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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Por que alguns acontecimentos, relatos e músicas nos deixam arrepiados?

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Imagem: iStock

Marcelo Testoni

Colaboração para o VivaBem

12/04/2023 04h00

É só ouvir sobre Mufasa, o rei leão, da animação homônima da Disney, que a hiena Shenzi, uma de suas antagonistas, diz ficar toda arrepiada. A sensação tem a ver com o ouriçar dos pelos do corpo, mas pode incluir tremores, calafrios, palpitações e ser compartilhada por quem ouve uma notícia trágica, um discurso emocionante e músicas que parecem especiais.

Muita gente costuma ter esse tipo de reação física e, quanto à música em específico, até mais da metade da população mundial (algo entre 55% e 86%). Segundo cientistas da Universidade Harvard (EUA), há um motivo: o cérebro dessas pessoas possui conexões que afetam como canções e a combinação das notas musicais são assimiladas e processadas.

São sujeitos que têm mais fibras nervosas conectando o córtex auditivo, a parte do cérebro que processa o som, ao córtex insular anterior, área envolvida no processamento dos sentimentos, desenvolvendo novas conexões neurais a cada emoção. "Algo sentido como um orgasmo na pele", compara Mitchell Colver, estudante de doutorado envolvido na pesquisa.

Arrepios não só ocorrem por frio

Segundo Júlio Barbosa, médico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e neurocirurgião, arrepios na pele, ao contrário do que muitos podem supor, não se limitam apenas a uma reação de ereção dos pelos na tentativa de se aquecer o corpo, quando este perde calor. "O mecanismo é o mesmo, reage de forma igual, mas os estímulos podem ser diferentes", diz.

Arrepios são desencadeados por meio de várias conexões, após o disparo de um aviso da pele para uma região no cérebro chamada hipotálamo. Essa reação também pode ocorrer em situações de sexo, susto, medo, sendo essa última não muito vantajosa para humanos, mas eficaz para livrar, por exemplo, um gato de ser atacado por um cachorro, por parecer maior.

Agora, quanto aos arrepios por estímulos emocionalmente comoventes, é estudado se esse mecanismo regulatório do corpo pode ter sido reprogramado ao longo de várias eras para produzir essa reação profunda frente a uma grande beleza, primeiro na natureza e depois na arte. Mas ainda não se sabe se isso é algo aprendido, ou se há quem já nasça mais sensível.

Sensação de pessoas "mais abertas"

A capacidade de experimentar um frisson, como também é chamada a sensação de se ter um arrepio repentino e intenso, também poderia estar, segundo Colver, amparado em estudos anteriores, relacionada à chamada "abertura à experiência". Um traço de personalidade caracterizado por elevação de imaginação, sensibilidade, intuição e curiosidade intelectual.

Enquanto alguns apresentam comportamento quase inerte, outros podem esboçar reações extremamente intensas, carregadas de muita emoção e sintomas muito marcantes. "Além disso, as lembranças de algo vivenciado e parecido podem ser determinantes na quantidade dessas sensações", explica Leide Batista, psicóloga pela Faculdade Castro Alves, em Salvador.

Estímulos externos associados ao sobrenatural (vento frio, barulhos fortes, cheiros repentinos) e relacionados ao que nos prende a atenção também poderiam nos influenciar, por uma distorção sensorial, e assim explicar as reações corpóreas estranhas. Também já foi documentado que quando algo surpreende, ou causa devaneios, provoca arrepios mais intensos e frequentes.

Gatilhos emocionalmente eficientes

Em muitos testes, para investigar o cérebro durante os arrepios, foram selecionadas, junto com os participantes, músicas indutoras, que variavam de Coldplay a Wagner. "Mas a reação independe de gênero ou conteúdo", garante Yuri Busin, psicólogo pela PUCRS e doutor em neurociência do comportamento.

Para os usuários do fórum online Reddit, um dos campeões de frisson é um trailer feito por um fã dos filmes Star Wars. Entretanto, música comovente ainda é o gatilho mais reportado, e isso teria a ver com arranjos inesperados, mudanças repentinas de volume e a presença de alguém que supera as expectativas dos ouvintes de forma positiva, como que ocorreu com a cantora Susan Boyle durante sua apresentação de estreia em um programa de calouros, em 2009.

O clímax emocional geralmente é alcançado ao se testemunhar a vitória de um desafio, uma execução bem-sucedida ou algo que sirva como incentivo ou inspiração após um momento carregado de muita tensão e ansiedade —também está sob investigação científica se teria alguma relação com a empatia. E você, será que vez ou outra é capaz de sentir isso?

Veja algumas músicas estudadas por causarem arrepios e tire suas próprias conclusões:

  • Paixão Segundo São João, de JS Bach: os primeiros 2 minutos e 11 segundos.

  • Concerto para Piano nº 1 II, de Chopin: os primeiros 2 minutos e 18 segundos.

  • Making Love Out Of Nothing At All, de Air Supply: os primeiros 53 segundos.

  • Mythodea Movement 6, de Vangelis: os primeiros 3 minutos e 21 segundos.

  • Oogway Ascends, de Hans Zimmer e John Powell: os 2 primeiros minutos.