Topo

Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


'Perdi a visão, tinha medo de dormir e engordei 35 kg. Era um tumor' 

Jackeline Barreto antes da operação  - Arquivo pessoal
Jackeline Barreto antes da operação Imagem: Arquivo pessoal

Rebecca Vettore

Colaboração para VivaBem

28/03/2023 04h00

Produção excessiva de leite, dificuldade de enxergar e ganho de peso levaram a fonoaudióloga Jackeline Barreto, 38, natural de Guarulhos, a descobrir um tumor raro na hipófise. O tipo de adenoma (pequeno tumor benigno) encontrado pela paulista em 2017, representa cerca de 15% dos tumores intracranianos.

Seis meses após a descoberta do tumor na hipófise - glândula mestra responsável por secretar hormônios que regulam outras glândulas endócrinas - ele estourou, levando Jackeline a ter uma parada cardíaca e a uma operação de emergência de cinco horas. A VivaBem, a fonoaudióloga contou mais detalhes da descoberta do tumor e como vive hoje em dia com apenas 1 mm da hipófise.

"Sempre tive problemas de ovário policístico, por isso quando casei e quis engravidar, não consegui por sete anos. Quando desisti, consegui e vivenciei uma gestação normal. Depois do nascimento do Luiz Felipe, amamentei por oito dias e o meu leite secou. Depois de 30 dias, o leite voltou, mas era uma produção de leite muito grande, bem fora do normal.

Fui ao médico, fiquei oito meses fazendo um tratamento. Entretanto, não resolvia, quando parava o remédio, o leite voltava. Achei estranho e mudei de ginecologista. Apesar da produção excessiva de leite ser um sintoma do tumor, o médico não fez essa associação. Nesse tempo de tratamento, tive sem saber outro sintoma do tumor: engordei 35 kg. Como eu não sabia que eu tinha o tumor, fiz uma bariátrica.

Depois do tratamento e da bariátrica, tive outro sintoma, enxergava embaçado e fiquei sem a visão lateral nos dois olhos. Fui em um oftalmologista que pediu uma ressonância, porque achava que o meu problema poderia estar na hipófise. Isso foi em julho de 2017, quando meu filho tinha quase um ano. Nessa época, eu ainda não dava importância, porque não sabia que as coisas que eu sentia eram sintomas do tumor.

Quando eu fiz a ressonância, apareceu o tumor e tudo começou a mudar. Quando recebi aquele diagnóstico não acreditei, porque não sentia nada na cabeça. Fui encaminhada para um neurocirurgião que me informou ser um tumor benigno, por isso não ia fazer nada e só pediu para eu retornar em seis meses.

Só que antes do retorno, em janeiro de 2018, senti uma dor de cabeça muito forte, porque o tumor estourou no meu cérebro, em decorrência de uma apoplexia (ruptura do órgão). Foi parecido com um AVC (acidente vascular cerebral). Quando cheguei no hospital, fiz alguns exames, mas nem imaginava que eu fosse ficar internada. Quando cheguei lá, minha pressão, glicemia e meus sinais vitais estavam muito baixos e eu poderia morrer a qualquer minuto. Quando dei entrada no hospital, veio o medo e a ficha foi caindo.

O neurocirurgião que estava me acompanhando não atendia mais o telefone e as pessoas não sabiam cuidar de mim, por ser uma doença rara. Antes de conseguir ser operada, que era a única alternativa naquele momento para não morrer, eu tive uma parada cardíaca.

Me recuperei e fui operada no dia 8 de fevereiro de 2018.

Foto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Jackeline Barreto com o marido Luiz Carlos Oliveira antes da cirurgia
Imagem: Arquivo pessoal

Fiquei cinco dias na UTI porque tive diabetes insipidus (uma doença onde o paciente sente uma sede excessiva e tem aumento considerável nos níveis de urina), por conta do descontrole do hormônio. Com a cirurgia, que durou cinco horas, tiraram todo o tumor e fiquei apenas com uma pequena parte da hipófise, quase um fio de cabelo de 1mm.

Quando fiz a ressonância parecia que o tumor tinha em torno de 2,5 mm a 3 mm, só que quando abriram a cabeça viram que ele tinha mais de 5 cm. Antes de fazer o procedimento, assinei vários termos porque o risco de morrer era muito alto.

Consequências do tumor de hipófise

Por conta da cirurgia, desenvolvi insuficiência adrenal (condição clínica resultante da produção deficiente do hormônio cortisol), hipotiroidismo (deficiência de hormônios da tireoide) e hipogonadismo, muito parecido com a menopausa precoce.

O ano de 2021 foi muito estressante para mim no meu trabalho, contrai algumas infecções, deveria ter aumentado a dosagem de corticoide e não fiz. Tudo isso me fez entrar em insuficiência adrenal. Como sou muito assintomática, meu corpo vai debilitando e não percebo, quando me dou conta já estou em um estado muito crítico. Em dezembro de 2021, tive um agravamento muito forte da insuficiência adrenal, que quase me levou à morte.

Fiquei nove dias ligada em aparelhos para meu coração bater. Tomei injeção atrás de injeção de adrenalina, porém meu corpo não respondia ao tratamento. Eu tinha medo de dormir porque quando dormimos os nossos sinais baixam mais ainda. Acho que fiquei mais uma semana na UTI cardiológica e depois tive alta do hospital. Passei o ano todo de 2022 tentando me recuperar dessa crise adrenal.

Depois disso, perdi condicionamento físico, entrei em um quadro de depressão e ansiedade. Acho que meu trabalho acabou me salvando. Após as duas vezes que fiquei internada, respeitei os períodos de recuperação e voltei atuar como fono.

Foto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Jackeline Barreto
Imagem: Arquivo pessoal

Demorou três anos até que eu conseguisse ajustar todos os meus hormônios e ter um pouquinho mais de estabilidade na minha saúde. A demora se deu porque não conseguia achar uma equipe especializada, as pessoas se negavam a me atender.

Hoje sou atendida por uma ginecologista endócrina, uma neurologista endocrinologista, principalmente por conta da insuficiência adrenal. A cada três meses realizo baterias de exames de sangue e controles hormonais, a cada seis meses faço ressonância, porque o tumor tem uma prevalência muito grande. Não tenho mais a produção do GH, fiquei sem a manutenção celular. Por isso, comecei a fazer reposição do GH e conseguimos reverter o meu quadro de osteopenia.

Eu digo que a minha vida nunca mais vai ser 100%, porque a cabeça não foi feita para ser aberta e a hipófise, mesmo ela sendo tão pequenininha, mexe com todo o corpo, sistema cardíaco, respiratório, metabólico, endócrino.

Entenda a doença

A hipófise é uma pequena glândula dentro do cérebro responsável pela secreção dos hormônios da tireoide, chamado de TSH, prolactina, crescimento (GH) e corticoide (ACTH). De acordo com Leonardo de Sousa Bernardes, neurologista com especialização em Neuro-Oncologia do Hospital São Paulo, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), os processos benignos do tumor ocorrem após uma proliferação de células de forma desordenada e isso começa a formar uma lesão, que comprime as estruturas ao redor.

O tumor benigno, também conhecido como adenoma de hipófise, é classificado de acordo com o tamanho. Sendo microadenoma, se for menor que 1 cm e macroadenoma se for maior que 1 cm, entretanto, segundo Bernardes, isso não significa necessariamente que um é mais grave que o outro.

Quando o tumor cresce muito, o sintoma mais comum é o aumento da secreção da prolactina - hormônio que serve, por exemplo, para a secreção do leite materno. Em situações mais raras, o aumento de secreção de hormônio do crescimento pode alterar a parte da tireoide e de corticoide endógeno, que pode causar a doença de cushing. O paciente começa a engordar, ter fraqueza nos ossos, estrias e ficar mais inchado pelo excesso de corticoide.

"Como o tumor da hipófise pode comprimir outras estruturas próximas, além da parte hormonal, outro sintoma é uma redução visual. Enxergar menos ou ter a área da visão periférica comprometida, principalmente em casos de macroadenomas", explica Bernardes.

O neurologista ainda explica que os tumores benignos no cérebro, em geral, crescem numa forma mais lenta do que os malignos e, na maioria das vezes, não fazem metástase. Mas, ser benigno não significa não fazer nada, só observar, pelo contrário, ainda mais se a pessoa já tiver com sintomas, como era o caso da Jackeline.

"O primeiro tratamento deveria ter sido cuidar dos sintomas dela com endocrinologista, aguardar a redução dos sintomas e a diminuição do tumor, com um acompanhamento clínico. Caso não diminuísse, a indicação seria fazer uma cirurgia e em casos mais refratários, uma radioterapia."