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Reação rara a remédio: 'Toda a pele do meu filho se soltou. Foi tenebroso'

A farmacodermia é um fenômeno raro - Arquivo pessoal
A farmacodermia é um fenômeno raro Imagem: Arquivo pessoal

Janaína Silva

Colaboração para VivaBem

16/03/2023 04h00Atualizada em 16/03/2023 11h43

J., 12, tomou paracetamol e foi parar na UTI.

Sua mãe, Raquel*, conta que o garoto sempre usou a medicação e nunca teve reação. Mas, um dia após utilizar o remédio, acordou com os olhos e a boca inchados. Raquel achou que era uma alergia normal.

"Levei-o à UBS (Unidade Básica de Saúde), mas não fomos atendidos. À noite, ele piorou, vomitava e estava mais inchado. Ao levá-lo ao Hospital Menino Jesus [na capital paulista, do SUS], os médicos decidiram interná-lo", lembra.

J. só foi piorando. A mãe conta que foi assustador ver o menino naquelas condições de um dia para outro. Surgiram bolhas d'água por todo seu corpo, como se fosse uma queimadura, mas estouraram.

Toda a pele do corpo dele se soltou.

O garoto teve reação cutânea adversa a medicamentos, chamada de farmacodermia.

"O paracetamol é apenas um dos medicamentos com potencial de causar a farmacodermia", afirma Antonio Carlos Madeira, superintendente médico do Hospital Menino Jesus, referência no atendimento a crianças e adolescentes, gerido pelo IRSSL (Instituto de Responsabilidade Social Sírio-Libanês).

Diagnóstico demorou três dias

No momento da internação, os médicos não sabiam o que J. tinha. Na madrugada, ele foi transferido para a UTI. No segundo dia, foi intubado.

No 3º dia, os médicos me informaram o diagnóstico. Ver seu filho se desfigurando na sua frente é muito ruim. Foi a pior sensação que já senti. É horrível, tenebroso e senti muito medo, apesar de todo o suporte que me foi dado.

Jaffar - alergia paracetamol 2 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

O tratamento utilizou mantas e os curativos eram trocados a cada 7 dias. J. não ficou muito tempo intubado, para evitar consequências, mas o tempo total de internação foi de 35 dias.

Hoje, ele está muito bem e continua em tratamento, tudo realizado pelo SUS. Segue sendo acompanhado pelos especialistas, no mesmo hospital e, inclusive, participa de consultas com psicólogo. Raquel, mãe de J.

Segundo a mãe, o menino tem fotofobia, irritação dos olhos em presença de luz intensa.

Apesar de as córneas não terem sido afetadas, o problema nos olhos demora um pouco mais para sarar, por conta do ressecamento das mucosas. Os cílios nascem invertidos. "Ele já fez alguns procedimentos para correção e para aumentar a abertura dos olhos."

Como a pele descamou inteira, usa medicamentos para evitar cicatrizes e reduzir as manchas que ficaram. Por conta das sequelas, J. ainda está afastado da escola.

Ele venceu, agora, é recuperar e não tomar mais nenhum remédio que tenha paracetamol na composição.

Fenômeno raro

A equipe médica avalia que a recuperação do J. foi surpreendente, pois, apesar de raras, as farmacodermias podem ser fatais.

As reações causadas por medicamentos, em sua maioria, são inespecíficas. No início, entre as manifestações estão febre elevada, manchas pelo corpo, fotofobia e lesões de mucosa (boca e região genital).

Os sintomas começam em horas ou em poucos dias após a exposição à medicação. Acometem, a princípio, bocas e olhos e, na sequência, tórax e membros.

"Os pais devem procurar um pronto-atendimento para avaliação por um pediatra e, sempre que possível, suspender o uso da medicação que, provavelmente, levou ao quadro até a liberação por um especialista", aconselha o superintendente médico do Hospital Menino Jesus.

Além disso, recomenda-se evitar a automedicação e restringir o uso de medicamentos, apenas quando necessários e prescritos por profissional habilitado para isso.

O mecanismo da farmacodermia não é completamente conhecido, segundo Madeira, a reação envolve a destruição de queratinócitos —células presentes na epiderme, camada mais superficial da pele—, desencadeando um processo inflamatório disseminado e a perda da integridade da pele.

Na sequência, ocorre o descolamento da epiderme e da membrana mucosa em mais de 30% do corpo.

Por se tratar de evento raro em pediatria, o médico do Hospital Menino Jesus explica que identificar maior suscetibilidade é um desafio, visto que pacientes com câncer e com algumas alterações genéticas podem ter risco aumentado para desenvolvimento de farmacodermia.

"Um estudo americano publicado em 2018 na Pediatric Dermatology, mostrou que dentre as crianças afetadas 38,4% delas tinham de 11 a 15 anos de idade."

Dor e lesões extensas pelo corpo

Jaffar - alergia paracetamol 3 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

As farmacodermias se manifestam com vários graus de acometimento cutâneo. Nos casos de comprometimento da pele mais extenso, os riscos são maiores.

Com a pele lesionada, o paciente perde muito líquido para o ambiente, pois a pele funciona como uma barreira protetora e pode apresentar desidratação, alterações renais e de eletrólitos.

A dor, segundo Madeira, é semelhante a de um paciente que sofreu uma queimadura extensa, ou seja, muito forte.

Os cuidados iniciais envolvem medidas de suporte, como hidratação, analgesia adequada, prevenção de infecções, curativos nas áreas lesionadas e suspensão dos fármacos que possam ter causado o quadro.

No caso de J., foi necessária a participação de diferentes equipes de médicos, enfermeiros, dentistas e psicólogos do corpo clínico do Hospital Menino Jesus.

"Foram feitos curativos que cobriam todo o corpo, para protegê-lo do meio externo, uma vez que a primeira camada da pele foi toda refeita. Cada troca durava em média 4 horas e era realizada no centro cirúrgico pela necessidade de sedação, higienização e aplicação de material específico para a proteção de todo o corpo."

*O nome da mãe do garoto foi trocado para preservar as identidades.