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Inspiração pra fazer da atividade física um hábito


Aos 12 anos, ele levanta 92 kg no crossfit, quase o triplo de seu peso

Cauzinho levantando peso - Arquivo pessoal
Cauzinho levantando peso Imagem: Arquivo pessoal

Juliana Vaz

Colaboração para o VivaBem

05/04/2023 04h00

Em agosto de 2021, Carlos Pitanga Filho, de Salvador (BA), levou seu filho, Cauzinho Neto, ao treino de crossfit, para que o menino não ficasse sozinho em casa. O garoto ficou interessado naquela dinâmica de exercícios com corrida e saltos, e pediu ao pai para fazer uma aula. Como no Crossfit Oxente —onde Carlos treina há três anos— já havia uma turma de adolescentes, o filho fez duas aulas com esse grupo e se apaixonou.

"Ele, que antes era doido por futebol, só queria saber de crossfit. Combinamos que ele treinaria durante as férias de final de ano até o início do próximo ano letivo. Mas com 15 dias treinando, com aulas adaptadas à idade e condicionamento físico dele, Cauzinho já executava com desenvoltura movimentos que alunos que treinavam há meses nem sequer conseguiam fazer", conta Carlos. Segundo ele, o treinador disse que Cauzinho tinha muito potencial e poderia se tornar um atleta.

Primeiro, o garoto treinava com 30% a menos de carga, mas sua evolução foi tão rápida que ele ganhou um treino preparado para ele. Em 45 dias frequentando o box —como são chamadas as academias especializadas em crossfit—, foi incentivado a participar de um campeonato amador de LPO (sigla para levantamento de peso olímpico) de Salvador, na categoria teens, e ficou em terceiro lugar.

Daí em diante, o futebol virou diversão e o crossfit seu esporte do coração. Ele é acompanhado por uma equipe multidisciplinar de treinador, médico, fisioterapeuta e nutricionista. E os pais acompanham os treinos diariamente.

"Eu fiz esporte desde os 10 anos e isso não prejudicou meu crescimento, tanto que hoje tenho 1,91 m de altura. Mas é claro que temos essa preocupação e o Cauzinho tem o acompanhamento de especialistas para antever qualquer problema e calibrar seus treinos. Em um ano e quatro meses que ele iniciou o treinamento, ele cresceu cerca de 13 cm, o que é esperado para sua faixa de idade", comenta Carlos.

Cauzinho em competição - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Uma rotina de treino de gente grande

Há mais de um ano, Cauzinho acorda às 5h30 da manhã para correr 5 km e fazer abdominais. Em seguida, toma café da manhã e vai para a escola. Quando volta para casa, descansa, estuda e faz os deveres, para dar sequência ao segundo treino do dia no box de crossfit, às 17h. Ele treina por mais duas horas e meia e vai para cama às 21h.

Essa rotina segue por cinco dias na semana. Ele sempre foi disciplinado e focado, então seguir horários e um cronograma de treinamento não foi nenhum problema, segundo os pais.

"Ele já colocava as luvas para treinar ainda na hora do aquecimento, porque ele já queria correr para a barra, as argolas. Quando o coach disse que ele precisava ir com calma, porque estava no caminho para ser atleta, ele virou uma 'chavinha' e ele quis seguir uma disciplina regrada", conta Carlos.

Aos finais de semana, ele faz mais um treino recreativo com os demais alunos do Oxente Crossfit e se diverte com os amigos do condomínio jogando futebol, videogame ou indo ao cinema, como qualquer criança da sua idade. "Nós fazemos questão de que ele tenha essa convivência, que se lembre sempre que é uma criança, que deve ter lazer e seguir no esporte que ele quiser", afirma Carlos.

Cauzinho crossfit - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

"Embora o perfil dele no Instagram seja com os treinos de Cauzinho, aquilo é só uma parte da vida dele. Ele brinca e é tratado por todos como criança, convive e faz atividades de criança", reitera o pai.

Um dos ídolos de Cauzinho é Gui Malheiros, o primeiro medalhista brasileiro no CrossFit Games, com então 17 anos. Quando pergunto ao garoto de 12 anos qual seu sonho, ele responde sem hesitar: "Me classificar para o CrossFit Games aos 14 anos e trazer mais títulos para o meu país".

E esse não parece um objetivo tão distante assim: com 1,47 m de altura e 37 kg, Cauzinho levanta 92 kg no deadlift (ou levantamento terra) —quase três vezes seu próprio peso. Seu treinador garante que o treino de Cauzinho segue rigorosamente sua capacidade de desempenho e recuperação, mas não só isso, que ele se sinta bem e se divirta fazendo.

Benefícios do esporte para crianças

Sâmia Hallage, psicóloga clínica e esportiva do Espaço Einstein, do Hospital Albert Einstein, de São Paulo, comenta que em um contexto atual em que crianças e adolescentes estão imersos no universo digital, praticar esportes sem dúvida é benéfico.

"Em termos emocionais, a atividade física favorece a autoconfiança, a socialização, previne ansiedade e depressão, além de diversão", diz. Hallage diz que, na iniciação esportiva, é importante que a criança experimente atividades variadas para que possa escolher o que mais gosta de fazer. Uma vez que ela começa a fazer, o hábito pode se manter. "Adultos que praticaram esportes quando crianças mantêm hábitos saudáveis."

Quem olha a modalidade de fora pode achar estranho, mas o crossfit é uma atividade lúdica e desafiadora, que combina diversos exercícios funcionais.

Como se trata de um treinamento funcional, com saltos, corrida, cordas, pode ser adaptado para qualquer nível de condicionamento físico e idade, inclusive para crianças e adolescentes. Karina Hatano, médica do esporte do Espaço Einstein, do Hospital Albert Einstein, de São Paulo

Cuidado com excessos

A carga de treino para cada fase etária precisa ser respeitada, para não prejudicar o crescimento. Segundo Hatano, qualquer sobrecarga pode comprometer o desempenho físico, ganhando lesões e até mesmo prejudicar a saúde psicológica da criança. É preciso ter esse cuidado em qualquer tipo de esporte, não só no crossfit.

Cauzinho halter - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Embora pesquisas indiquem que o esporte não prejudica o crescimento, o treinamento deve ser adequado ao estágio maturacional fisiológico de cada jovem, o que é individual, independentemente da faixa etária.

Os problemas podem surgir quando há excesso de carga, que pode ser entendido como uma combinação de peso, frequência, duração e tempo de recuperação física —o famoso overtraining também pode acontecer com jovens.

Leopoldo Katsuki Hirama, professor de educação física da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia), defende que o treinamento intenso não deveria fazer parte da vida de uma criança. "O esporte sempre foi desenvolvido a partir do alto rendimento. Levam-se as características do esporte para crianças, mas elas não são um adulto em miniatura."

Uma criança não tem estrutura biológica ainda, está em formação e não deveria participar de treinamentos no limite do seu organismo, ao contrário do que é a dinâmica do crossfit, em que os participantes das competições vão à exaustão, o que podemos ver em diversos vídeos das competições. Leopoldo Katsuki Hirama, professor de educação física da UFRB

  • De modo geral, o peso levantado, por exemplo, não deve ultrapassar 50% do peso corporal da criança ou adolescente.
  • O volume de treino também é um dado importante nessa equação, mas esse indicador é ainda mais individualizado.
  • Sem respeitar esses parâmetros, qualquer esporte pode, sim, comprometer o crescimento.

Estudos sobre crossfit são escassos

No judô, explica Hirama, existem técnicas de lutas de chão que são proibidas para praticantes menores de 15 anos. "Na ginástica artística, que era famosa antes dos anos 1990 por trabalhar alto rendimento em crianças de 6, 7 anos, teve a ginasta romena Nadia Com?neci ganhando uma medalha aos 14 anos. A Federação Internacional determinou atualmente que a idade mínima é de 16 anos, justamente por essa consciência adquirida."

Sobre a carga de treinamento, na natação, por exemplo, é comum que jovens atletas treinem por 4 horas por dia ou mais. Sendo o crossfit uma modalidade mais recente, não existe ainda um volume tão alto de estudos que entreguem uma "receita de bolo" de quantas horas são ou não excessivas. De modo geral, os sinais de que o exercícios está sendo excessivo são:

  • Perda de peso excessiva: o percentual de gordura não pode ser tão baixo, pois isso impacta diretamente desenvolvimento biológico;
  • Dificuldade de recuperação física;
  • Queda no rendimento escolar;
  • Introspecção: a criança passa a querer ficar mais sozinha, no quarto, e não interagir com outras crianças;
  • Ansiedade;
  • Cobrança excessiva por desempenho.

Crianças e jovens que praticam esportes têm inúmeros benefícios, mas elas precisam de suporte, dos pais e de uma equipe multidisciplinar para não atrapalhar os possíveis ganhos. Sem o suporte adequado, aquela experiência que era para ser positiva, pode ser oposta.

"Por exemplo, lidar com lesões, o que acontece muito no crossfit, ou a frustração de perder competições sem ter estrutura emocional e suporte para isso pode se tornar uma marca negativa para a criança e fazê-la abandonar o esporte no futuro", diz Hallage.