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Grávida e com TEA: 'Aterrorizada com sensação de ter alguém dentro de mim'

Anielle Casagrande - Arquivo pessoal
Anielle Casagrande Imagem: Arquivo pessoal

Gabriele Maciel

Colaboração para o VivaBem

24/02/2023 04h00

Apesar das dificuldades em se comunicar e socializar, de não entender ironias e de expressar suas opiniões de forma direta, sendo por vezes considerada grosseira, a designer Anielle Casagrande, 35, nunca pensou que poderia ser autista. "Eu achava que essas questões faziam parte da minha personalidade", conta.

Porém, quando ficou grávida, em 2020, essas características ficaram ainda mais acentuadas. Fora o isolamento social que ela e o marido, o podcaster Ivan Mizanzuk, impuseram-se por medo da covid-19, a designer ainda teve que lidar com um medo irracional que tinha da equipe médica e com os desconfortos que os exames de pré-natal lhe causavam. "Eu sentia tudo de forma muito intensa, estava aterrorizada com as sensações de ter alguém dentro de mim", diz.

Com dificuldade de se expressar, Anielle também não conseguiu entregar para sua médica o plano de parto que ela se dedicou a escrever, e o nascimento do filho acabou sendo um evento traumático. "Fiquei em estado de choque e passei a cesariana toda gritando que estava sentindo tudo e que eles precisavam parar", relembra.

A confirmação do diagnóstico da Anielle só veio depois do parto, quando o bebê já tinha um ano.

Maior sensibilidade e falta de comunicação com equipe médica

Apesar de ser um momento singular e de invariavelmente trazer implicações importantes para a saúde física e emocional, há poucas pesquisas sobre gestação e maternidade no espectro autista. As poucas evidências científicas, entretanto, indicam que mulheres autistas são mais propensas a desenvolverem depressão durante e após a gravidez e experimentam taxas mais altas de parto prematuro, cesárea, ruptura uterina e pré-eclâmpsia.

As mulheres autistas têm maior sensibilidade às modificações da gravidez e, dessa forma, podem vivenciar de forma muito intensa as manifestações que são comuns nesse período. Elas também têm uma consciência muito aguda do crescimento do bebê no ventre e o trabalho de parto tende a ser mais intenso. Melania Amorim, professora de obstetrícia e ginecologia na UFCG (Universidade Federal de Campina Grande)

Pesquisa publicada no periódico Molecular Autism em janeiro de 2020 relata que as mulheres autistas são mais propensas a achar a maternidade uma experiência de isolamento. Elas também se preocupam mais com o julgamento dos outros sobre sua maternidade e se sentem incapazes de pedir apoio.

Outro apontamento é a de que elas se sentem incompreendidas pelos médicos e relatam mais ansiedade e maiores taxas de mutismo seletivo.

O maior desafio que elas enfrentam é o estigma social, já que a pesquisa indica que 75% das mulheres autistas não comunicam aos seus ginecologistas sobre suas condições. Elas têm receio de que a coloquem no lugar de incapazes, como se elas não fossem conseguir desenvolver um vínculo saudável com o seu bebê. Marina da Silveira Rodrigues Almeida, psicóloga especialista em transtorno do espectro autista pelo Instituto de Psicologia da USP e proprietária do Instituto Inclusão Brasil

Diante das particularidades de uma gestação autista, os especialistas indicam a necessidade de que questões de saúde mental sejam questionadas durante o pré-natal.

Parto da Anielle - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Anielle conta que passou a cesariana toda gritando que estava sentindo tudo
Imagem: Arquivo pessoal

"Faz parte da assistência integral à saúde das grávidas buscar por possíveis predisposições genéticas. E, se a mulher não vier com diagnóstico prévio e nós desconfiarmos que há algum componente de saúde mental, nós temos que fazer esse encaminhamento para o psiquiatra", propõe Amorim. Para ela, a conduta da equipe médica durante o pré-natal e o parto, deve ser pautada pela empatia e compaixão.

Um projeto de lei (PL 2603/2022) prevê instituir em âmbito federal um programa de acompanhamento do pré-natal e pós-parto no caso de gestante com transtorno do espectro autista.

Autismo tende a ser subnotificado nas mulheres

O TEA, ou transtorno do espectro autista, é caracterizado por prejuízo na interação social, na comunicação e no comportamento, interesses e atividades restritos, repetitivos e estereotipados. Pessoas com essa condição também podem apresentar dificuldade para iniciar e manter relacionamentos, baixa tolerância a mudanças e disfunção na modulação sensorial, manifestada por meio de hipo e hiperssensorialidade.

A ciência ainda não conseguiu desvendar por completo a causa do autismo, mas é sabido que ele tem um forte componente genético.

"Intercorrências durante a gestação, como diabetes, hipertensão, obesidade e infecções, assim como a prematuridade e o baixo peso ao nascer podem afetar o desenvolvimento do bebê e aumentam as chances de autismo", afirma Lucas Fortaleza de Aquino Ferreira, psiquiatra e mestre em ensino na saúde pelo Centro Universitário Unichristus.

As estimativas de prevalência apontam que 1 a cada 100 crianças tem autismo em todo o mundo. Estudos indicam ainda uma proporção maior de casos entre meninos: seriam 4 para cada uma menina. Ferreira explica, por outro lado, que os casos nas mulheres tendem a ser subdiagnosticados visto que os sintomas nelas são diferentes e, por isso, passam despercebidos.

"Na puberdade, as mulheres começam a desenvolver o que a gente chama de masking ou camuflagem. Elas passam a espelhar os comportamentos femininos e assim mascaram todas as suas dificuldades", pontua Almeida.

Apesar de não haver estimativas do número de mulheres autistas que são mães, a pesquisa publicada no Molecular Autism indica que de 17 a 23% dos pais de crianças autistas têm o fenótipo mais amplo do autismo. O que ocorre com frequência, de acordo com o estudo, é que a grande maioria das mulheres só recebe o diagnóstico quando adulta e depois que se torna mãe.

Fontes: Lucas Fortaleza de Aquino Ferreira, psiquiatra e mestre em ensino na saúde pelo Centro Universitário Unichristus; Marina da Silveira Rodrigues Almeida, psicóloga especialista em transtorno do espectro autista pelo Instituto de Psicologia da USP e proprietária do Instituto Inclusão Brasil; Melania Amorim, professora de obstetrícia e ginecologia na UFCG (Universidade Federal de Campina Grande); Sérgio Hecker, ginecologista obstetra membro da Comissão Nacional Especializada em Assistência Pré-Natal da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).