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Como Theo, de 'Travessia', é possível ficar dependente de telas?

Theo (Ricardo Silva), de "Travessia" - Reprodução
Theo (Ricardo Silva), de "Travessia" Imagem: Reprodução

Rodrigo Lara

Colaboração para o VivaBem

17/03/2023 04h00

Um personagem da novela "Travessia" chamou a atenção de muita gente. Trata-se do adolescente Theo, interpretado por Ricardo Silva, que sofre com um problema que tem tudo a ver com os dias de hoje: a chamada dependência digital.

Na obra de Glória Perez, o personagem vive isolado, sem convívio social e reage de forma agressiva quando confrontado por familiares ou em situações nas quais precisa ficar distante de telas ou da internet.

Esse tipo de dependência existe?

  • Dependência de telas existe e pode causar diversos problemas, seja em nível social ou de saúde.
  • O problema ocorre quando alguém apenas usa telas para abstrair.
  • Entre os sintomas, estão a compulsão e a abstinência.
  • Moderação e variação são as melhores opções para evitar o problema.
  • Tratamento passa por psicoterapia e pode necessitar de avaliação psiquiátrica.

[As plataformas digitais] são produzidas para possibilitar uma dependência em potencial. Os cliques rápidos, o constante reabastecimento de informações e a tentativa de sempre deixar o uso atrativo são recursos que possibilitam essa dependência. Fabíola Barbosa, psicanalista mestre em dependência química pela Universidade Católica de Pernambuco.

Efeito similar à dependência de drogas

O uso excessivo de telas pode causar um efeito similar ao da dependência relacionada às drogas, segundo Ana Carolina Ratajczyk Puig, psicóloga do Hospital Santa Catarina - Paulista. "As telas, assim como drogas e outras substâncias, podem gerar a liberação de neurotransmissores responsáveis pela sensação de bem-estar e recompensa no cérebro humano. Isso produz o efeito de bem-estar que faz o indivíduo buscar esse recurso como forma de obter prazer ou recompensa", diz Puig.

Ao contrário dessas substâncias, porém, as telas têm uma peculiaridade: elas fazem parte do nosso cotidiano. E, uma vez que é quase impossível não estarmos expostos às telas, como identificar quando essa exposição se torna dependência? Ou ainda, quando assistir à TV, navegar nas redes sociais e jogar videogame deixam de ser uma mera diversão e passam a ser um problema?

A partir do momento em que esse hábito começa a impactar no dia a dia do indivíduo, afetando o desenvolvimento das suas atividades, já é o momento de acender o alerta. Carla Maria Dantas Leite da Silva, psicóloga do Hospital Mater Dei Emec de Feira de Santana (BA).

Quais os sinais?

Silva ressalta que há sinais de que o simples hábito caminha para uma dependência, como ansiedade, depressão, irritabilidade, isolamento social, alterações do sono entre outros.

Segundo Barbosa, também é importante analisar a interação da pessoa com o que a cerca e, assim, entender o quanto de recursos ela usa entre as possibilidades. "O indivíduo é sempre singular e é por isso que toda a percepção e compreensão dos casos precisa ser bem individualizada", afirma.

A psicanalista cita que, em geral, a dependência é acompanhada de um comportamento compulsivo, o que faz com que a pessoa precise cada vez mais do recurso utilizado.

Abstinência é sinal de dependência

Outro indicativo de dependência é a reação de abstinência quando o indivíduo é privado do contato com o objeto de sua compulsão. Em "Travessia", uma passagem bastante marcante ocorreu quando a família de Theo resolveu passar um final de semana em um sítio afastado e sem sinal de internet, o que causou uma reação violenta da parte do personagem.

"Quando o recurso usado não está disponível, a pessoa dependente não consegue se relacionar consigo e com o seu contexto de forma agradável, eficiente, funcional e interessante", diz Barbosa.

Theo - Reprodução - Reprodução
Na novela, mãe de Theo o cobra por não estar estudando
Imagem: Reprodução

Se a pessoa chegou em um estágio no qual há sinais de compulsão e abstinência, o melhor caminho é procurar a psicoterapia. "Nela, o sujeito encontra auxílio para tratar do seu problema, construindo estratégias para lidar com a situação. Isso também gera a oportunidade de construir a tomada de consciência necessária para uma possível mudança", diz Silva.

A psicóloga ressalta que, dependendo do caso, é preciso considerar a avaliação com o médico psiquiatra para definição de um tratamento medicamentoso.

Moderação é o melhor caminho

É importante salientar que, por mais que plataformas digitais sejam feitas para reter seus usuários, não é todo e qualquer uso que caminhará para uma dependência. Até porque, o ser humano precisa de meios de fugir da realidade.

Sigmund Freud já dizia que era impossível conviver com a realidade sem que houvesse meios de fuga. Ele considerava isso como uma espécie de amortecedor de preocupações. O problema é quando a pessoa usa sempre a mesma solução para esse fim. Fabíola Barbosa

O segredo para evitar esses problemas passa pela moderação e pela variação.

Começando pela moderação, ela é relevante especialmente em crianças e adolescentes. Nesses casos, o uso excessivo de telas pode atrapalhar diversos aspectos do desenvolvimento.

"Vai do nível de atenção até a forma como a criança interage com outras pessoas em situações sociais, já que ela acaba recebendo pouco estímulo na maior parte do tempo", diz Pilar Tavares, neurologista no Centro Especializado de Reabilitação IV Jardim Herculano, gerenciado pelo Cejam - Centro de Estudos e Pesquisas "Dr. João Amorim", em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo.

Segundo Tavares, outros aspectos do desenvolvimento são comprometidos, como a fala —para a criança aprender a falar, ela precisa ouvir as pessoas falando.

A neurologista complementa dizendo que a frequência do som nas telas, no videogame e na TV é diferente daquela proveniente da fala das pessoas. "Isso atrapalha na hora de a criança distinguir os sons e pode resultar em um atraso na aquisição da fala. Também há comprometimento no desenvolvimento motor e, em médio e longo prazo, há riscos de obesidade e doenças cardiovasculares", diz.

Já a variação das atividades usadas para abstrair é importante por diversos aspectos, seja na hora de criar um repertório de possibilidades de abstração como para o crescimento pessoal, uma vez que estar em contato com situações e experiências diferentes contribui para o bom estado mental e físico.