Quinho do Salgueiro trata câncer de próstata: 'Para mim, era uma infecção'
Quando pisou na Marquês de Sapucaí no último dia 5 para um dos ensaios do Acadêmicos do Salgueiro, o intérprete Quinho (65) sabia que era um dia especial. Voz histórica da escola, ele estava afastado desde setembro do ano passado para tratar um câncer de próstata.
Quem é de fora da bolha carnavalesca talvez o conheça por entoar um dos mais famosos sambas-enredo da história, que tem como refrão: "Explode coração, na maior felicidade. É lindo o meu Salgueiro, contagiando, sacudindo essa cidade". Por coincidência, o favorito de Quinho.
No início do ano passado, o cantor passou dez dias com dificuldades para urinar e dor. Foi a um amigo urologista, que o indicou colocar uma sonda para fazer xixi e pediu exames. Na correria pré-Carnaval e pensando ser uma infecção urinária, deixou para investigar o problema quando as festas terminassem.
O salgueirense já estava com a sonda no desfile do ano passado, adiado de fevereiro para abril por causa da pandemia.
"Eu já estava perdendo peso, só que não percebia. Para mim, era uma infecção urinária. Em janeiro, o pau já estava quebrando em termos de escola de samba, e o Salgueiro é muito requisitado, por ser um gigante do Carnaval. Eu ia para um lado, o Emerson [Dias, também intérprete do Salgueiro] ia para outro e, quando acabou, fui para cima resolver a situação", lembra o cantor.
Susto e reclusão
Uma biópsia confirmou que ele tinha um tumor maligno. Quinho se assustou com a notícia. "A gente acha que não vai acontecer com a gente", diz. Ainda mais porque era "um ogro", como se define, sem o costume de fazer check-up.
O impacto o fez calar, e Quinho demorou para compartilhar o diagnóstico. Foi a boa resposta ao tratamento que o encorajou a abrir o jogo. "Cada um tem uma forma de receber a notícia e eu me retraí. Depois que vi as coisas acontecendo, a resposta ao tratamento, eu contei para o presidente [do Salgueiro, André Vaz] e, na sequência, para as pessoas, os veículos de comunicação", diz.
André Vaz, a quem Quinho chama de "irmãozão", foi essencial ao deixá-lo tranquilo para se afastar da agremiação e cuidar da saúde. "Ele me disse: 'Você é o nome do Salgueiro, e a gente precisa de você bem'."
O problema é na próstata, não é na voz. Mas eu preferi me afastar e me recompor. Eu estando bem, o Salgueiro vai estar bem.
O tratamento
Agora, Quinho faz quimioterapia a cada mês, sem previsão de término —antes fazia de 15 em 15 dias e também cumpriu uma semana de radioterapia.
Se eu fizer a químio na segunda-feira, na terça não quero falar com ninguém e nem almoçar, aí tomo um iogurte, café, como um queijo, passo um dia assim. Na quarta já volto a me alimentar.
O objetivo do tratamento, conta o intérprete, é baixar os níveis de PSA (antígeno prostático específico), um dos marcadores do câncer de próstata:
- Seu valor é medido no sangue e varia para cada pessoa, explica Ubirajara Ferreira, coordenador do departamento de uro-oncologia da SBU (Sociedade Brasileira de Urologia).
- Por isso é importante realizá-lo periodicamente, para mapear altas que indiquem o tumor.
Acompanhamento necessário. A suspeita de câncer ainda pode surgir pelo exame de toque retal, que Quinho tinha resistência a fazer. No procedimento, o médico insere o dedo indicador no ânus do paciente para apalpar a glândula e sentir nódulos.
- Assim como PSA, é indicado realizá-lo todos os anos a partir dos 50. Pessoas negras e/ou com casos da doença na família devem fazer a partir dos 45 anos.
Sinais. Sintomas de urina, como as mudanças relatadas pelo cantor, costumam ser alertas para o câncer de próstata —considerado silencioso, daí a importância do rastreio anual. As dificuldades ocorrem porque o crescimento da próstata "estrangula" o canal da bexiga, podendo levar à sua obstrução total. São comuns:
- Necessidade de urinar mais vezes durante o dia e/ou a noite;
- Diminuição ou alteração no jato de urina (jato curto e gotejamento, por exemplo);
- Dor ao urinar e/ou ejacular;
- Presença de sangue na urina e/ou no sêmen.
Eu falo: 'Se chegou a idade, não seja ogro igual ao Quinho'. A medicina está muito avançada. Faça o toque, depois o exame de sangue. O toque é imprescindível para o médico identificar se tem nódulo ou não. Do que adianta essa resistência? Eu não fiz toque retal ao longo da vida e agora tenho que fazer constantemente para saber como está a próstata. Quinho do Salgueiro
União e fé
Alguns pilares dão força a Quinho. Tantos anos devoto ao samba trouxeram uma rede de sustentação forte. "São 31 anos de Acadêmicos do Salgueiro, você cria uma raiz, um vínculo. As pessoas passam a ser a sua família, pegam na sua mão e não largam." O suporte foi além da sua comunidade. Cuidado e incentivo chegaram também das escolas de samba coirmãs.
Eu não sou só cantor do Salgueiro, sou cantor do Carnaval do Rio de Janeiro, que vai para todo o mundo.
Outro alívio de Quinho é crer que Deus não dá um fardo maior do que se pode carregar. E isso garante uma visão pragmática ao lidar com qualquer adversidade: enfrentar. No caso do câncer, diz, a única opção era tratá-lo.
"A minha falecida mãe sempre dizia: 'Doença não dá no pau, o que dá no pau é cupim'. Então, quando der a doença, você corre para se livrar dela", fala o salgueirense.
Papai do céu gosta de mim, foi me dando o caminho, abrindo portas. A minha maior preocupação não é deixar de existir. O que eu sempre pedi a Deus é que eu vá quando chegar a minha hora e que não fique em cima de uma cama dando trabalho para parente ou outras pessoas.
A vida retorna ao normal aos poucos. A boa notícia é voltar a cantar, o que mais ama fazer. "Voltei aos palcos e não me sinto mais tão cansado, como me sentia antes", afirma. A melhora de saúde também reflete no corpo: ele perdeu 20 quilos, e chegou aos 70. Agora, já recuperou oito.
Mesmo fora dos ensaios de Carnaval, Quinho vai desfilar neste domingo (19), quando o Salgueiro é a quinta escola a entrar na Sapucaí. "Vou estar na avenida e dar o grito de guerra para buscar a nossa 10ª estrela", conta o intérprete. Arrepia, Quinho.
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