Quais as diferenças entre a cannabis medicinal e a maconha recreativa?
Nas últimas semanas, muito se tem se falado sobre a indicação da cannabis em tratamentos para doenças, inclusive com o anúncio do fornecimento gratuito de medicamentos à base de canabidiol pelo SUS (Sistema Único de Saúde), como autorizado no estado de São Paulo e em Salvador, mais recentemente.
O canabidiol ou CBD é uma das mais de 700 substâncias, entre fitocanabinoides, terpenos e flavonoides, extraídas da planta conhecida popularmente como maconha, do gênero Cannabis.
Contudo, há ainda muitas dúvidas sobre o que diferencia o uso medicinal do recreativo, como substância narcótica: forma de consumo, efeitos, controle, indicações e até isolamento dos componentes extraídos da planta. VivaBem ouviu especialistas que comentam as aplicações e diferenças.
É correto usar o termo maconha medicinal?
Não, o termo empregado deve ser cannabis medicinal para se referir à aplicação terapêutica dos componentes extraídos da planta, sendo os mais conhecidos: o CBD (canabidiol) e o THC (tetrahidrocanabinol).
Com a autorização do uso terapêutico das substâncias presentes na planta, consumir maconha de forma recreativa também é benéfico?
Não. Quando fumada, via comum de escolha para o uso recreativo, ela pode ser bastante danosa à saúde, pois a combustão leva à produção de substâncias maléficas. Muitos dos componentes da planta são também perdidos na queima.
Além disso, apresenta aos usuários uma série de danos psicossociais e risco psicótico. Hoje, existe uma percepção geral —e errônea— de que a maconha seja inofensiva, fazendo com que os jovens entrem em contato com a droga cada vez mais cedo.
"Como o cérebro de jovens, de 12, 13, 14 anos, ainda é imaturo, visto que a maturidade cerebral só ocorre após os 25 anos, existe muita dificuldade para controlar o prazer em suas vidas e passam a consumir a maconha em praticamente todas as situações, antes de ir à escola, de jogar o videogame ou praticar algum esporte. Nesses casos, o risco de desenvolver psicoses é maior, além de estreitamento do repertório, distanciamento de outros interesses e estudo, tornando-se pessoas, no futuro, com problemas de relacionamento interpessoal e financeiro, por exemplo", explica André Malbergier, psiquiatra e coordenador do programa interdisciplinar de estudos de álcool e drogas do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Outro aspecto é que a maconha recreativa, comercializada nos dias atuais, é muito diferente da que se usava nas décadas de 1970 e 1980, porque as taxas de THC, substância que provoca prazer, chegam a ser 30% mais elevadas.
Há outras formas de consumo da maconha recreativa?
Muitos, para não se exporem aos efeitos nocivos da fumaça emitida quando a droga é fumada, acabam ingerindo-a em formas de doces —conhecidos popularmente como "brisadeiros"— ou bolos, os mais populares são os brownies.
Se não existe o problema da combustão, por outro lado, há o da absorção irregular, ocorrendo demora para proporcionar os efeitos provocados pela droga —os chamados "barato" ou "brisa"—, segundo Malbergier,
Com isso, perde-se o controle do processo, não há como parar se passar mal ou "ficar louco" demais, como quando se fuma a maconha. "Quando ela é ingerida, já houve absorção de THC e se perdeu o controle do efeito dela."
Quais doenças podem ser tratadas com o CBD ou o THC, de forma comprovada?
Várias doenças e condições vêm sendo estudadas e com comprovação científica, dentre elas, epilepsia refratária, TEA (Transtorno do Espectro Autista), Parkinson, doenças imunológicas como a artrite reumatoide, entre outras.
"A cannabis e seus canabinoides têm mostrado eficácia clínica na área da odontologia, no tratamento da DTM (disfunção temporomandibular), e na dermatologia para a dermatite atópica. Oriento, atualmente, um ensaio clínico com a pomada de cannabis rica em THC para a epidermólise bolhosa, com resultados animadores com a redução da inflamação, prurido, dor e melhora na cicatrização", esclarece Katy Lisias Gondim Dias de Albuquerque, doutora em farmacologia de produtos naturais e professora do departamento de fisiologia e patologia da UFPB (Universidade Federal da Paraíba).
Existem diversos grupos de pesquisa que estudam a ação da cannabis e seus canabinoides para enfermidades como ansiedade e epilepsia.
Em quais situações a cannabis medicinal não é recomendada?
Não só com a cannabis, mas com qualquer tratamento, não se recomenda quando o risco ultrapassa o benefício, segundo os especialistas.
Entretanto, há alguns grupos que precisam ser acompanhados de perto, como gestantes, pessoas com históricos familiares de distúrbios psiquiátricos e adolescentes.
Existem efeitos colaterais?
Sim. Nenhuma substância é isenta de efeitos colaterais. Porém, de acordo com a professora da UFPB, os observados são bem menos danosos ao organismo quando comparados a alguns alopáticos.
Os efeitos colaterais são controláveis, como:
- sonolência
- tontura
- torpor (mal-estar generalizado)
- boca seca
- aumento do apetite
- diarreia
- ânsia
- ansiedade
- tremores
"Em geral, o médico prescritor orienta o paciente sobre os possíveis efeitos, mas se começa com baixas doses. Assim, as reações são mínimas ou inexistentes na maioria das vezes", afirma Paula Vinha, nutróloga, sócia-fundadora da APMC (Associação Panamericana de Medicina Canabinoide, membro da SCC (Society of Cannabis Clinicians) e coordenadora científica da Cicmed (Conferência Internacional da Cannabis Medicinal).
Quem pode prescrever a cannabis medicinal com fins terapêuticos?
Médicos e odontólogos.
Como as substâncias extraídas da planta da maconha são apresentadas para o uso terapêutico?
Atualmente, existem todas as formas de apresentação:
- óleo
- solução oral
- cápsulas
- spray nasal e oral
- gel transdérmico
- gomas
- até supositórios para dores pélvicas e doenças inflamatórias intestinais
Já existem laboratórios no Brasil que produzem a cannabis com fins terapêuticos?
Os produtos são produzidos no exterior —EUA, Suíça, Colômbia, Uruguai— e comercializados no Brasil, por meio de importação direta ou compra na farmácia das marcas autorizadas pela Anvisa.
A lista de medicamentos aprovados para comercialização no país pode ser consultada no link: https://consultas.anvisa.gov.br/#/cannabis/q/?situacaoRegistro=V.
Está em desenvolvimento no país o canabidiol sintético, mas a venda ainda não é autorizada, de acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 327, de 09 de dezembro de 2019, os ativos utilizados são de origem vegetal, exclusivamente.
Há, também, cultivo e extração limitados a algumas cooperativas de pacientes e universidade por meio de autorização judicial.
Posso produzir a maconha medicinal em casa?
Não, da mesma forma que não se produz uma aspirina em casa, por exemplo. Apesar de serem divulgados métodos caseiros, eles não são recomendados pela falta de precisão. Na opinião do psiquiatra do IPq, essa prática deveria ser proibida.
Outro complicador é que muitas pessoas obtêm na justiça liminar para o plantio com indicação terapêutica e, muitas vezes, o que ocorre é que não se faz a extração do óleo da planta, mas, sim, a via fumada. Faltam supervisão e controle nesses casos. André Malbergier, psiquiatra
Qual a diferença entre CBD e THC?
Eles são componentes chamados fitocanabinoides e que possuem propriedades medicinais. A planta possui mais de 100 fitocanabinoides diferentes.
O CBD e o THC são os mais conhecidos e agem em receptores diferentes e se tornam complementares, em algumas indicações.
Dependendo do caso, o médico pode indicar um produto chamado full spectrum (com todos os componentes da planta) ou broad spectrum (com todos os componentes da planta, porém sem o THC) ou o isolado, que só possui o CBD.
As substâncias no organismo atuam da mesma forma?
Não, depende do fitocanabinoide e da própria ação e indicação.
O THC pode ser inalado com fins terapêuticos?
Sim, quando se fala via inalatória não é usar a cannabis por via fumada.
O THC inalado é empregado em casos de dores agudas. "Sua farmacocinética, por meio da via inalatória, faz com que ele atinja um pico de concentração plasmática bem rápido, tendo ação analgésica mais rápida também. Entretanto, o efeito não é duradouro como por via oral", explica a professora da UFPB.
Em alguns países como Israel, a via inalatória é utilizada até mesmo em hospitais, com uso de vaporizadores eletrônicos específicos para esse fim, de acordo com a coordenadora científica da Cicmed.
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