Doença ocular a deixou com olhos arregalados: 'Achavam que estava brava'
Em dezembro de 2021, a cirurgiã-dentista Lilian Burbam Vogel, 58, foi diagnosticada com doença ocular da tireoide (DOT), uma condição rara que a deixou com coceira e secura nos olhos, visão dupla e os olhos saltados e arregalados.
Ao descobrir ter a mesma doença que a mãe, o maior medo de Lilian era ficar cega ou que seus pacientes soubessem da sua condição e não quisessem mais se tratar com ela com receio de ela não enxergar bem ou fazer algum procedimento errado.
A doença ocular da tireoide tem uma incidência anual de 16 casos a cada 100 mil mulheres e 2,9 por 100 mil homens. Embora cerca de 90% dos pacientes com DOT tenha hipertireoidismo concomitante —que é o caso de Lilian— a condição também pode ocorrer em indivíduos com a tireoide normal ou com hipotireoidismo. A seguir, conheça a história dela:
"Os primeiros sintomas da DOT surgiram com uma coceira e secura nos dois olhos, eles doíam toda vez que eu os coçava ou tocava. Depois passei a ter dificuldades para enxergar a tela do computador, e a ficar com os olhos irritados por conta da claridade.
Um dia, uma sobrinha que é médica comentou que meus olhos estavam grandes e me orientou a procurar um especialista. Como uso óculos de grau para tratar miopia, não tinha reparado nisso.
Na época estava fazendo um tratamento de hipertireoidismo com uma endocrinologista e acabei passando com ela. Ela suspeitou que eu estivesse com a doença ocular da tireoide e pediu para eu procurar um oftalmologista. Embora a DOT não seja tão popular, já tinha conhecimento dela porque minha mãe teve a doença.
Fui ao oftalmo, ele deu o diagnóstico por meio de um exame clínico detalhado e pediu uma ressonância dos olhos para confirmar. Durante a consulta, perguntou como estava o grau dos óculos, eu disse que estava ruim, estava vendo duas TVs, duas garrafas d'água, dois copos. Foi quando ele constatou a diplopia (visão dupla), mais um dos sintomas da DOT.
A visão dupla acontecia sempre que eu olhava para cima, quando olhava para baixo conseguia enxergar normalmente. Mas ainda assim, ver as coisas em duplicidade me gerava dores, cansaço, irritabilidade e uma confusão mental muito grande porque tinha que ficar forçando a visão para tentar enxergar direito, principalmente quando estava dirigindo.
Após fazer a ressonância, iniciei um tratamento em conjunto com oftalmologista e endocrinologista para tratar a DOT, que em 90% dos casos está associada ao hipertireoidismo.
O tratamento consistiu no uso de um colírio diário, em dormir com óculos de natação após aplicar uma pasta nos cílios para manter os olhos hidratados e em tomar algumas medicações. Também fiz a pulsoterapia, que geralmente é indicada para pacientes com doenças crônicas autoimunes.
"Diziam que estava brava com o olhão arregalado"
No começo, não contei sobre o meu problema de saúde para quase ninguém, mas ele ficou mais evidente quando meus olhos ficaram saltados e arregalados, uma outra característica marcante da DOT.
Não gostava de tirar fotos e ficava chateada quando algum familiar comentava que eu estava 'brava com o olhão arregalado'. Eu não estava brava, mas essa era a impressão que passava para as pessoas.
Meu maior desespero em relação à doença era ter alguma complicação e perder a visão. Ficava imaginando como seria a minha vida cega, como iria viver, trabalhar e fazer as minhas coisas.
Sou cirurgiã dentista e tinha medo de os meus pacientes descobrirem minha doença e não quererem se tratar comigo por acharem que eu poderia não enxergar bem e fazer algum procedimento errado neles.
A minha sorte é que como a dupla visão só acontecia quando olhava para cima, a posição em que trabalho olhando para baixo não ficava comprometida. Alguns pacientes chegaram a notar que meus olhos ficaram saltados, quando eles perguntavam o motivo, eu acabava explicando sobre a condição.
Desde o diagnóstico, tenho seguido o tratamento à risca, faço tudo o que as médicas mandam. A resposta tem sido positiva e por enquanto não vou precisar fazer cirurgia. Atualmente, estou em um processo de desmame das medicações. De forma geral, os sintomas desapareceram e minha visão está normal.
Antes da DOT vivia no automático, no modo 'preciso trabalhar e ganhar dinheiro'. Com esta jornada, tenho aprendido a enxergar e a valorizar as coisas simples da vida.
Todos os dias agradeço a Deus por respirar, ver, ouvir, falar, andar, comer, em resumo, agradeço por estar viva e com saúde."
Saiba mais sobre a DOT
A DOT é uma doença autoimune rara em que o sistema imunológico se engana e ataca o tecido muscular e adiposo atrás dos olhos, causando inflamação (vermelhidão e inchaço) e formação de tecido cicatricial (fibrose).
A pessoa já nasce com uma tendência genética para desenvolver doenças autoimunes de uma forma geral, mas a DOT se desenvolve ao longo da vida, precipitada por algum gatilho ainda não bem compreendido. Ela acomete principalmente mulheres entre 30 e 50 anos, mas pode afetar pessoas de qualquer idade e gênero, inclusive homens, crianças ou idosos.
Como a órbita é uma estrutura óssea incapaz de se expandir, o edema atrás dos olhos faz com que o globo ocular se projete para fora da órbita (proptose) causando uma sensação de olhos arregalados ou saltados.
Os principais fatores de risco são a presença de doenças na tireoide, principalmente o hipertireoidismo e pessoas que receberam iodo radioativo. Outro fator de risco é o tabagismo, que deve ser abandonado, por estar altamente relacionado aos quadros mais graves e resistentes ao tratamento.
Sintomas e sinais. A inflamação do tecido muscular e adiposo atrás dos olhos leva a:
- vermelhidão nas pálpebras e na conjuntiva (membrana que envolve o globo ocular)
- inchaço e retração das pálpebras
- fotofobia (incômodo nos olhos na presença de luz)
- visão dupla (que pode ser constante ou acontecer apenas em algumas posições do olhar)
- pressão e/ou dor atrás dos olhos
- dor à movimentação ocular
- sensação de olho seco e arranhando
- aparência de olhos arregalados
Qual a relação da DOT com hipertireoidismo? Os autoanticorpos que atacam as células da tireoide causando o hipertireoidismo são os mesmos que atacam as estruturas atrás dos olhos causando a DOT. Por isso as pessoas com DOT geralmente têm hipertireoidismo (quantidade aumentada de hormônios tireoidianos na circulação) associado.
O hipertireoidismo pode aparecer antes, durante ou depois do desenvolvimento da doença ocular. Eventualmente, o hipotireoidismo (redução da produção dos hormônios da tireoide) também pode estar associado.
Complicações. A retração das pálpebras, a protusão dos olhos para frente e a redução da lubrificação podem levar a formação de úlceras de córnea, isto é, feridas na camada externa dos olhos.
- O inchaço progressivo aumenta a pressão dentro dos olhos e pode comprimir o nervo óptico, responsável pela visão.
- Essas situações podem, algumas vezes, progredir para a perda da visão.
- Além disso, as alterações na fisionomia das pessoas podem ser graves o bastante para causar impactos emocionais e na qualidade de vida.
Por ser uma doença rara e muitas pessoas nunca terem ouvido falar, pode ser confundida com outras, como alergias, e o diagnóstico ser tardio.
Tratamento. Para os casos mais leves, medidas simples como uso de óculos escuros, lágrimas artificiais e colírios lubrificantes oculares podem ser suficientes.
- Para os casos mais graves, é indicado a pulsoterapia (corticoides endovenosos), radioterapia ocular e medicamentos que modulam a atividade dos autoanticorpos.
- E nos casos em que a produção dos hormônios da tireoide estiver alterada, o tratamento da tireoide também é fundamental para a recuperação ocular.
- Quando há compressão do nervo óptico com ameaça à visão pode ser necessária a cirurgia de urgência para descompressão do globo ocular.
- A cirurgia também pode ser indicada na fase cicatricial para correção estética das alterações da órbita ou correção do estrabismo.
- Quanto mais precoce o tratamento na fase inflamatória, maiores as chances de cura. Caso contrário, o paciente irá progredir para a fase cicatricial, algumas vezes com alterações faciais que podem não ser tratadas completamente.
Fonte: Flávia Coimbra Pontes Maia, médica endocrinologista, coordenadora da Unidade de Tireoide da Santa Casa de Belo Horizonte (MG), vice-presidente da SBEM-MG (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia - Regional Minas Gerais).
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