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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Por que é tão difícil para alguns homens manterem amigos próximos?

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Danielle Sanches

Colaboração para o VivaBem

02/03/2023 04h00

O ser humano é sociável e inúmeros estudos já provaram a importância que as amizades têm para a saúde física e mental das pessoas —desde reduzir o risco para morte prematura e abuso de álcool até melhorar funções cognitivas e prevenir o surgimento de demência na velhice, por exemplo.

Para os homens, no entanto, fazer e manter amigos próximos parece ser uma tarefa mais difícil. Duas pesquisas internacionais mostram isso. Em 2019, um levantamento feito pelo site britânico YouGov revelou que 32% dos homens não tinham ninguém para chamar de "melhor amigo".

Já em 2021, outra enquete feita pelo instituto The Survey Center on American Life, que conduz pesquisas sobre hábitos e estilo de vida dos americanos, mostrou que os homens têm menos propensão para confiar ou depender de amigos para suporte emocional ou compartilhar sentimentos em comparação com as mulheres.

Em grande parte, a ideia presente em diversas culturas de que o homem deve ser forte e inabalável faz com que eles não acessem os próprios sentimentos ou tenham dificuldade para compartilhá-los com outras pessoas.

"A nossa cultura incentiva o homem a ser sempre racional e estar numa posição competitiva, especialmente com outros homens", afirma Lucy Carvalhar, psicóloga e especialista em terapia cognitivo-comportamental pela FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas). "Com isso, é de se esperar que eles tenham dificuldade em manter ou até em fazer amizades."

Essa construção social começa ainda na infância, quando meninos são orientados a reprimir suas emoções. Não raro, muitos crescem em um ambiente de violência física e verbal, sendo castigados ou zombados por demonstrarem sinais de fragilidade, como o choro, que é associado à fraqueza.

"Com isso, não é difícil vermos meninos crescendo isolados, que não sabem lidar com a própria saúde mental e se tornando adultos que podem até desenvolver vícios como alcoolismo", diz Isabela Venturoza, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero (Pagu), da Unicamp.

Venturoza, que organiza grupos reflexivos com homens para falar sobre questões de gênero, lembra de um encontro em que poucos homens já haviam dito ou ouvido "eu te amo" de e para outro homem —incluindo o próprio pai. "Poucos tinham o costume de demonstrar afeto, como um abraço mais longo, a outros homens, mesmo que da família", diz.

homens se abraçando; amigos - iStock - iStock
Demonstrações de afeto a outros homens, mesmo que da família, não são comuns
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Encontros da turma x amigos próximos

Se, por um lado, essa dificuldade em construir relações mais íntimas com outros homens existe, por outro, o "comportamento de bando", em que o homem faz parte de grupos para realizar atividades —como jogar futebol ou ir beber junto no happy hour— é não apenas permitido como incentivado entre eles.

Nesses momentos, são estabelecidas relações de "brotheragem" ou camaradagem, algo próximo de uma amizade, mas muito mais superficial.
"É um lugar de 'fazer alguma coisa', mas não de compartilhar problemas, mostrar inseguranças ou falar sobre o que está de fato sentindo", afirma Venturoza. "Entre si, dificilmente os homens têm esse tipo de laço uns com os outros", diz.

Para o gerente de projetos de TI Bruno Neves, de 32 anos, essa equação não funcionou justamente por ele preferir interagir de forma mais profunda. "Se você não se encaixa nesse padrão 'macho hétero', destoa dessa cultura, das piadas sexualizadas, fica difícil fazer parte", afirma.
"As relações ficam superficiais, no lugar comum, e o machismo fica evidente, não pode transparecer nenhuma fraqueza ou qualquer sentimento", acredita.

Hoje, ele diz que tem dois ou três amigos próximos, "no máximo". Apenas um deles é homem. "Passamos longos períodos sem conversar, mas quando nos encontramos falamos de tudo, desde o divórcio dele e a criação da filha até a minha separação, além de questões psicológicas e de sexualidade", afirma.

Homens são mais superficiais em suas amizades?

É difícil generalizar, mas a maioria tende, sim, a manter as relações com outros homens sem profundidade, dificilmente entrando em assuntos mais íntimos ou mesmo se colocando em uma posição de vulnerabilidade.

"Não diria que são laços superficiais, mas sim o que é possível dentro do que é culturalmente permitido aos homens", acredita Barbara Santos, psicóloga da Clínica Holiste, em Salvador, na Bahia.

Para ela, os homens são incentivados a criar vínculos dentro de grupos masculinos --como o do futebol, o da escola etc.-- sem, no entanto, abrirem espaço para comportamentos considerados femininos, como demonstrações de afeto e de vulnerabilidade (especialmente em público).
Isso, claro, acaba criando um relacionamento quase que de conveniência, reduzindo as interações a encontros para fazer algo e não para falar de si, dos problemas ou das próprias emoções.

Nesse sentido, há uma espécie de hierarquia de poder entre o grupo, criando laços de irmandade e alianças de poder que servem para compartilhar vitórias e conquistas —mas nunca derrotas ou emoções ligadas à vulnerabilidade, como a tristeza e o luto.

meninos brincando; volei; crianças - iStock - iStock
Desde pequenos, meninos são orientados a reprimir suas emoções
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O peso sobra para elas

Além de aumentar a solidão entre os homens, a dificuldade em fazer amigos também gera outro problema: a sobrecarga emocional nas mulheres —principalmente mães, irmãs, tias e avós— presentes no círculo familiar e social desses indivíduos.

"Além de se desenvolverem mais emocionalmente por terem essa liberdade, as mulheres são ensinadas a cuidar do outro", explica Venturoza. "Então, quando o cara tiver um problema, quiser desabafar, ele vai procurar a mãe, a irmã, alguém com quem ele se sinta confortável para pedir ajuda e ser cuidado, ao passo que, com outro homem, ele provavelmente seria questionado ou até agredido por estar vulnerável", explica a especialista.

Mas isso gera uma conta que não fecha, já que muitas vezes é a mulher que assume um papel de cuidado quase maternal pela falta de habilidade que os homens têm em acolher uns aos outros.

"É muito comum, por exemplo, que os homens acreditem que a esposa seja essa 'melhor amiga'", afirma a psicóloga Vanessa Sapiro, que atua no setor de envelhecimento e de psicologia breve do IPq (Instituto de Psiquiatria) do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Bruno, nosso personagem, também sente que seja mais fácil manter amizade com mulheres por elas se abrirem com mais facilidade. "Me sinto mais acolhido, elas são mais empáticas", opina. "Os homens tendem a se manter na superfície, sempre rebatendo, fazendo uma piada ácida para aliviar o desconforto e mudar logo de assunto", diz.

Expressar as emoções é saudável

Como falamos, ter amigos próximos e com quem podemos nos abrir é fundamental para o ser humano manter-se física e mentalmente saudável. E, felizmente, a ideia de que homens não podem ter esse tipo de amizade está mudando.

"Esses valores impostos aos homens estão sendo questionados, dando a possibilidade para que os meninos sejam criados de outra forma, com abertura para o afeto e para esses laços mais íntimos", acredita Santos.

Um passo importante é a busca de alguns indivíduos, seja na própria vida familiar, na criação dos filhos ou até mesmo na terapia, em desenvolver a habilidade de falar dos próprios sentimentos e das próprias emoções com outros homens sem que isso cause desconforto.

"Os homens estão procurando entrar em contato com o que eles sentem e isso traz enormes ganhos para as amizades e até para os relacionamentos amorosos", explica Carvalhar. "Essa troca leva a uma segurança emocional maior e ainda estimula a produção dos neurotransmissores da felicidade e do bem-estar, estreitando vínculos", afirma.

Talvez o avanço ainda seja tímido, mas a construção de uma nova forma de enxergar as relações masculinas pode, sim, trazer benefícios para a sociedade como um todo. "Ao se permitir ter relacionamentos mais verdadeiros, os homens acabam também se comprometendo com um mundo mais justo, mais afetivo, menos violento e com mais respeito ao próximo", acredita Venturoza.