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Dá para ser amigo do ex? Eles contam como transformaram relação em amizade

Carol Santos ficou cerca de um ano sem falar com ex antes de retomar relação - Arquivo pessoal
Carol Santos ficou cerca de um ano sem falar com ex antes de retomar relação Imagem: Arquivo pessoal

Fernanda Beck

Colaboração para o VivaBem

24/03/2023 04h00

Já diria Vinicius de Moraes: os amores não são imortais, mas que sejam infinitos enquanto durem. Mas e quando acabam? Onde encaixar aquela pessoa por quem você foi apaixonado e que um dia ocupou lugar tão central na sua vida? Há quem nunca mais queira ver o outro após o término de um relacionamento, mas isso não é sempre assim.

Muitas pessoas fazem uma "recolocação" do ex na vida, e conseguem manter a pessoa em suas rotinas, agora na qualidade de amigos. "É saudável se manter aberto para possibilidades de movimento e mudança na relação", explica Zulmira Cruz Bonfim, professora titular da pós-graduação em psicologia da UFC (Universidade Federal do Ceará).

"Uma relação romântica pode, sim, transformar-se em amizade, pois um amor é, antes de tudo, um amigo. Se você não for amigo do seu amor, do que é feita a relação?", questiona Bonfim.

Quando é possível manter uma amizade com o ex?

É possível seguir em frente como amigos se a relação foi bem resolvida, as duas partes estão bem, ninguém está tentando resgatar o vínculo amoroso e não sobrou nenhuma história mal-digerida entre os dois.

Para casais que ficam muitos anos juntos, é comum perceber que os laços de amizade já são mais fortes que os de envolvimento romântico, mas a convivência pode seguir de outros jeitos.

Relações amorosas construídas com diálogo sincero, respeito e parceria costumam ter mais chances de migrarem para o campo da amizade, já que têm os alicerces certos para que as pessoas consigam ajustar o relacionamento de acordo com as circunstâncias.

Thiago Raíces - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Thiago Raíces conta que transição para a amizade não foi rápida, mas fluida
Imagem: Arquivo pessoal

O psicólogo Thiago Raíces, 31, mantém boas relações com todas as ex-companheiras e acredita na força das boas lembranças. "Logo que as coisas terminam, o momento pode ser mais turbulento, mas o tempo passa, e o que deve ficar é a memória das partes legais, a nostalgia. Se o forte da relação for o lado bom, as pessoas estão fadadas a interações no mínimo amigáveis caso se encontrem de novo", opina.

Como este tipo de relação acontece?

Depende do contrato entre as pessoas, que devem sempre prezar pela sinceridade para dizer o que esperam daquele encontro. Afinal, o encontro afetivo amoroso deve ser pautado em relações de sinceridade e amor verdadeiro, e pode ser um processo de crescimento, mesmo com começo, meio e fim.

'Até que a morte nos separe' é uma coisa sem sentido de dizer, pois a vida é um movimento, uma construção. Não dá para garantir que você vai permanecer afetivamente vinculado a uma pessoa por toda a vida. Zulmira Cruz Bonfim, professora da pós-graduação em psicologia da UFC

"No momento do seu encontro inicial com aquela pessoa, as coisas são de um jeito, mas tudo pode mudar, inclusive as próprias pessoas. O importante é notar isso e adequar a relação para que ela faça sentido em cada momento", completa a psicóloga.

A produtora Fernanda Mancilha, 41, mantém uma boa relação com a maioria dos ex-namorados, em especial com o pai de sua filha. "Como temos muita coisa em comum e ficamos muitos anos juntos, é gostoso conversar e trocar ideias. O pai da minha filha é meu parceiro, quer que eu esteja bem e vice-versa", diz.

Também é importante pensar que o que é saudável ou não também parte de um referencial cultural. Em algumas culturas é muito comum seguir com uma relação depois do relacionamento a dois, e em outras, não. As possibilidades são muito amplas nos encontros humanos, podendo haver inúmeros processos e nuances diferentes em cada relação, com tipos de vínculo distintos.

Quanto tempo demora para a nova amizade se firmar?

Mudar a dinâmica dos relacionamentos interpessoais é uma tarefa delicada que leva tempo, mas esse tempo varia de pessoa para pessoa.

Toda perda é um luto. Pode não ser tão profundo quando perder alguém que você sabe que nunca mais vai ver, mas você acreditava naquilo, investiu naquela relação. Por mais que as pessoas decidam se separar, quando cai a ficha fica uma tristeza, ficamos remoendo as memórias, os planos que fizemos. Por isso é importante respeitar este tempo de luto. Marina Vasconcellos, terapeuta familiar

No caso de Thiago, quando ele se separou da companheira, a transição para a amizade não foi rápida, mas fluida. "Até por já termos uma dinâmica de relacionamento à distância, o que facilitou o processo. Não houve uma ruptura tão severa", avalia.

Fernanda Mancilha - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Fernanda Mancilha mantém uma boa relação com maioria dos ex-namorados
Imagem: Arquivo pessoal

Já a professora de inglês Carol Santos, 40, não teve experiências tão tranquilas. "Sou amiga de dois ex-namorados, mas em ambos os casos ficamos cerca de um ano sem nos falar antes de retomarmos a relação como amigos. Tivemos que nos adaptar à separação e tocar a vida, para depois reorganizar a mente e voltarmos a nos falar, pois não queríamos nos eliminar um da vida do outro", conta.

Como os limites da relação mudam?

Os limites e regras da relação passam a ser diferentes a partir do momento em que a pessoa deixa de ser a atual e se torna ex. Algumas liberdades são cortadas e novos limites são impostos e devem ser respeitados.

"Não dá para ficar invadindo muito o espaço do outro, querer saber de intimidades, ser confidente. Isso inclusive pode incomodar o atual parceiro do seu ex", explica Vasconcellos.

Carol Santos  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Carol Santos é amiga de dois ex-namorados
Imagem: Arquivo pessoal

No caso de Carol, manter a amizade com o ex, que tinha uma nova namorada, exigiu repensar algumas atitudes. "Eu ficava um pouco em dúvida do que eu podia dividir com ele, porque eu não queria ultrapassar nenhum limite, não queria ser invasiva e também não queria que invadissem o meu espaço", explica. Com o tempo, as coisas ficaram mais naturais. "Hoje somos amigos e fui até convidada para o casamento deles."

O que fazer para tentar manter uma amizade com o ex?

A medida mais importante para garantir a possibilidade de uma relação de amizade no futuro é cuidar da relação amorosa no presente. Manter uma relação de cuidado e apreço durante o envolvimento romântico facilita que estas bases se mantenham após o término.

Existe um alto nível de dificuldade em manter um relacionamento amoroso pautado na sinceridade, na ética e no encontro com o outro. E se a relação amorosa não é construída desta maneira, o que acontece depois também é continuidade disso. As coisas não mudam de uma hora para a outra. "Não vejo muita ruptura do que já estava sendo. Geralmente, relações que ficam horríveis após o término já não eram tão legais quando as pessoas estavam juntas", diz Bonfim.

"É importante ter sinceridade e abertura para falar dos sentimentos, poder se despedir de uma relação e ela se tornar amizade", completa Vasconcellos.

O que pode atrapalhar

O que pode impedir que um casal se mantenha amigo após o término são grandes mágoas, lembranças de momentos dolorosos que se sobrepõem às lembranças boas ou resquícios sentimentais, quando uma das partes não quer ou não aceita o término.

"Outro erro muito comum é as pessoas serem imaturas, viverem relações infantilizadas", aponta Bonfim. "Relacionam-se como se fossem crianças, esperando da relação romântica algo parecido com a relação de pai e mãe. Seu marido não é seu pai, sua mulher não é sua mãe. A relação de amor é de igual para igual", diz. "De igual para igual é mais fácil as pessoas se abrirem para perceber que a relação pode acabar e o amor e a amizade podem se transformar."

Fontes: Zulmira Cruz Bonfim, professora titular do programa de pós-graduação em psicologia na Universidade Federal do Ceará; Marina Vasconcellos, psicóloga pela PUC-SP, psicodramatista pelo Instituto Sedes Sapientiae e terapeuta familiar pela Unifesp; Gabriela Malzyner, psicóloga pela PUC-SP, psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientiae, mestre em psicologia clínica pela PUC-SP.