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'Era como pisar em brasa quente': ela descobriu câncer raro aos 23 anos

Amanda Maria Girardi  - Vinicius Bretzke
Amanda Maria Girardi Imagem: Vinicius Bretzke

Rebecca Vettore

Colaboração para VivaBem

25/03/2023 04h00

Perto de fazer 25 anos, Amanda Maria Girardi Ulrich tem muitas vitórias para comemorar: a recuperação de uma amputação e a finalização do tratamento de osteossarcoma de alto grau, um tipo de câncer ósseo que atinge principalmente crianças, adolescentes e jovens.

Mas a caminhada não foi fácil, até sair o diagnóstico da doença foram 12 meses de investigação e consulta com diferentes médicos. Nascida e criada em Blumenau, Amanda ficou em choque quando ouviu que precisava amputar da metade da canela direita para baixo para que o câncer não se espalhasse.

"Eu sofri um acidente de carro em janeiro de 2021, onde acabei quebrando o braço esquerdo, o pé direito, a clavícula esquerda e o zigomático esquerdo. Até conseguir fazer cirurgias, fiquei quase um mês internada. Voltei para casa e comecei a fazer fisioterapia, mas meu pé nunca recuperou direito e, com o passar do tempo, começou a inchar e apareceu uma bola na lateral dele.

No começo era só um incômodo, porém, foi aumentando até sentir uma dor insuportável. Eu gritava no meu quarto de madrugada e chorava de soluçar. A sensação era de que tinha colocado meu pé dentro de um balde de água fervente ou como se estivesse pisando na brasa quente.

Fiquei o ano inteiro de 2021 indo atrás de médico para descobrir o que era e ninguém dizia. Com isso, acabei entrando numa depressão profunda. Como não conseguia mais trabalhar, acabei fechando minha empresa de estética.

Foto - @amandaaulrich/ Divulgação - @amandaaulrich/ Divulgação
Amanda Maria Girardi antes da descoberta do câncer
Imagem: @amandaaulrich/ Divulgação

Foi só no finalzinho de 2021 que apareceu algo na ressonância magnética, porém, ainda não dava para ter certeza. Fizemos exame de sangue para ver se aparecia infecção inflamatória, mas não deu. Fizemos mais uma ressonância onde apareceu o sarcoma (tumor maligno raro), que já tinha comido meu pé inteiro. Ele não aparecia antes em exames de imagem porque não estava formado.

Mandaram fazer a biópsia e no dia 6 de março de 2022, um ano depois que comecei a procurar por médicos, recebi o diagnóstico de osteossarcoma de alto grau, isso é, já estava avançado e o próximo grau seria a metástase (nova lesão tumoral a partir de outra que vai para outras partes do corpo). Ali mesmo o médico já disse: 'Amanda, infelizmente descobrimos tarde e não tem o que fazer, ou amputamos, ou o câncer vai acabar te matando'.

Pós-descoberta

Fiquei em choque tentando digerir a notícia ao lado da minha cunhada. Eu perguntei se realmente não tinha outra opção, mas o médico confirmou, precisavam amputar. Como a cirurgia precisa de uma margem de segurança, a indicação foi de amputar desde a metade da canela. Para não espalhar a outros lugares e tentar diminuir o tamanho do sarcoma precisei entrar com a quimioterapia com 12 doses, que começaram em julho.

No segundo ciclo eu já não queria continuar por causa da dor. Não aguentava mais sentir os efeitos colaterais, cheguei a vomitar sangue e dizia 'isso tá me matando, não está matando o câncer.' Por conta da depressão e das dores, fui me aproximando de Deus e com o tempo foi melhorando. Voltei a conversar com a minha psicóloga e comecei a tentar ser forte pelos meus cachorros, que peguei ainda filhotes. Se eu morresse, iam separar eles, e eu não queria.

Continuei fazendo as quimios enquanto fortalecia a minha fé. Fui criando uma rotina de me cuidar e caminhar com meus cachorros. Depois de quatro meses, acabaram as doses e os exames mostraram que o câncer não tinha diminuído, pelo contrário, tinha aumentado. Aquilo me assustou e desesperou, e comecei a pensar que não fosse dar certo e escolhi viver os dias que restassem com mais qualidade, apreciando a vida, ao lado da minha família e os meus cachorros.

Fiz a amputação no dia primeiro de novembro de 2022, quando recebi alta, fiquei uns dias na casa da minha mãe para me recuperar e depois voltei para minha casa quando tirei os pontos. Quis continuar sendo independente e passei a me virar sozinha, limpando do meu jeito, indo no mercado, etc.

No começo desse ano voltei a fazer a quimioterapia, porque querendo ou não, mesmo amputando, teria essa possível metástase ali. Agora preciso fazer alguns exames e ver se realmente não tem mais nada, se tiver tudo bem, de tempos em tempos vou precisar voltar para ver se não tem residência.

Eu sempre fui muito vaidosa, trabalhava com estética, sempre ia à academia. Então, a primeira coisa que eu pensei quando descobri que tinha câncer, por mais fútil que seja, foi que ia ficar careca. Antes da descoberta tinha uma certa insegurança, mas hoje, com mais maturidade, que não veio do nada, mas com terapia e com o tempo, encaro de outra forma a perda de cabelo, me deu mais praticidade.

Foto - @amandaaulrich/ Divulgação - @amandaaulrich/ Divulgação
Amanda Maria Girardi depois da cirurgia
Imagem: @amandaaulrich/ Divulgação

Hoje eu agradeço por tudo isso que aconteceu, porque foi graças a tudo isso, que me tornei a mulher que sou, que se aceita, me dou bem comigo mesma.
Para ajudar a custear o valor gasto com a minha locomoção, remédios e outros gastos do tratamento e comprar a minha prótese, fiz uma vaquinha de R$30 mil. Meus amigos se mobilizaram pesado e conseguimos o valor em 33 horas.

Planos para o futuro

Faz um tempo comecei a fazer fisioterapia para fortalecer a perna, quadril e coluna, e preparar o meu corpo para voltar a andar. E, no Dia da Mulher, dei meus primeiros passos com a prótese, e foi incrível.

No terceiro dia de fisio com a prótese, deixaram eu trazer ela para casa.

Quero voltar a treinar, recuperar meu peso, porque perdi 15 kg. Me aceito e acho bonita hoje até a carequinha, mas sinto falta do meu cabelo. Quero terminar minha faculdade de estética, que tranquei, recuperar minha empresa, poder fazer a diferença na vida das pessoas e depois fazer outra faculdade, de biomedicina, para trabalhar com procedimentos mais invasivos

Entenda a doença

As células do osteossarcoma são como células ósseas primitivas, que vão ajudar a formar os ossos, mas o tecido ósseo que produzem não é tão forte e resistente como o dos ossos normais. O câncer ocorre na fase da vida em que os ossos têm um crescimento rápido e atinge principalmente os ossos longos, como o fêmur, que responde por 80% dos casos, além da tíbia. Em fases de estiramento de crescimento, a doença se torna mais frequente.

"É um câncer que já nasce no osso, não é um tumor secundário, que seria uma metástase. O osteossarcoma é mais frequente em crianças e jovens até os 20 anos. Ainda existe um segundo pico manifestado na fase adulta, por volta dos 50 anos. Ele acontece secundariamente a alguma lesão preexistente, por exemplo, uma doença óssea", explica Suely Nakagawa, especialista em tumores ósseos do A.C. Camargo Cancer Center.

O osteossarcoma é considerado um tipo de câncer raro, com incidência anual de aproximadamente 4,4 para cada 1 milhão de crianças e jovens, mas é o tipo de tumor ósseo primário mais comum. Ele pode ser classificado como alto, intermediário e baixo grau, de acordo com a aparência das células vista no microscópio. Se ela é mais agressiva, por exemplo, o câncer será considerado de alto grau. Essa indicação ajuda os médicos a saber as chances do câncer se espalhar e escolher o melhor tratamento para cada caso. A maioria dos osteossarcomas que atinge crianças e adolescentes é de alto grau.

O diagnóstico é normalmente feito quando o paciente se queixa de dor que não passa ou até uma dor que vai e volta, e vai aumentando em frequência e intensidade. Nakagawa explica que na faixa etária de crianças, pode se confundir esse incômodo com dor de crescimento, por isso, o médico acaba dando um diagnóstico errado. Em outras situações, o paciente demora para procurar um especialista e recebe outros diagnósticos como tendinite. Outro sintoma que pode levar o paciente ao hospital é o aumento de volume da região

Diferentemente do que Amanda imaginava, a médica explica que não tem nada na literatura que comprove a correlação do trauma com a geração do tumor. "O que se acredita é que o trauma pode ser o motivo de atenção para aquela região. Existem alguns raros casos de que infecções ósseas podem ajudar a desenvolver tumor. Não é habitual, mas pode acontecer"

A especialista em tumores ósseos do A.C. Camargo Cancer Center ainda explica que em casos de osteossarcoma de alto grau, "a sobrevida em cinco anos dos pacientes está girando em torno de 70%". Com relação ao tipo de tratamento, é bem comum os médicos indicarem a quimioterapia prévia antes da cirurgia para prevenir as metástases, que surgem principalmente no pulmão e ossos, e também pode ser que, mesmo com quimio, o tumor continue crescendo.

"A amputação faz parte do tratamento quando há atraso no diagnóstico ou dependendo do local que o tumor está presente, que pode comprometer estruturas vitais, como vasos e nervos. Regiões como antebraço, punho e tornozelo, a preservação fica mais difícil de ser feita se o diagnóstico não for feito rapidamente. Até a década de 1970 e início de 1980, de 70% a 80% dos casos eram tratados com amputação. Atualmente, essa taxa se inverteu e em 90% dos casos conseguimos preservar o membro", explica Nakagawa.