'Não faço estripulias de antes': por que nos tornamos medrosos com o tempo?
Entre os anos 1970 e 1980, Dirceu Ferreira, 66, de São Paulo, encarava qualquer aventura. Pegava o carro e zarpava para destinos desconhecidos e longínquos, como quando encarou 1.900 km de casa até Salvador (BA). Saltava de pedras e pontos elevados para dentro do mar, mesmo que as condições meteorológicas estivessem desfavoráveis, e adorava andar a cavalo.
À medida que os anos passaram, entretanto, a intrepidez de Dirceu reduziu. "Casei, tive filhos, fiquei mais velho e hoje quase não saio mais. No máximo, vou para a praia, ou então pescar, ir a um parque aquático, mas não faço as estripulias de antes de jeito nenhum", diz, acrescentando que perdeu disposição, capacidades físicas e que seu estado de saúde piorou.
Mas, mesmo antes de se chegar à terceira idade, algumas pessoas podem se tornar receosas e, em geral, isso ocorre após a adolescência. É que dessa fase em diante, nossa maturidade cognitiva aumenta, assim como nossa capacidade de mensurar riscos versus retornos, o que leva a uma redução do sentimento de invencibilidade e a um aumento mais intenso do medo.
Corpo e responsabilidades interferem
Das mudanças da mente para as do organismo, a partir dos 30 anos o medo aumentaria mais um bocado. É que o nosso pico de potencialidade é atingido nessa idade e começa a descer, predispondo lentamente a declínios, mas que podem ser freados com a manutenção de um estilo de vida saudável. Do contrário, quanto mais sedentário, maior o medo de se aventurar.
Cuidado apenas com generalizações, reforça Wimer Bottura, psiquiatra pelo IPq-FMUSP (Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP). "Falar de medo é algo complexo, pois são muitos fatores envolvidos. Varia de pessoa para pessoa e ele pode aumentar por traumas, sentimento de culpa, imaginário muito fantasioso, transtornos."
O médico explica que até a paternidade e a maternidade podem contribuir para o aumento do temor, como o de morrer e deixar filhos pequenos órfãos e desamparados. Dirceu sabe o que é isso. "Uma vez, precisei viajar a trabalho com meu filho, à época um menino. Estava com ele na estrada quando passei muito mal. Fiquei tão aflito que foi a última vez que o levei junto."
Outro fator para o desenvolvimento do medo quando já se tem algumas décadas de vida, segundo Bottura, é perceber que não se pode contar mais com a proteção dos pais e da família, e ter de aprender a se virar de forma independente.
Além disso, depois de uma determinada idade, o funcionamento do cérebro diminui, assim como algumas de suas áreas, em até 1% ao ano. "Fator que, igualmente, pode predispor medo, pois essa atrofia afeta memória, respostas rápidas frente a aprendizados e desempenhos", informa Júlio Barbosa, médico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e neurocirurgião.
De novo, é muito individualizado, mas quando acontece, Bottura acrescenta que a pessoa pode passar muito mais tempo dentro de casa, como no caso de Dirceu, o que não é bom. Ela deixa de se estimular, se desafiar, se relacionar e corre o risco de ter suas apreensões potencializadas, especialmente se gostar de programas de TV sobre criminalidade.
Como perder o medo?
Vencer o medo envolve abordagens diferentes, a depender da causa. Se for decorrente de algum evento marcante e doloroso, que pode ainda cursar com transtorno pós-traumático, ansiedade, depressão e paranoias, é necessário buscar por especialistas em saúde mental, que podem recomendar psicoterapia e uso controlado de medicamentos. Mas não termina por aí.
"Medo atrelado à zona de conforto e falta de segurança em si requer revisão de hábitos limitadores e exposições gradativas a novas situações, para que se ganhe repertórios, incluindo de comportamentos e resoluções", indica Yuri Busin, psicólogo pós-graduado pela PUC-RS e doutor em neurociência.
Agora, é natural sentir um pouco de medo no dia a dia, afinal essa é uma emoção básica do ser humano e que, embora seja desagradável, garante nossa proteção. Com o avançar dos anos, ele pode vir acompanhado de um senso maior de autopreservação, mas não deve nos travar, nem se desdobrar em crenças limitantes e negativismos, ainda mais estando jovem e ativo.
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