'Gato de Botas 2', 'Pinóquio': por que animações sobre luto são positivas
São muitos os filmes infantis que abordam questões sobre morte e perda nos últimos tempos. "Gato de Botas 2", "Pinóquio", "Viva - A Vida É uma Festa", "Soul", "Dois Irmãos" são alguns deles. As obras trazem à tona a discussão de todos os sentimentos que envolvem o processo emocional que segue a perda de alguém que a gente ama, e podem ser grandes aliadas na hora de falar sobre luto com os pequenos.
Fernanda Gomes Lopes, psicóloga pela Unifor (Universidade de Fortaleza) e fundadora do Instituto Escutha, avalia que isso seja um grande avanço social.
"Falar de morte na nossa sociedade é um tabu, e com crianças isso se torna mais intenso. Evitamos a qualquer custo esse assunto. Então, considero que esses filmes são uma grande conquista, já que permitem que as crianças comecem a entrar em contato com o inevitável de maneira lúdica, a partir da linguagem que elas entendem", diz.
Ainda temos uma ideia de que evitar falar da morte vai nos impedir de vivê-la ou de sentir dor. Mas ela é inevitável e nos acompanha no decorrer da vida, seja com a perda de animais de estimação ou familiares. Por isso, explorar o tema da morte com as crianças é muito necessário para o desenvolvimento infantil.
De acordo com Lopes, quando abrimos espaço para o diálogo, damos a oportunidade de desconstruir ideias erradas sobre esse processo, diminuir o sentimento de solidão e aumentar a sensação de apoio. E não é diferente com as crianças. Omitir ou mentir para elas não evita que percebam a ausência de alguém, mesmo que crianças muito pequenas possam não compreender como a gente.
"O desenvolvimento cognitivo e emocional delas também é influenciado pelo contexto social e familiar, e a mentira e omissão acabam quebrando um elemento fundamental: a confiança. A criança sente, percebe... e cabe aos adultos serem fortalecedores desse processo", afirma.
Como falar de morte com as crianças
Desde o nascimento, a criança é capaz de compreender, de alguma forma, a morte. Segundo Valéria Tinoco, psicóloga e especialista em luto, do Instituto de Psicologia 4 Estações, a capacidade de compreensão muda ao longo dos anos e ela vai tendo mais condições de compreender e conversar sobre o tema conforme for se desenvolvendo.
"O melhor momento para falar sobre o assunto é quando a criança pergunta, quando ela passa por alguma experiência de morte na família ou quando o tema aparece na televisão, com o amigo da escola etc.", diz. Os filmes infantis que estão tratando o tema, portanto, podem abrir um caminho para comentar sobre o assunto, caso a criança questione ou comente o tema.
A especialista ressalta que é preciso sempre contar o que aconteceu, ajudar a criança a entender como a morte a afeta, por exemplo, quem vai cuidar dela, como a sua vida será afetada na prática, que tipo de sentimentos ela pode ter, e responder as perguntas, se houver.
Maria Júlia Kovács, professora sênior do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) e membro do Laboratório de Estudos sobre a Morte, ressalta que é importante abordar de forma clara e objetiva o que é essencial: a irreversibilidade da morte. "Ou seja, não tem volta. O afastamento é definitivo, haverá a quebra do vínculo presencial, mas a criança pode manter a pessoa no seu coração e nas suas lembranças", diz.
Já o uso de metáforas deve ser evitado. Por exemplo, quando se diz "o vovô foi viajar", o imaginário da criança pode levar a questionamentos como "foi viajar e nem se despediu de mim?", "nunca mais voltou para me ver?", "ele não gosta mais de mim?". "Acho importante utilizar a palavra morte, evitar substituições como "dormiu", "viajou", "partiu", "foi embora". Essas palavras podem confundir a criança que ainda interpreta tudo de forma literal", esclarece Gisela Adissi, cofundadora do projeto "Vamos Falar sobre o Luto?" e colunista do VivaBem.
Crianças devem ir a funerais?
De acordo com as especialistas, essa é uma questão muito particular e não há resposta única. Cibele Marras, psicóloga e mestre em psicologia clínica pela PUCSP, explica que os funerais têm uma função importante cultural e emocional para os enlutados: concretizar a morte, liberdade de expressão dos sentimentos frente à perda, reconhecimento social dessa perda e amparo da comunidade em um momento delicado. Sendo assim, Marras sugere a reflexão: a criança se beneficia da ida ao funeral nesses aspectos?
"Caso seja uma morte onde as pessoas enlutadas estão emocionalmente muito abaladas, o ritual do funeral pode ser mais assustador do que eficiente para o luto da criança. Portanto, é importante que os adultos responsáveis avaliem se a ida da criança poderá trazer benefícios ao seu processo de luto ou se ela não deve participar deste momento final", ressalta.
Gisela Adissi lembra que normalmente a criança não sabe o que acontece num velório e, por isso, é preciso esclarecer sobre o que poderá ocorrer nesse lugar. "Diga, com palavras simples, que o corpo da pessoa que morreu fica numa caixa especial, por um tempo, para que as pessoas possam vê-la mais uma vez, antes de ser enterrada. Avise que haverá gente chorando, pois estão tristes com o fato", diz.
Adissi também recomenda explicar que a pessoa que morreu não sente mais dor, frio ou qualquer desconforto. "Depois da explicação, o mais importante é perguntar se a criança deseja ir, e só levar em caso afirmativo; não pode obrigar a ir em hipótese alguma, mas também não pode negar o direito de participar do ritual", afirma.
Além disso, é importante que alguém fique disponível para a criança, para perceber o momento de comer, conversar sobre outros assuntos, responder suas perguntas e ir embora, caso ela se sinta cansada antes do fim da cerimônia.
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