Topo

Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


'Não vomito há 32 anos': fobia faz ela ter pânico ao ver alguém vomitando

iStock
Imagem: iStock

Bárbara Therrie

Colaboração para o VivaBem

08/04/2023 04h00

"Quando vejo alguém vomitando ou acho que vou vomitar, sinto pavor, desespero, nojo e medo de ficar enjoada. Começo a tremer, sinto pressão na cabeça, meu coração acelera, meus braços, pernas e estômagos doem. Paraliso por um momento, não consigo me concentrar e procuro um jeito de escapar da situação."

Convivendo há mais de 30 anos com a emetofobia, fobia caracterizada pelo medo excessivo de vomitar ou de ver outras pessoas vomitando, a publicitária Caroline Fernandes, 39, sofreu vários prejuízos sociais devido à condição: evitava ir a festas, praças de alimentação, não ficava perto de crianças e não usava transporte público. Moradora de Toronto, no Canadá, Caroline tem se submetido a um tratamento que a expõe ao seu medo e afirma que tem melhorado desde então. A seguir, ela conta sua história.

"O pavor de vomitar ou de ver gente vomitando começou na infância. Tenho algumas lembranças dessa época, como quando peguei uma virose e vomitei no chão do banheiro. Uma outra vez passei mal no carro, fiquei olhando o vômito dentro do saquinho plástico e comentei com a minha avó que nunca mais queria vomitar. A última vez que vomitei foi aos sete anos de idade após exagerar no chocolate. Anos depois descobri que inconscientemente tinha medo das pessoas me julgarem ou sentirem nojo de mim se me vissem vomitando.

O contrário também acontecia, ver outras pessoas vomitando me dava desgosto e ansiedade. Uma vez assisti a um filme que mostrava um homem vomitando, fechei os olhos e falei 'não quero vomitar de novo'. Teve uma outra situação em que vi um menino vomitando na rua. Estava a caminho de uma festa na escola, mas pedi para minha mãe me levar de volta para casa. Passei o dia deitada nauseada. A cena ficou na minha cabeça por dias.

À medida que fui crescendo, o medo foi piorando e fui me tornando refém dele. Se alguém comentasse que comeu algo e passou mal, eu parava de comer. Se alguém falasse de vômito, eu lesse algo sobre o assunto, uma pessoa bocejasse ou colocasse a mão na barriga, meu corpo já ficava em estado de alerta e era o suficiente para me deixar ansiosa.

Evitava fazer coisas básicas como ir ao cinema, festas, shows, praças de alimentação, parques, ficar perto de crianças, pegar elevador com outras pessoas, usar transporte público —só fazia as coisas a pé ou de carro. Tinha algumas estratégias quando viajava de avião, uma delas era perguntar para a pessoa ao meu lado ela ficava enjoada durante o voo. Caso ela respondesse que sim, oferecia remédio para enjoo e, às vezes, até uma bolachinha para ela não tomar a medicação de estômago vazio.

Na festa do meu casamento, não queria servir bebida alcoólica porque pessoas bêbadas costumam vomitar, eu mesma nunca fiquei bêbada na vida. Meu pai falou que se não tivesse nada alcoólico, ele não iria convidar os amigos dele. Busquei um meio termo, permiti que fosse servido uísque e vinho, mas vetei a cerveja, e disse para o meu noivo que se alguém vomitasse na festa, eu ia embora no mesmo instante.

Um outro episódio ocorreu durante a minha lua de mel na Disney. Passei a maior parte do tempo sentada no banco esperando meu marido ir sozinho nas atrações. Em uma delas, tentei ir sete vezes, mas só consegui ir na 8ª vez. Meu pavor de vômitos nunca fez sentido para o meu marido, às vezes ele comentava que eu não podia ter medo, como se isso fosse uma escolha.

De forma geral, as pessoas não entendem e julgam, acham que é frescura, dão risada ou ficam bravas. Lembro de uma vez que meu pai ficou irritado e disse "por que você não enfia o dedo na garganta e vomita de uma vez".

Um outro episódio foi quando perguntei à minha obstetra se ela poderia me dar um remédio para enjoo no dia do parto. Ela deu risada e falou que na hora do parto a última coisa que eu ia me preocupar era em vomitar —se até uma profissional de saúde não me levava a sério, imagina as outras pessoas.

Por muitos anos, desconheci que o meu pavor de vômitos era uma fobia, mas um dia assisti a uma reportagem em que uma menina descreveu sintomas e comportamentos que batiam exatamente com os meus. Tomei nota do nome —emetofobia— e fui pesquisar a respeito.

Em 2012, quando ainda morava no Brasil, fui diagnosticada com depressão, ansiedade e a médica confirmou que eu tinha emetofobia. Comecei a tomar medicação e fiz acompanhamento psicológico por um ano. A terapia contribuiu para o meu autoconhecimento, mas não me ajudou a lidar com as crises de ansiedade.

O momento mais difícil que vivi com a emetofobia foi um dia que meu filho, à época com 6 anos, vomitou em casa. Meu marido estava no aeroporto para fazer uma viagem internacional a trabalho. Liguei desesperada pedindo para ele voltar, mas ele não voltou. Procurei na internet serviços de enfermeira, queria contratar alguém para ficar comigo, mas não tive sucesso.

Tomei um remédio para enjoo, procurei consolar meu filho e disfarçar ao máximo para ele não perceber que eu estava apavorada. Senti uma tristeza profunda e uma culpa muito grande, pensei que não merecia ser mãe devido à essa condição.

'Terapia de exposição foi a melhor decisão da minha vida'

Em 2022, já estava morando no Canadá quando passei com uma psiquiatra para falar sobre a minha medicação. A médica me orientou a fazer terapia de exposição, que é se expor ao medo, para lidar com a emetofobia. Não é um tratamento fácil, mas estava determinada a fazer para ser uma mãe melhor para o meu filho.

Semanalmente sou desafiada a fazer lições e exercícios que me fazem enfrentar o medo. Comecei lendo textos que descreviam pessoas vomitando, depois passei para séries e filmes com cenas ou sons de vômitos, vi vídeos reais de bebê golfando e adultos vomitando. Assistia ao mesmo vídeo 40 vezes seguidas, todos os dias, por uma semana. Toda vez precisava anotar o que estava sentindo e o quanto aquilo me gerava ansiedade.

Nos primeiros dias, fiquei deprimida, irritada e o nível de ansiedade era em torno de 65%, mas depois de uma semana vendo o mesmo vídeo 1 hora por dia, caiu para 15%.

Tive que fazer exercícios presenciais também, como comer em uma rede de fast-food na praça de alimentação de um shopping em horário de pico, dividir a mesa com uma família que tinha uma criança pequena, frequentar parques, ir uma Comic-Com de trem.

Uma coisa que aprendi durante o processo é que fugir do medo só aumenta a ansiedade e enfrentá-lo diminui. Quando a gente se expõe ao medo, a gente percebe que não é tão ruim quanto a gente imagina.

Não vomito há 32 anos e espero não vomitar até morrer, mas sei que o risco existe e lido melhor com isso. Hoje em dia me sinto bem melhor. Consigo buscar meu filho na escola ou ir ao parque com ele e ter momentos agradáveis, sem ficar olhando em volta com medo de alguma criança vomitar.

Não fico mais ansiosa de navegar na internet e assistir à televisão. Se me deparar com uma cena de vômito, sei que serei capaz de enfrentar a situação. Possivelmente a ansiedade vai sempre existir, mas a intensidade e o modo como vou reagir a ela será mais tranquila."

O que é emetofobia e quais os sintomas?

A emetofobia ou fobia de vômito é caracterizada pelo medo ou ansiedade acentuados e desproporcionais acerca do ato de vomitar.

A pessoa se esforça cronicamente para evitar o contato com situações em que possa sentir náuseas, vomitar ou ver outras pessoas vomitando.

Quando não é possível evitar a exposição ao vômito, o indivíduo experimenta um sofrimento intenso, frequentemente acompanhado por sintomas físicos como palpitações, sudorese, tremores, sensação de falta de ar, entre outros.

Existe uma causa ou explicação para a emetofobia?

Não existe uma causa bem determinada para a emetofobia.

Algumas pessoas desenvolvem a fobia depois de terem passado por uma experiência marcante que tenha envolvido vômito.

Também é observada uma relação entre a emetofobia e doenças gastrointestinais crônicas.

De forma geral, as fobias específicas, como o medo de vomitar, podem ser atribuídas a uma combinação de fatores, como predisposição genética, experiências de vida e fatores ambientais.

Como é feito o diagnóstico?

O quadro pode ser compreendido como um transtorno relacionado ao medo e a ansiedade e é classificado nas atuais versões dos manuais diagnósticos da Associação Americana de Psiquiatria (DSM-5-TR, 2022) e da Organização Mundial de Saúde (CID-11, 2019) como uma fobia específica.

A condição pode ser diagnosticada por um profissional de saúde mental, como um psicólogo ou psiquiatra, por meio de uma avaliação clínica detalhada.

Quais os tratamentos?

O tratamento é a psicoterapia. As terapias comportamentais e cognitivas, com o uso de técnicas de exposição e dessensibilização, buscam ajudar o paciente a compreender seu medo e se expor gradualmente a situações que possam promover maior adaptação aos sintomas.

Eventualmente, medicamentos podem ser utilizados para auxiliar no controle dos sintomas de ansiedade.

Com o tratamento adequado é possível aprender a lidar com as situações temidas, tolerando melhor os estímulos fóbicos, o que promove melhora significativa na qualidade de vida.

Embora alguns pacientes possam atingir a remissão completa dos sintomas (ou cura), não é possível garantir que os sintomas irão desaparecer plenamente em todos os casos.

Fontes: Álvaro Cabral Araújo, psiquiatra e pesquisador do Programa Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, pós-graduado em análise do comportamento pelo Hospital Universitário da USP, doutor em neurociências e comportamento pelo Instituto de Psicologia da USP.