Com cisticercose, ele teve epilepsia e precisou retirar parte do cérebro
Na maioria dos casos, pessoas com epilepsia conseguem controlar a doença com o uso de medicamentos. No entanto, há uma parte que não se beneficiará da mesma forma. O grupo, chamado de fármaco resistente, necessita de outras opções, como os estimuladores elétricos ou a cirurgia.
Segundo os especialistas consultados por VivaBem, o ideal é que esses pacientes sejam identificados o quanto antes para evitar as crises que, quanto mais frequentes, mais impactos negativos trarão ao cérebro.
"Perdia todos os sentidos e desmaiava"
Ricieri Brol, 61, teve o início das crises de epilepsia ainda criança, aos 9 anos, por dois motivos: trauma na região da cabeça e a cisticercose —uma infecção no sistema nervoso central causada por cisticercos (larvas). Na época, os médicos encontraram mais de 20 lesões na área afetada.
Ele tinha crises convulsivas semanais, que foram aumentando com o passar dos anos. "Perdia todos os sentidos, caía no chão e mordia forte a língua", lembra o gerente de um restaurante em Joinville (SC).
Quando iniciou o tratamento, perto dos 18 anos, os sintomas foram melhorando, e as crises, diminuindo —eram de 2 a 4 episódios no mês, ainda com convulsões, além das dores na cabeça, dificuldades na vista, ansiedade e desconforto no braço (fisgada).
Mas, enfim, o médico acertou no remédio e na dosagem. Ricieri tinha o hábito de anotar tudo o que acontecia antes e depois de cada crise para levar ao especialista. Tudo isso ajudou: o tempo entre cada episódio aumentou, e as crises passaram a ocorrer a cada 6 meses ou até 1 ano.
"Nessa época, o médico falou que ainda não era hora de cirurgia devido ao risco envolvido. Mesmo assim, não perdia a esperança de um dia ficar curado", conta.
A partir dos 50 anos, o problema de memória impactou a vida de Ricieri. "Comecei a ficar esquecido, chegando ao ponto de sair do carro, com objetivo de ir a um lugar, mas estar em outro. Neste momento, o médico entendeu que era hora de falar sobre a cirurgia", diz.
Aos 52 anos, ele passou por uma cirurgia no lobo temporal direito. Segundo Riciero, o procedimento retirou uma parte do cérebro, neutralizando as regiões afetadas pela epilepsia. "As crises fortes foram resolvidas, embora ainda tenha crises fracas."
De acordo com os médicos e estudos, cerca de 70% das pessoas que se submetem a uma remoção de parte do lobo temporal —caso de Ricieri— têm um resultado positivo. Nas outras regiões do cérebro, aproximadamente 50% apresentam um resultado parecido.
Entenda a epilepsia
O que é: doença neurológica na qual os neurônios produzem uma atividade anormal e excessiva, gerando descargas elétricas espontâneas e abruptas no cérebro. A cada crise surgem novas lesões na região afetada.
Sintomas: dependem da área em que o cérebro é impactado. De forma resumida, pode envolver ansiedade, angústia, tristeza e sensação de déjà-vu, além de problemas motores, como espasmos e convulsões.
O que fica na mente das pessoas é aquele paciente que cai no meio da rua, que tem crises convulsivas. Mas essa não é a forma mais comum da epilepsia. Frederico Lacerda, neurologista e professor de medicina da Faculdade Pitágoras de Eunápolis (BA)
Quando a cirurgia é fundamental?
- Paciente fármaco resistente, ou seja, quando os médicos tentaram mais de um medicamento para o tipo da doença, mas sem o resultado desejado;
- Pessoas com epilepsia de difícil controle, com muitas crises por dia (alta atividade);
- Alguns tipos de epilepsia em crianças também pedem rápida intervenção cirúrgica;
- Paciente só pode ser operado se a área do cérebro afetada pela doença não trouxer sequelas. Se a região for responsável pela fala ou pela parte motora, por exemplo, tenta-se outra estratégia.
Para pessoas com crises refratárias, a intervenção cirúrgica deve ser precoce. Isso porque quanto maior o tempo com crises não controladas, mais difícil o seu tratamento e maiores as consequências psicossociais. Elza Márcia Yacubian, professora e neurologista da Unidade de Pesquisa e Tratamento das Epilepsias da Unifesp
Importante reforçar que a cirurgia é para uma pequena parcela das pessoas com epilepsia e, embora nem sempre a pessoa fique 100% curada, a ideia é reduzir as crises. Com isso, evitando múltiplas lesões no cérebro que, a longo prazo, podem resultar em AVC e traumas decorrentes de quedas.
Tipos de epilepsia
Crise generalizada
Sintomas motores
- Rigidez nos braços e pernas;
- Espasmos em alguns músculos;
- Convulsão;
- Perda da consciência.
Não motores
- Ausência: a pessoa "desliga", mas continua com os olhos abertos.
Crise focal (aura)
- Sensação ruim (às vezes, a pessoa não sabe explicar o motivo)
- Angústia
- Ansiedade
- Tristeza
- Sensação de déjà-vu
- Formigamento
- Movimento involuntário do braço
- Distúrbios sensoriais
- Mudanças na visão (pessoa vê bolinhas coloridas, imagem distorcida)
- Perda de foco
- Perda da audição
"10 crises por dia"
Leone Carvalho, 34, teve a primeira crise de epilepsia quando tinha 10 anos. Primeiro, foi uma convulsão, que demorou para se repetir. Depois de alguns meses, teve um novo episódio. Na época, passou por neurologista, que receitou um medicamento para a doença, e as crises sumiram. Ficou bem até os 15 anos.
Mas um ano depois, as crises de aura pioraram. "É como se você soubesse que vai passar mal em algum momento", explica o professor de história, que vive em São Paulo (SP). Além disso, Leone tinha crises de ausência, na qual basicamente a pessoa "apaga", mesmo com os olhos abertos.
Mesmo tomando medicamento, Leone tinha momentos de melhora por um tempo, mas ainda com muitas crises. Entre 25 e 27 anos, a recorrência das crises aumentou. "Chegava a ter 10 por dia. Ficava lento, sem foco. O efeito colateral de medicamentos é forte, dá sono, tirava meu reflexo e até atrapalhava na libido", lembra.
Causas da epilepsia
Em alguns casos, a causa pode ser desconhecida. No entanto, ela pode ter origem por outros motivos, como:
- Traumatismo craniano
- Meningite
- Infecções como a cisticercose
- Tumores cerebrais
- Cirurgia cerebral
- AVC (acidente vascular cerebral)
- Alzheimer
- Álcool e abuso de drogas
- Malformações cerebrais
- Traumatismo de parto
Do ponto de vista cirúrgico, o que gostaríamos de oferecer é a técnica que retira a lesão que causa a epilepsia. O problema são aquelas pessoas com múltiplas lesões, inclusive, em áreas nobres do cérebro. Aí fica complicado fazer essa cirurgia. Kette Dualibi Valente, neurofisiologia, professora da FMUSP e diretora do Laboratório de Neurofisiologia Clínica do Instituto de Psiquiatria do Hospital da USP
Região do cérebro removida
Leone foi seguindo a vida assim, com grande impacto na vida profissional, principalmente nas crises de aura. "Você fala que vai passar mal, mas as pessoas não acreditam", diz. No entanto, seguia dando aulas, apesar das crises.
O professor já fazia acompanhamento com uma médica, quando ela pediu os exames de ressonância para checar a atividade da doença no cérebro. A ideia era entender o impacto das crises e se seria viável operar.
"Uma das médicas disse que não tinha lesão para operar. Mas outro especialista que procurei para uma segunda opinião identificou as lesões no lobo temporal esquerdo", conta.
Leone também passou por alguns testes de memória, matemática, entre outros, para entender —e confirmar— o impacto da epilepsia na região temporal, que é responsável pela memória, por exemplo. "Minha memória estava realmente afetada", diz o professor.
Em janeiro de 2022, Leone, enfim, passou pela cirurgia, na qual uma parte do cérebro dele foi removida —no caso, do lado esquerdo. Ele teve algumas complicações (hidrocefalia), que melhoraram algum tempo depois.
Aos poucos, os benefícios foram sendo sentidos. A quantidade de crises reduziu significativamente e, quando elas aparecem, são bem mais fracas —de 15 em 15 dias, e antes eram quase diárias.
"A cirurgia foi boa porque não tenho mais aura, mas, ao mesmo tempo, ficou difícil de saber quando vou passar mal", conta.
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