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'Tomei banho no mesmo dia': bariátrica menos invasiva acelera recuperação

Eliane pesava 102 kg e tem hipertensão e hipotireoidismo, condição que favorecia o ganho de peso - Arquivo pessoal
Eliane pesava 102 kg e tem hipertensão e hipotireoidismo, condição que favorecia o ganho de peso Imagem: Arquivo pessoal

Do VivaBem, em São Paulo

30/03/2023 04h00

A falta de sucesso ao utilizar remédios para emagrecer foi um dos motivos que levou a enfermeira Eliane Henrique da Silva, 43, moradora de Francisco Morato (SP), a receber indicação médica para fazer a bariátrica. Ao acordar, já se sentia bem devido à "recuperação acelerada" do procedimento.

É que o método escolhido foi a videolaparoscopia, técnica "minimamente invasiva" que, ao contrário da cirurgia aberta, faz pequenos cortes no abdome do paciente, o que permite uma recuperação mais rápida.

Ela, que pesava 102 kg, tem hipertensão e hipotireoidismo —esta última condição favorecia o ganho de peso. "A recuperação está sendo bem tranquila, consegui andar e até tomar banho sozinha no mesmo dia", diz ela. A recuperação acelerada favorece a perda de peso que deve acontecer nos meses após a cirurgia.

Rozinaldo José Rolim, 66, entrou no centro cirúrgico com um estômago capaz de consumir aproximadamente de 1 litro a 1,5 litro de alimentos. Mas quando saiu da mesa de cirurgia, cerca de duas horas depois, o órgão estava com o volume de um copo americano —25 ml a 200 ml.

A grande transformação, porém, não deixou nenhum corte significativo na barriga do homem que tinha quase 170 kg. Assim como Eliane, ele passou pela videolaparoscopia.

No dia seguinte ao procedimento, cujo objetivo é reduzir o tamanho do estômago, o morador de São Bernardo do Campo (SP) já conseguia ficar de pé.

"É só o começo", disse Rozinaldo a VivaBem na ocasião. "A meta é perder pelo menos metade desse peso que estava me sufocando". Em função da obesidade, o aposentado já tinha sofrido um infarto e foi diagnosticado com diabetes e hipertensão (pressão alta). Tentou emagrecer com dietas e outros tratamentos, mas isso não foi possível.

Rozinaldo e Eliane são duas das cerca de 50 pessoas com obesidade grave que já saíram ou irão sair da fila da bariátrica para a mesa do SUS até o último dia de março por meio de um mutirão que acontece nos estados de São Paulo e Paraná, além das cidades de Salvador e Recife.

Luiz Vicente Berti, vice-presidente executivo da SBCB (Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica), e um dos médicos voluntários da força-tarefa, afirma que o ideal seria que todas as cirurgias bariátricas fossem realizadas pelo método menos invasivo.

Com o mutirão, ele diz que a SBCB quer mostrar que a videolaparoscopia é mais segura para todo o sistema de saúde.

A bariátrica por videolaparoscopia causa menos dor, requer menos tempo de cirurgia e uma menor quantidade de anestésicos e analgésicos, o que faz o paciente ter alta precoce. Também facilita para os médicos a visualização dos órgãos e a cirurgia é mais segura. Luiz Vicente Berti, vice-presidente executivo da SBCB

No Brasil, contudo, somente 7% das cirurgias bariátricas feitas pelo sistema público de saúde utilizam o método por vídeo. A maioria das operações envolve cortes de até 20 cm no abdome do paciente, cenário que, segundo os médicos, aumenta o risco de complicações —como hérnias incisionais, que podem surgir no local da cicatriz no abdome.

bariatrica - Comunicação Santa Casa de São Paulo/Reprodução - Comunicação Santa Casa de São Paulo/Reprodução
Grampeador utilizado para dividir o estômago em duas partes na videolaparoscopia é de última geração
Imagem: Comunicação Santa Casa de São Paulo/Reprodução
  • Por que o SUS não usa essa técnica? Segundo Barti, ainda existe "uma defasagem de custos entre o que é pago na cirurgia aberta e na cirurgia videolaparoscópica", o que impede a realização dessa técnica em larga escala pelo SUS.
  • Mas, se for colocar na ponta do lápis, diz o médico, a cirurgia por vídeo geraria menos custos ao sistema. Isso porque o paciente sai mais rápido do hospital e tem menor risco de precisar voltar devido a complicações no pós-operatório.
  • Mutirão contou com apoio da iniciativa privada. Os equipamentos utilizados para a realização dos procedimentos por vídeo foram doados pela empresa Medtronic.
  • Quais hospitais estão participando? As cirurgias ocorrem na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo; no Hospital Santa Izabel da Santa Casa em Salvador, na Bahia; no Hospital Nossa Senhora do Rocio em Campo Largo, no Paraná; e no Hospital das Clínicas de Pernambuco, no Recife.
  • Quem são os pacientes? Todos estavam na fila do SUS, cujo tempo de espera para fazer a cirurgia varia de 2 a 5 anos.

Como funciona a bariátrica por videolaparoscopia

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Os médicos observam a área interna do organismo através da imagem transmitida pela microcâmera para monitores de vídeo
Imagem: Comunicação Santa Casa de São Paulo/Reprodução

Não foi necessário abrir a barriga de Rozinaldo nem de Eliane para que a equipe médica conseguisse enxergar o interior de seus órgãos. Com os pacientes sedados, seis cortes de meio centímetro no abdome foram o suficiente para dar início à bariátrica. As duas operações foram acompanhadas pelo VivaBem na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, na manhã do dia 2 de março.

Além do estômago e do intestino, uma grande quantidade de gordura visceral acumulada entre os órgãos chamava a atenção. Ela é considerada o tipo mais perigoso de gordura para a saúde.

Grudada no fígado dos pacientes como um chiclete pegajoso, a gordura visceral pode provocar uma inflamação capaz de evoluir para quadros graves de hepatite gordurosa, cirrose hepática e até câncer.

A expectativa é que, um ano após a cirurgia, a quantidade de gordura volte a um patamar saudável, explica Berti. Mas tudo depende de como Rozinaldo e Eliane agirem da porta da sala cirúrgica para fora, com a ajuda de uma equipe multidisciplinar —que deve incluir, entre outros profissionais, endocrinologistas, nutricionistas e psicólogos.

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A bariátrica não trabalha sozinha, ela depende que o paciente faça a parte dele no pós-operatório, que é fazer exercício, ficar bem emocionalmente e comer direito. A cirurgia é só a parte técnica, a mudança de vida que vem depois dela é o mais importante. Luiz Vicente Berti, vice-presidente executivo da SBCB

"Na hora de falar, faltava o ar"

instrumentos cirúrgicos - Comunicação Santa Casa de São Paulo/Reprodução - Comunicação Santa Casa de São Paulo/Reprodução
No centro da mesa cirúrgica é possível ver o grampeador utilizado para dividir o estômago e o intestino em duas porções
Imagem: Comunicação Santa Casa de São Paulo/Reprodução

Na hora de caminhar ou até mesmo ao falar, o sobrepeso fazia Rozinaldo sentir como se estivesse "se afogando", compara o aposentado. Mas essa sensação começou a diminuir após a cirurgia.

A obesidade complica tudo na nossa vida. Eu tinha dificuldades para tudo, seja no campo profissional, seja no campo amoroso. Até para você andar, fazer uma caminhada, não estava mais aguentando. Na hora de falar, faltava o ar. Parece que a cirurgia me desafogou.

Em 2006, o saldo negativo do problema crônico atingiu o coração: Rozinaldo sofreu um ataque cardíaco e precisou ser submetido a três cirurgias de ponte de safena e uma "ponte mamária", para desobstruir artérias que estavam entupidas por gordura.

Ao longo dos anos, tentou emagrecer, mas, sozinho, não perdeu mais do que cinco quilos. Uma avaliação dos médicos levou o aposentado à fila da bariátrica.

Estava indo embora, não ia durar por muito tempo. Se não tivesse a possibilidade dessa cirurgia para mim, não ia adiantar nada. Essa cirurgia abriu um horizonte muito lindo na minha frente e eu quero cumprir a risca tudo que me passarem.

A obesidade é uma constante em sua árvore genealógica. Um de seus irmãos também já precisou fazer bariátrica e um sobrinho passou pelo procedimento um dia antes do tio, no mesmo mutirão, mas no Paraná. Outro sobrinho e mais um irmão também estão na fila do SUS.

A predisposição genética se somou ao fator emocional quando sua esposa passou a ficar internada dentro de casa devido a uma doença degenerativa e ele se tornou seu cuidador. A preocupação com a mulher, com quem foi casado por 42 anos, foi descontada na comida.

Após a morte dela, há três anos, a situação piorou. "A gente tentava fazer a dieta dele, mas ele estava muito ansioso, até pela morte da minha mãe. Foi um tsunami, afetou na comida e no estresse", conta Patrícia, uma de suas filhas. "Esqueci de mim para cuidar dela e faria tudo de novo se fosse preciso, porque amava a minha esposa", diz Rozinaldo.

Rozinaldo, obesidade, bariátrica - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Rozinaldo José Rolim, 66, tinha obesidade grau III, também conhecida como obesidade mórbida
Imagem: Arquivo pessoal

O luto também levou Eliane Henrique da Silva a comer mal. "Sempre fui magra, mas engordei de 2009 pra cá, após a morte da minha mãe." Além da dor da perda, a enfermeira estava no começo da faculdade na época e não tinha tempo para cozinhar, algo que sua mãe costumava fazer para ela.

Foi a partir daí que começou a comer mais fast food e outros alimentos industrializados. "Depois que casei, em 2017, voltei a cozinhar, mas aí já estava obesa e comia sem restrição", relembra Eliane. O ganho de peso foi gradativo —ela passou de 69 kg na época para 106 kg em 2022, quando foi encaminhada para a fila da bariátrica, depois de passar por diferentes tratamentos e não ter resultados.

Mesmo cientes dos desafios que vêm a seguir, Rozinaldo e Eliane demonstram empolgação. "Agora é vida nova", diz ela. "É um processo e estou preparada para viver cada fase dele".

A dieta após a bariátrica é líquida e depois são introduzidos alimentos pastosos —de forma gradativa, a pessoa vai consumindo todos os alimentos. "Estou me readaptando à nova vida", diz Rozinaldo, dez dias após a cirurgia. "Não é fácil, mas todas as escolhas na vida têm um preço e eu tenho que pagar esse preço".

Quem pode fazer bariátrica?

  • Apesar do ponto em comum entre as histórias de Rozinaldo e Eliana, eles tinham um IMC (Índice de Massa Corporal) diferente.
  • Enquanto a ficha do primeiro paciente indicava um índice de valor 51 kg/m², as informações sobre a enfermeira mostravam que seu IMC era de 36 kg/m² no dia da cirurgia.
  • Isso significa que Rozivaldo tinha obesidade grau III (IMC maior do que 40), enquanto Eliane se enquadrava no grau II (entre 35,0 e 39,9 kg/m²).
  • Mas ambos preenchiam um dos critérios para fazer a bariátrica no país, que é o valor de IMC (entenda abaixo).

No Brasil, a indicação da cirurgia bariátrica é regulamentada pela Portaria 424, de 19 de março de 2013, do Ministério da Saúde, que estabelece que os pacientes devem atender às seguintes condições:

  • Ter IMC acima de 40 kg/m²;
  • Ter IMC acima de 35 kg/m² --desde que tenha doenças associadas como diabetes, hipertensão, apneia do sono, doenças articulares degenerativas, sem sucesso de tratamento clínico prévio por pelo menos 2 anos;
  • Ser maior de 16 anos;
  • Possuir capacidade cognitiva para entender o procedimento;
  • Ausência de psicopatias como (droga-adicção, alcoolismo, esquizofrenia).
Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que afirmava a primeira versão do texto, Salvador e Recife não são estados, mas, sim, cidades. A informação já foi corrigida.