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'Esqueço palavras básicas': antidepressivos podem causar perda de memória?

Régis Arima Junior diz que perda de memória se intensificou depois que começou a tomar antidepressivo - Arquivo pessoal
Régis Arima Junior diz que perda de memória se intensificou depois que começou a tomar antidepressivo Imagem: Arquivo pessoal

Débora Lopes

Colaboração para o VivaBem

11/03/2023 04h00

Tremores, falta de ar, aperto no peito. Foi no início de 2019 que a jornalista Isabela Rocha, 23, terminou um relacionamento abusivo e passou a vivenciar esses sintomas. Ela, então, procurou ajuda profissional, foi diagnosticada com transtorno de ansiedade generalizada, ou TAG, e passou a ser medicada com sertralina, um antidepressivo que, além da depressão, também é indicado para tratar TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), síndrome do pânico e outras doenças.

O tratamento funcionou, mas de um ano para cá ela notou algo de diferente em sua rotina. "Às vezes esqueço algo que me falaram há minutos. No trabalho, passei a anotar absolutamente tudo. Percebi que estava esquecendo com facilidade o que meu chefe me passava." Coisas que antes eram simples para ela, como decorar uma letra de música ou detalhar uma história para alguém, ficaram difíceis.

A jornalista conta que sua memória costumava ser "invejável", por isso ficou surpresa com esses lapsos que passou a ter. "Me preocupa um pouco, mas tento tomar algumas medidas para evitar algo pior lá na frente. Faço muito quebra-cabeça, palavra cruzada, e tenho um diário no qual escrevo quase todo dia", diz.

Ativar lembretes, alarmes e colocar bilhetes na porta de casa já era algo comum para o fotógrafo e designer gráfico Régis Arima Junior, 47. Mas desde que passou a tomar antidepressivo isso se intensificou. Diagnosticado com ansiedade com traços depressivos logo após ter perdido o pai, ele deu início ao tratamento com escitalopram, mas não se adaptou ao remédio e, seguindo orientação médica, mudou para o Donaren (cloridrato de trazodona), que toma até hoje.

Já no começo da entrevista para o VivaBem, ele avisa: "A vida toda fui distraído, mas esquecido, nunca". De uns dois anos para cá, a memória de Régis tem se perdido em momentos específicos. "Chego a esquecer palavras básicas. Toca o alarme do remédio, desativo para ir tomá-lo e não tomo. No meio da conversa, não lembro o que falei há meia hora, e por aí vai."

Ele diz nunca ter conectado o uso do medicamento à perda de memória propriamente, mas sim a tudo que vivenciou durante o auge da pandemia. "Passei quase um ano isolado, praticamente sem contato social."

Quem também tem sofrido com a falta de memória é a professora Bruna Medeiros, 31, que trata ansiedade e depressão há quase seis anos. "Eu ministro aulas para muitas turmas com o mesmo conteúdo e comecei a perceber que eu estava precisando retomar os estudos de algumas coisas que eu domino bem", fala.

Atualmente, ela usa a sertralina, mas como sofre também de insônia, já fez uso do zolpidem, medicamento que comprovadamente provoca alterações de memória. "Parei com ele, pois o médico sempre quis suspender, e hoje tomo melatonina [hormônio natural do sono] para ajudar na insônia."

Bruna relata que percebeu a mudança de comportamento nos últimos três anos. "Minha memória sempre foi boa, principalmente para os estudos e coisas que já aprendi. Hoje, tenho mais dificuldades. Eu preciso reler muito para fixar [as coisas]. Acaba sendo cansativo."

Mas será que os antidepressivos são os verdadeiros causadores dessa perda de memória?

Queixa comum entre pacientes deprimidos

De acordo com Juliana Surjan, médica psiquiátrica e coordenadora do Programa de Doenças Afetivas da Unifesp, parte da culpa pode, sim, ser dos remédios. "Alguns antidepressivos diminuem a capacidade de concentração e, consequentemente, da fixação das informações. Isso é mais notório com antidepressivos tricíclicos, como a amitriptilina, e outros que podem provocar sonolência, como paroxetina e mirtazapina."

A especialista pontua que existem "estudos conflitantes na área", apontando que antidepressivos serotoninérgicos —ou seja, que inibem a recaptação de serotonina, neurotransmissor relacionado ao nosso bom humor e bem-estar— como sertralina e fluoxetina, que são largamente utilizados, "podem ocasionar declínio cognitivo gradual a partir de três semanas de uso, ainda mais evidente após oito semanas".

Surjan traz outro ponto relevante para a questão: "É fundamental avaliar se essa perda de memória não está sendo causada pela própria depressão, já que essa é uma queixa comum entre pacientes deprimidos. Estudos avaliando declínio cognitivo na depressão encontram déficit de memória em até 87% dos pacientes deprimidos".

Isso pode ser visto dentro do consultório médico, como atesta Kátia Petribu, psiquiatra e professora associada de psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da UPE (Universidade de Pernambuco). "O que vemos na prática clínica é que [a perda de memória] é causada muito mais pela depressão e pela ansiedade do que pelo tratamento."

Ela aponta que a depressão tem três eixos de sintomas: os de humor, como tristeza, falta de ânimo e pensamento negativo; os sintomas físicos, como dor no corpo e inapetência [falta de apetite]; e os sintomas cognitivos, como dificuldade de concentração, dificuldade de adquirir algumas aprendizagens e alterações de memória.

"Na ansiedade, as pessoas estão a mil por hora, fazem mil coisas ao mesmo tempo, não conseguem se concentrar, não conseguem parar. Daí as alterações cognitivas. Elas esquecem as coisas porque estão ansiosas, preocupadas."

Mas o que fazer para combater a perda de memória?

"É muito importante relatar a queixa ao psiquiatra e discutir a melhor forma de resolver o problema. Existem medicações que podem melhorar a função cognitiva, como modafinil e vortioxetina, esta última um ótimo antidepressivo com bons resultados na cognição", aponta Surjan.

A neurologista Verena Subtil Viuniski, mestre em ciências médicas pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), explica que pessoas que buscam ajuda se queixando de perda de memória geralmente são submetidas a testes para saber qual é a gravidade do problema. "Como existem vários tipos e causas diferentes para declínios cognitivos, não existe uma única solução. Mas existem causas tratáveis e, mesmo para as que não existe tratamento específico, há tratamento medicamentoso e não medicamentoso."

Sobre a melhor maneira de evitar a perda de memória, ela faz um alerta já conhecido: "O consenso em diversos estudos da última década está em manter uma dieta saudável e peso adequado, mas principalmente manter-se fisicamente ativo".