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Tabu social: por que a traição é considerada uma falta tão grave?

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Imagem: iStock

Fernanda Beck

Colaboração para o VivaBem

30/03/2023 04h00

Pergunte em uma roda de amigos quem já foi traído pelo companheiro e provavelmente você ouvirá algumas histórias diferentes. Agora pergunte quem já traiu o companheiro e a probabilidade de o silêncio reinar é grande. Mas se muita gente já foi traída, como quase ninguém traiu? A conta não fecha, ou pelo menos não assumidamente.

A traição conjugal é uma questão bastante comum, mas ainda é um grande tabu social. "Trair o parceiro é considerado uma vergonha, pois está associado a ser uma pessoa que mente, que não tem compromisso com a ética", diz a psicóloga Lala Fonseca, pós-graduanda em psicologia clínica pela USP. "Ninguém quer assumir que traiu, pois existe o medo de ser julgado e de ser visto de uma forma que talvez não corresponda a quem você é realmente."

Por que a traição acontece?

Inúmeros fatores podem levar uma pessoa a trair o companheiro. Uma pessoa com autoestima baixa pode se encantar com a atenção recebida e se sentir desejada quando vê que desperta o interesse em outras pessoas.

Brigas ou desconfortos na relação também podem ser motivadores para traições, que servem como uma maneira instantânea de obter o alívio e o conforto que não estão sendo encontrados no parceiro.

A insatisfação dentro do próprio relacionamento também pode levar a traições que funcionam como uma "válvula de escape", uma maneira de sair daquela situação. Foi o que aconteceu com a designer Janaína*, 42.

"Certa vez, estava namorando um rapaz, mas já estava muito descontente com a relação. Em uma festa, fiquei bêbada e acabei ficando com outro cara. Na mesma hora eu já tive uma ponta de consciência de que estava fazendo aquilo para ter uma razão para terminar o namoro", conta.

Por que é difícil admitir que traiu?

Trair o parceiro é um tabu na nossa sociedade, já que a atitude está relacionada à falta de ética e à mentira, aspectos que "desvalorizam" a pessoa. "Tenho pacientes que traem os parceiros, mas só admitem isso na sessão, para ninguém mais", diz Fonseca.

Quem trai o companheiro costuma ter medo do julgamento social, de ter dedos apontando e ser percebido como uma pessoa "pior", não da forma como se enxerga ou pretende se apresentar à sociedade.

Por que a traição é considerada uma falta tão grave?

A relação sexual é a situação mais íntima que um casal pode viver. "Pensando no significado do sexo com amor, é horrível saber que o seu parceiro chegou a este nível de intimidade com outra pessoa que não você", diz Marina Vasconcellos, terapeuta familiar pela Unifesp.

Há também os parâmetros que regem nossa sociedade. "A traição também é uma construção social. Em alguns países orientais e africanos, a poligamia faz parte da cultura. Já nas civilizações ocidentais, a monogamia é o referencial", explica Zulmira Bonfim, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia na UFC (Universidade Federal do Ceará).

Quem trai mais?

Não é possível traçar um perfil de quem trai mais, mas pessoas mais jovens costumam estar mais suscetíveis a "escapadas" ocasionais, já que este público costuma ter relações menos estruturadas e frequentar mais baladas e outras ocasiões sociais com muitas pessoas solteiras.

"Pessoas em relacionamentos maduros precisam criar toda uma estrutura para trair. Suas rotinas são mais regradas, com menos tempo longe do companheiro e mais compromissos familiares", explica Vasconcellos.

Segundo ela, é por isso que nessas situações é comum que a pessoa tenha um caso, uma relação extraconjugal que se mantém por algum tempo. "Quando ela acha as condições ideais para que a traição ocorra, ela aproveita mais vezes", diz a psicóloga.

Quem trai fica marcado como "traidor"?

Trair o parceiro é considerado um ato repreensível, que deixa a pessoa marcada como alguém que falhou e quebrou as regras, quase como um criminoso. E não é fácil se desvencilhar desta reputação "pecadora". Amigos e familiares também julgam e muitas vezes têm dificuldade de aceitar que aquilo aconteceu.

"Mas quem pode dizer o que é certo e errado? Quais são os parâmetros? Se você está em uma relação que não te faz bem, você vai ficar nela para o resto da vida porque prometeu?", questiona Bonfim.

Na nossa sociedade existe uma intolerância muito grande, uma dificuldade de conviver com pessoas livres, que fazem o que gostam e amam do jeito que querem amar. O preconceito existe principalmente com a mulher que se liberta, que se separa e que ousa ser feliz com outro. Muitos casos de feminicídio são pautados em preconceito e falsa moral. Zulmira Bonfim, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia na UFC

O psicólogo Jonas*, 31, concorda. "Quando traí minha namorada de faculdade, não me senti julgado, meus amigos não falaram nada. Neste e em muitos outros quesitos, o homem tropeça, levanta e continua. A mulher tropeça e fica manchada. A desonra da traição cai principalmente sobre a mulher", opina.

Como traições podem ser evitadas?

Antes de tudo, é fundamental preservar liberdades individuais, cumplicidade e verdade na vida a dois, sem julgamentos. Quem tem a liberdade constantemente tolhida muitas vezes recorre a mentiras para "driblar" o parceiro, e a mentira da traição acaba sendo só mais uma.

Ninguém tem que querer mudar a outra pessoa. O melhor é analisar atitudes e posicionamentos do parceiro e avaliar se condizem com o que você espera de uma relação respeitosa.

"Você pode seguir admirando seu companheiro, mas não querer mais estar junto. Só que as pessoas não processam o que está acontecendo e acabam falhando", diz Fonseca.

A produtora Natália*, 41, conta que se decepcionou consigo mesma. "Quando traí meu namorado, me senti mal principalmente por não ter sido sincera. Queria ter conseguido me comunicar melhor", diz.

"A única forma de evitar que uma traição seja encarada como um problema intransponível é atualizar constantemente a relação, encontrando e percebendo os percalços do relacionamento", indica Bonfim. "Existem casos em que uma pessoa trai o parceiro e, após tudo conversado, isso fortalece o casamento, ao invés de fragilizar."

Como lidar com a culpa por ter traído?

O ponto-chave é o autoconhecimento. Com a ajuda de processos terapêuticos, a pessoa olha para si, entende o que aconteceu e tenta se entender e se perdoar pelo ocorrido.

Se o casal pretende continuar junto após a traição, a terapia de casal pode ajudar bastante. "É preciso entender o que houve, pois não é só um o culpado. O casal precisa entender junto o que aconteceu, qual dinâmica estavam vivendo que levou a este momento", diz Vasconcellos.

A monogamia também pode ser posta em xeque após uma traição. "A estrutura monogâmica é a fonte do fracasso, pois estimula a traição e ao mesmo tempo a condena. Ficamos tentando manter a sacralidade da 'entidade casal' a qualquer custo e as coisas desandam", opina Jonas.

O relacionamento aberto é uma solução?

Cada vez mais comuns, relacionamentos abertos podem evitar desgastes por traições e ser uma opção de dinâmica que funciona melhor, mas nem todo mundo consegue ter esse tipo de relação. O principal é sempre haver a honestidade entre o casal. "Hoje, não me relaciono mais com pessoas monogâmicas, pois reconheço meus desejos e gosto de vivê-los", diz Natália.

"O relacionamento é um contrato, com regras de jogo. Se você quer mudar algo ali, tem que conversar com a outra pessoa que está participando, não pode simplesmente alterá-las", diz Vasconcellos. E na hora de combinar um relacionamento aberto, você também precisa estar seguro de que vai tolerar o que o outro faz, já que se trata de uma via de mão dupla.

*Os nomes foram trocados a pedido das fontes.

Fontes: Zulmira Cruz Bonfim, professora titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia na Universidade Federal do Ceará; Marina Vasconcellos, psicóloga pela PUC-SP, psicodramatista pelo Instituto Sedes Sapientiae e terapeuta familiar pela Unifesp; Lala Fonseca, terapeuta cognitivo-comportamental e pós-graduanda em psicologia clínica pela USP.