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'Consegui na Justiça o remédio que vai barrar a perda dos meus movimentos'

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Ana Bardella

Colaboração para VivaBem

10/03/2023 04h00

A estudante Marina Melo, 19, viralizou nas redes sociais ao receber uma liminar positiva para sua causa na Justiça. Com AME (atrofia muscular espinhal), ela processou a União: seu objetivo é ter acesso ao remédio que auxilia no tratamento da doença —e desacelera a perda de neurônios essenciais para os movimentos do corpo. O preço do medicamento pode chegar a R$ 70 mil. Veja seu relato:

"Sabe quando você sente algo tão forte que nem consegue traduzir em palavras? Uma mistura de alívio, felicidade e medo: foi assim que me senti quando recebi, no dia 20 de dezembro de 2022, a notícia pela qual esperei por mais de um ano.

Através de uma ligação do meu advogado, soube que ganhei na Justiça uma liminar favorável ao recebimento gratuito do remédio que vai frear a perda dos meus movimentos.

Tenho 19 anos e moro no Rio de Janeiro com a minha mãe. Faço faculdade de design gráfico e, desde o início da pandemia, crio conteúdo para a internet. Sou a única pessoa com deficiência da minha família.

O diagnóstico da AME chegou aos oito meses de vida. Quando ainda era bebê, toda vez que me colocavam sentada, eu caía de lado, sem fazer esforço para me levantar.

Após passar por alguns médicos, fiz um teste genético que apontou a existência da doença e sua classificação. Como eu tenho o tipo 2, nunca cheguei a andar.

Marina Melo tem AME - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

A AME é uma doença rara que causa fraqueza muscular e piora com o passar do tempo. Uma parte importante do tratamento é a fisioterapia, a qual me dedico desde muito nova. Com ela, a criança consegue se desenvolver melhor, perdendo menos movimentos.

Como iniciei o tratamento cedo, até os seis anos conseguia até ficar de joelhos e guardo com carinho a memória de conseguir amarrar o tênis. Fui uma criança ativa, que participava das aulas de balé e de teatro na escola.

No entanto, aos oito anos precisei fazer uma cirurgia para correção da coluna, em razão de uma escoliose. Durante a recuperação, passei um tempo afastada das minhas atividades e, com isso, fiquei com mais limitações físicas.

Hoje, sinto os efeitos da progressão da doença, mas ainda tenho força na parte superior do corpo. Apesar de muitas pessoas presumirem que sou 100% dependente, faço coisas sozinha. Preciso de suporte durante boa parte do dia para sentar, tomar banho e realizar outras atividades. Mas, quando estou na cadeira motorizada, consigo estudar, gravar vídeos e, estando com os objetos à minha disposição, fazer de tudo um pouco. A acessibilidade me dá autonomia.

Um sentimento, no entanto, sempre me acompanhou: a agonia de perder os movimentos que ainda consigo realizar. Por isso, perguntava em todas as consultas com médicos se alguma novidade havia sido descoberta no tratamento da AME.

Marina Melo tem AME - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Sabia que estudos estavam sendo desenvolvidos para criação de medicamentos que poderiam conter essa progressão. Em 2017, o primeiro remédio com essa finalidade chegou ao Brasil, mas ainda não era o mais indicado para o meu caso.

Em outubro de 2020, finalmente foi aprovado pela Anvisa o risdiplam —uma medicação via oral que deve ser ingerida diariamente e que, apesar não curar a AME, é capaz de barrar suas complicações. Recebi a indicação para tomá-lo, mas sabia que precisaria passar por um processo longo, já que ele só é oferecido pelo SUS em casos específicos, diferentes do meu. E que seria impossível custear o tratamento, uma vez que cada caixa chega a R$ 70 mil se comprada de maneira avulsa.

Então eu e minha família procuramos auxílio jurídico e fomos orientados a mover um processo contra a União. Para isso, reunimos o máximo de exames e de evidências possíveis, que comprovam o agravamento do meu estado de saúde com o passar dos anos.

Ainda assim, tive que passar por uma perícia. A espera dos trâmites burocráticos foi, para mim, uma das partes mais difíceis. Pela primeira vez, poderia solucionar um problema com relação à minha saúde, mas continuava sem conseguir fazer isso.

Levei um ano até receber a primeira resposta. Nesse período, tive um cansaço grande e fiquei psicologicamente afetada.

Cheguei ao ponto de não conseguir mais escrever, desenhar e nem sustentar a cabeça sem apoio. Então, fiz um intensivo de fisioterapia e, conforme me senti mais motivada, recuperei alguns destes movimentos.

Apesar de notar perdas —não consigo mais levantar o braço na altura que conseguia antes, por exemplo— fiquei feliz ao ver meu progresso.

Marina Melo tem AME - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Cinco dias antes do Natal, recebi a ligação mais emocionante da qual me lembro: o juiz responsável pelo caso soltou uma liminar aprovando meu acesso a medicação, gratuitamente, pelo tempo que eu necessitar. Não digo que nasci de novo naquele dia porque só vou considerar que isso aconteceu quando finalmente tiver o remédio em mãos —infelizmente, o processo segue em andamento e ainda deve demorar alguns meses até conseguir pegá-lo.

Mesmo assim, sorri, liguei para os meus amigos e comemorei muito. Gravei um vídeo chorando e dividindo com meus seguidores todo o meu alívio. Sei que os resultados variam de acordo com cada organismo, por isso sinto um pouco de medo também. Mas tenho certeza de quando puder tomá-lo a primeira vez, vai ser o dia mais feliz da minha vida."

Saiba mais sobre a AME

  • É uma doença genética rara. Acontece quando o gene SMN1 tem uma alteração e não consegue produzir uma proteína essencial para o funcionamento dos neurônios motores, chamada de SMN.
  • Nestes casos, o corpo usa outro gene (SMN2) para fazer a substituição e ajudar na produção da proteína, mas ele não é capaz de suprir a demanda. Por isso ocorre a falência de neurônios motores e, consequentemente, a perda de movimentos.
  • A doença tem diferentes níveis, mas em todos eles a perda das funções progride com o passar do tempo, prejudicando a locomoção, a respiração e a capacidade de engolir.
Marina Melo tem AME - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Como é feito o tratamento? Não há cura para a doença, mas o tratamento consiste em acompanhamento multidisciplinar com médicos, nutricionistas, enfermeiros, fonoaudiólogos e fisioterapeutas.

  • O SUS disponibiliza dois medicamentos de uso contínuo que atuam no gene SMN2, tornando-o mais eficaz: spinraza e risdiplam. Ambos são voltados para os tipos 1 e 2 da doença, mas têm restrições de elegibilidade de acordo com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da AME.
  • Existe ainda o zolgensma, de dose única. Ele é o único que consegue transferir genes SMN1 para o corpo, mudando o DNA do paciente. Está em processo de incorporação pelo SUS e será fornecido apenas para bebês de até 6 meses que tenham AME tipo 1, também sujeito a restrições.

Fonte: Alexandra Prufer, professora associada de neuropediatria da UFRJ.