Aos 15 anos, ela viu 2 quadros onde só tinha 1: era esclerose múltipla
Você já imaginou receber o diagnóstico de uma doença que não tem cura? Ainda mais durante a adolescência e pouco depois de comemorar aniversário? Pois foi exatamente isso que a estudante universitária e empreendedora Eduarda Farias, 20, do Paraná, vivenciou.
Ela foi diagnosticada com esclerose múltipla (EM) em fevereiro de 2018, logo após completar 15 anos. O primeiro sintoma apareceu em janeiro e de maneira abrupta. Logo que acordou, pela manhã, olhou para a parede do quarto e "viu" dois quadros. Mas na verdade, havia apenas um.
Em meio ao processo de aceitação da doença, a busca incansável por um medicamento e os obstáculos que o destino impôs, Eduarda encontrou nas plantas e na dança (que já praticava) refúgio e novas direções para sua vida. Conheça a história dela:
"Naquele momento, achei que estivesse ficando cega. Fechei os olhos, abri e estava vendo dois quadrinhos. Estava com diplopia e tinha perdido a coordenação motora dos olhos. Eu e minha mãe corremos para o hospital, em Londrina (PR).
Os meus olhos estavam alterados, mas não tinha febre, dor de cabeça... O médico fez pouco caso. Insistimos por uma tomografia e o resultado veio no final do dia. Ele mudou o tom. Informou que tinham algumas lesões no meu cérebro e teria que internar.
Na segunda-feira já estava com paralisia facial, continuava com diplopia, tinha perdido o equilíbrio e a sensibilidade do corpo. Foi muito agressivo e rápido. Fiquei uma semana internada fazendo diversos exames.
Não conseguia fazer, literalmente, nada e ninguém falava o que tinha. Foi aterrorizante. Uma outra Eduarda saiu do hospital. Perdi toda a musculatura, os sintomas persistiam e comecei a fisioterapia intensa para me reabilitar.
Eis que chega o dia 19 de fevereiro. Tive uma consulta com o médico responsável pelo hospital e ele me deu a notícia: 'você tem esclerose múltipla, uma doença neurológica, desmielinizante, rara e que não tem cura'.
A busca pela aceitação
Queria esquecer o diagnóstico, não contar para ninguém, mas sabiam que estava com um problema de saúde. Era muito estranho as pessoas ficarem me olhando com dó. Me sentia um grãozinho de areia. Um médico do hospital disse que não poderia mais dançar. Era como ter colocado uma faca no meu peito, porque a dança era tudo. Decidi, então, focar na minha reabilitação.
Um dia fui em um Garden, iria ter um workshop de kokedama (técnica japonesa que consiste em envolver raízes de plantas na terra e no musgo). Fiz a inscrição e foi lá o primeiro momento que consegui esquecer tudo e ficar feliz. Adorei. Comecei a fazer muitas kokedamas e, por mexer com texturas diferentes, era uma terapia ocupacional que me ajudou na sensibilidade.
O início da minha aceitação aconteceu quando estava na biblioteca da minha antiga escola. Alguém me perguntou algo e eu explodi: 'eu tenho esclerose múltipla!'. Foi difícil falar aquilo, mas foi libertador.
Outra parte essencial ocorreu em um trabalho de campo da faculdade que era colher soja. Era fevereiro de 2021 e o calor excessivo é um gatilho para os sintomas voltarem.
Fui morrendo de medo, mas não avisei da possibilidade de passar mal. Deu tudo certo e, no fim da atividade, contei a minha situação para o pessoal. Um rapaz respondeu que, se soubesse, teria escalado outro aluno, por precaução mesmo.
Foi quando entendi que o meu medo de falar era porque não queria ser privada de fazer as coisas. A partir daí, percebi que tinha que compartilhar o que era esclerose múltipla. Pouco tempo depois, chegou o momento que aceitei o diagnóstico por completo: tínhamos que mudar o meu tratamento.
Corrida contra o tempo
Em janeiro, tive o meu segundo surto. Fomos ao hospital, fiz pulsoterapia e voltei à estaca zero. Porém, as ressonâncias mostravam que as lesões estavam aumentando. Significava que meu tratamento não estava contendo a doença.
Tivemos que recorrer a um novo, com o medicamento mavenclad, que ainda não foi incorporado ao SUS. Precisávamos de 20 comprimidos que custavam R$ 12 mil cada um, totalizando R$ 240 mil.
Não é fácil ter que pedir ajuda para as pessoas dessa forma, mas entendi que era necessário. Não tínhamos aquele valor.
Iniciamos uma campanha em agosto de 2021 e terminamos em fevereiro de 2022. Não queria só pedir o dinheiro, precisava entregar algo em troca. Então, fizemos materiais digitais, camisetas, fertilizantes e vendemos. Foi uma campanha pesada, eu e minha mãe vivemos 100% por ela. Mas conseguimos com a ajuda de muitas pessoas.
Uma perda
Minha mãe e eu sempre fomos muito conectadas. Éramos muito amigas. Ela me viu tomando a primeira etapa do medicamento, só que não viu a segunda, no fim do ano passado. Quando recebi a notícia de que a minha mãe tinha partido, foi muito difícil.
Fiquei com medo de ter um novo surto. Nunca imaginei que, com 19 anos, perderia alguém que foi minha base e nunca saiu do meu lado. Preferiria passar por tudo de novo, mas existem destinos que não têm como mudar, infelizmente.
Estava perdendo a minha luz até que tive um estalo. Conversávamos sobre a morte e ela me disse uma vez que, quando partisse, não queria me ver parando de fazer minhas atividades. Estou percebendo que ela me deixou preparada. Sinto muita falta, mas se não fosse a minha mãe, não seria o que sou hoje.
Inspiração nas redes socias
Gosto de falar sobre o meu lifestyle, que está muito relacionado com a doença, tanto para quem tem EM, quanto para as outras pessoas. O ponto-chave é mostrar o meu jeito de ver o mundo e poder ajudar.
Antes do diagnóstico, queria ser bailarina e seguir na área da dança. Hoje, sou totalmente diferente. Além de cursar agronomia, tenho um empreendimento de plantas ornamentais, em que faço oficinas e assessoria, dou palestras e trabalho com marketing digital.
Nessa rotina, tento manter uma alimentação saudável e fazer atividades físicas, como a dança, porque são muito importantes. Gosto de ser uma Duda múltipla.
De acordo com a minha última ressonância, as lesões não aumentaram, e os exames de sangue deram certo. Então, a minha saúde está boa e a doença controlada.
Em julho, farei uma nova ressonância para planejar os próximos passos. A mensagem que posso deixar para quem passa por um diagnóstico é que ele não te define. Não tenha medo e nem vergonha."
Saiba mais sobre a esclerose múltipla
O que é? Uma doença autoimune, crônica, desmielinizante e que costuma atingir pessoas entre 24 e 45 anos. Provoca uma inflamação do SNC (Sistema Nervoso Central), que ataca a bainha de mielina e provoca os sintomas. A mielina é um lipídio responsável pela proteção e sustentação dos neurônios no cérebro e na medula.
Sintomas. Dependem do local do SNC que está inflamado. Os mais comuns são:
- problemas de visão
- dificuldade para urinar ou incontinência
- alteração da sensibilidade
- fraqueza
- desequilíbrio
- dor na face (neuralgia do trigêmeo)
- visão dupla (diplopia)
Não é possível prever o sintoma, mas caso dure por mais de 24 horas, é chamado de surto.
Causas. Ainda não são bem definidas, assim como outras doenças autoimunes. No geral, existe um conjunto de alterações genéticas que aumentam a suscetibilidade do indivíduo quando exposto a fatores ambientais (incidência solar e exposição a cigarro, por exemplo).
Mitos e verdades
A doença é incontrolável? Não. É possível controlar por meio dos tratamentos que a ciência tem desenvolvido nos últimos anos. Além disso, atividade física e alimentação correta são fatores que ajudam.
É contagiosa? Não. Assim como toda doença autoimune, não há transmissão.
A pessoa está fadada a perder os movimentos? Não. Atualmente, existem diversos medicamentos que atrasam a progressão. Terapias de alta eficácia são capazes de até bloquear o avanço, chegando ao estágio chamado NEDA, sem evidências da doença. Manter uma rotina saudável também influencia. No entanto, ela pode progredir independentemente dos surtos e, se não receber ou seguir o tratamento adequado, a pessoa pode perder os movimentos.
A pessoa com EM é preguiçosa? Não. A fadiga é um sintoma comum em pacientes com doenças autoimunes. No caso da esclerose múltipla, por vezes o indivíduo não tem energia para realizar atividades simples. Pode vir do nada, mas é agravada durante dias quentes. Costuma melhorar quando o paciente está utilizando, corretamente, a medicação e mantendo hábitos saudáveis.
O paciente consegue ter uma vida normal? Sim. Com medicação regular e sintomas controlados, os pacientes conseguem levar uma vida normal, realizar os sonhos, trabalhar, casar, ter filhos e, sobretudo, com qualidade.
Fontes: Felipe von Glehn, neurologista do Hospital Sírio-Libanês em Brasília (DF) e professor adjunto de neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília; e Guilherme Sciascia do Olival, neurologista, neurocientista e embaixador médico da Abem (Associação Brasileira de Esclerose Múltipla).
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