma bengala verde, cor designada para pessoas de baixa visão], a mexer no fogão e coisas diárias.
Tomo um medicamento chamado Rituximab [um anticorpo monoclonal], de seis em seis meses por infusão durante seis horas. É algo para o resto da vida — para que minha visão não seja ainda mais prejudicada."
Entenda a doença
- A neuromielite óptica é uma doença autoimune inflamatória e rara, que afeta cerca de 2,5 milhões de pessoas no mundo, principalmente mulheres a partir de 39 anos.
- Estima-se que cerca de 3,5 mil a 7 mil pessoas tenham a doença no Brasil. Os dados são de 2022, do Ministério da Saúde.
- A doença ocorre quando o corpo passa a produzir anticorpos (proteínas de defesa) que atacam a proteína aquaporina 4, responsável pelo transporte de água no cérebro, o que causa lesões e inflamação nos nervos ópticos e medula espinhal. O fator que desencadeia esse processo ainda é desconhecido.
A VivaBem, o médico neurocirurgião Pedro Augusto Deja Teixeira explica que a neuromielite óptica já foi considerada um tipo mais grave de esclerose múltipla.
Ela chegou a ser chamada de esclerose múltipla óptico-espinhal, pelo acometimento rápido e característico dos nervos ópticos e da medula espinhal
O diagnóstico é feito após exame neurológico e análise de exames complementares — ressonâncias magnéticas, exames de sangue e exame de líquor, um líquido retirado da coluna onde é possível encontrar a baixa quantidade de anti-aquaporina 4.
O tratamento é dividido em duas fases — tratamento da fase aguda ou surto e tratamento da fase crônica ou tratamento de manutenção.
- Tratamento da fase aguda: são utilizados corticoides aplicados na veia ou a filtração de parte do sangue do paciente para a remoção de anticorpos que destroem a anti-aquaporina 4.
- Tratamento da fase crônica: o objetivo é evitar novos surtos e, para isso, são utilizadas medicações imunossupressoras, que podem ser aplicadas na veia ou orais, a depender de cada caso.
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