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Luto, sexualidade e mais: como falar com crianças sobre 'coisas de adulto'?

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Fausto Fagioli Fonseca

Colaboração para o VivaBem

10/03/2023 04h00

Entre os temas sensíveis e "espinhosos", que nem sempre são fáceis de ser abordados com as crianças, preconceitos, sexualidade e morte entram na lista. A hora de falar sobre eles vai depender de dois fatores: os conteúdos aos quais as crianças estão expostas —o adulto pode aproveitar o "gancho da curiosidade" para contextualizá-las— e, claro, o nível de compreensão que os pequenos têm.

Segundo Caroline Arcari, pedagoga, escritora, mestra em educação sexual, os adultos tendem a subestimar a capacidade da criança e evitam falar de certos temas, desenvolver certas conversas, justamente por não conhecerem o potencial dela.

Além disso, o nível de compreensão nem sempre tem a ver com idade. Jairo Bouer, colunista do VivaBem, médico psiquiatra especialista em sexualidade, educação sexual e saúde, diz que crianças de uma mesma faixa etária podem ter um nível de elaboração e de compreensão diferente, dependendo do jeito como são educadas, ao que são expostas e como a família lida com assuntos em geral.

A seguir, veja dicas de como tocar em certos assuntos com os pequenos.

luto; morte - iStock - iStock
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Como falar com crianças sobre morte, luto, catástrofes e guerras?

Para a terapeuta cognitivo-comportamental Lala Fonseca, é comum a criança ter questionamentos sobre perdas quando ocorre uma situação de luto próxima, sobretudo em sequência. "É como se, na primeira situação, ela entrasse em contato com o assunto e, na segunda, fixasse o conceito de perda", diz. Essa proximidade pode gerar mais curiosidades e dúvidas. "Sempre pergunte como ela está se sentindo, deixe-a falar e não dê o nome à emoção ou diga o que ela deveria sentir", sugere Fonseca.

A morte pode ter muitos aspectos: pode se referir à perda de um ente próximo, à elaboração sobre a própria finitude ou até estar relacionada a eventos grandiosos, como catástrofes ambientais e guerras. Sendo um assunto comum e natural da existência, o próprio cotidiano oferece oportunidades para falar com as crianças.

É a borboletinha que morreu em casa, é uma notícia na TV, é uma tragédia que acontece e a criança tá o tempo todo ouvindo. Então a gente precisa prepará-la para que ela tenha ferramentas para lidar quando essas coisas acontecerem e, para isso, a educação tem que ser proativa. Caroline Arcari, pedagoga, escritora, mestre em educação sexual

discriminação; preconceito; julgamento - iStock - iStock
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Como falar com crianças sobre discriminação e preconceito?

Optar pelo silêncio ou por mudar de assunto quando surge na criança um questionamento sobre um tema que envolve discriminação, preconceito e racismo passa a mensagem de que essas coisas simplesmente não existem. Porém, esses são temas que estão em grande evidência na mídia, na cultura, na TV, na internet e na escola —e que devem ser discutidos desde cedo.

Um estudo publicado no Journal of Experimental Psychology em 2020, intitulado "Os adultos atrasam as conversas sobre raça porque subestimam o processamento da raça pelas crianças", apontou que os adultos nos EUA acreditam que a hora certa de falar com as crianças sobre questões de raça é a partir dos cinco anos. Porém, o entendimento delas sobre o tema começa muito antes.

"Nossos resultados apontam para uma profunda lacuna entre quando os adultos acreditam que as crianças podem começar a processar raça e quando a literatura científica sugere que muitas crianças de fato conseguem compreender", diz o estudo.

Segundo a pesquisa, muitos adultos adiam essa conversa e/ou acabam partindo para discursos coloristas, como "a cor da pele não importa", "somos todos iguais por dentro", quando, de fato, a cor da pele tem diferentes impactos sociais. Pesquisas anteriores já mostraram como bebês de nove meses podem usar a raça para categorizar rostos e como crianças de três anos associam alguns grupos raciais a traços negativos.

Segundo Jairo Bouer, os adultos têm que estar antenados com a escola, que é o palco onde grande parte das interações sociais da criança acontece e é onde elas provavelmente terão o primeiro contato com questionamentos sobre cor, raça e discriminação de todos os tipos, incluindo de gênero.

Do nosso lado, devemos refletir sobre o que estamos trazendo de referencial, adotando uma postura de combate ativo a essas questões veladas e estruturadas na sociedade. Discriminação, preconceito, racismo, transfobia, homofobia, tudo isso tem que ser introduzido e combatido desde cedo dentro da capacidade da criança de entender e de interpretar aquilo que você está falando. Jairo Bouer, psiquiatra

mulheres se ajudando; feminismo - iStock - iStock
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Como falar com as crianças sobre machismo, abuso e violência doméstica?

O machismo estrutural define as relações e entender isso é importante também para as crianças. Segundo Bouer, as meninas, principais vítimas, têm que ser preparadas, assim como os meninos, que podem começar a compreender como podem se posicionar.

Isso não precisa só vir de um 'gancho', pode ser introduzido como assunto de princípios, de comportamento, de atitude, de moral, do que é ser bacana, do que é ser legal e do que é um risco. Jairo Bouer

Muitas crianças são também vítimas dessa estrutura machista, que acaba resultando em violência e abuso no lar. "Jamais diga que não aconteceu nada. Aqui cabe mais uma motivação: que exemplo estou dando para meus filhos? Devemos tolerar agressões?", diz Lala Fonseca.

Evite tabus e aproveite materiais disponíveis para introduzir o assunto de maneira leve e compreensível. Muitos desenhos animados e produções voltadas para as crianças, como na literatura, abordam esses e tantos outros temas "sensíveis", e são bons materiais de apoio para uma conversa.

"Nenhum desses temas [machismo, abuso e violência] é proibido. Eles precisam do vocabulário adequado, do material adequado e da disposição do adulto. A gente nunca pode falar para a criança 'isso não é assunto para você', toda pergunta da criança é uma pergunta legítima e todo assunto é possível adaptar para a criança compreender", fala Arcari.

professora ensinando crianças sobre sexualidade - iStock - iStock
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Como falar com as crianças sobre sexo e sexualidade?

Como todos os outros tópicos já discutidos, questões envolvendo sexo e sexualidade não fogem à regra: devem ser discutidas conforme a curiosidade da criança, mas também introduzidos de forma proativa, com uma linguagem apropriada e compreensível à idade, e sem omissões e tabus.

"Toda conversa precisa começar em uma relação horizontal, ou seja, o adulto entendendo que a criança tem capacidade de compreender, mas que em cada faixa etária, em cada fase do desenvolvimento, exige uma forma de se comunicar. Quanto mais nova criança, mais ela vai precisar de recursos concretos para entender, às vezes a gente precisa fazer alguma comparação com algo que é que é conhecido da criança com coisas que acontecem no dia a dia", indica Arcari.

Segundo ela, os adultos precisam pesquisar mais e estarem bem informados sobre a fase do desenvolvimento da criança, além de buscarem por materiais e recursos que possam ajudar na conversa. Nos casos envolvendo sexo e sexualidade, normalmente a criança começa a demonstrar curiosidade sobre os próprios órgãos genitais, sobre as diferenças fisiológicas entre meninos e meninas e sobre as sensações em relação ao próprio toque.

"Quando a criança demonstra interesse, é importante deixar claro que ninguém deve tocar em seus genitais e que ela não deverá tocar no de ninguém, e se alguém fizer isso com ela, deve contar para aos cuidadores (vale usar a palavra que a criança entende e nomeia como pipi, por exemplo). O ideal é reforçar essa conversa ao passar dos meses", fala Lala Fonseca.

Bouer recomenda como material de apoio o livro "E Agora, o que Eu Respondo?", de Clarice Dall'Agnol Casado. O livro traz diferentes curiosidades "espinhosas" das crianças, servindo como base para um diálogo horizontal entre elas e os adultos —inclusive sexualidade.

Falar de sexo e sexualidade é um jeito importante de prevenir questões de violência e abuso. Se a criança entende a questão da sexualidade, entende o corpo dela, entende os limites, ela pode perceber com mais facilidade os riscos de potenciais formas de abuso. Jairo Bouer

Fontes: Jairo Bouer, médico psiquiatra especialista em sexualidade, educação sexual e saúde; Caroline Arcari, pedagoga, escritora, mestra em educação sexual; Lala Fonseca, pós-graduanda em psicologia clínica pela USP e especialista em terapia cognitivo comportamental.