Como lidar com crianças e adolescentes que estão com medo de ir à escola?
Estudantes estão com medo de ir à aula, pais temem levar os filhos à escola, professores têm receio de permanecer nas salas. A sensação de insegurança no ambiente escolar é alimentada por publicações que têm circulado nas redes sociais anunciando novos ataques às instituições de ensino. Embora os indícios apontem que esses conteúdos são falsos, eles têm contribuído para gerar pânico.
Sentir medo após os ataques recentes é natural, mas é preciso ficar atento às repercussões que a situação pode causar a longo prazo na saúde mental de crianças e adultos, alerta o psiquiatra Fernando Asbahr, coordenador do Programa de Ansiedade na Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria da USP.
Asbahr afirma que os recentes episódios de violência nas escolas e a propagação de boatos sobre falsos ataques podem ter desdobramentos sérios para pessoas que já têm alguma propensão a desenvolver transtornos de ansiedade.
Ainda não podemos falar sobre quadros de estresse pós-traumático porque é muito recente, mas você imagina que, da mesma forma que um veterano de guerra que passou por situações absurdas de risco de vida e depois disso ouve um barulho e já acha que é uma bomba, daqui a um mês pode ser que algumas crianças tenham medo até de passar perto da esquina da escola. Fernando Asbahr, coordenador do Programa de Ansiedade na Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria da USP
Para evitar esse cenário, diz ele, é importante não estimular o pânico e manter uma boa comunicação com as crianças. Ao VivaBem, o psiquiatra deu dicas para aumentar a sensação de segurança neste período e falou sobre como lidar com o medo.
VivaBem: Boatos de que novos ataques acontecerão em instituições de ensino têm causado medo em alunos, pais e professores. É normal sentir esse medo?
Fernando Asbahr: É absolutamente normal. Você fica até na dúvida "mas e se isso for verdade?". Estamos falando de algo muito sério. E é justamente essa dúvida que os boatos deixam no ar que é cruel. Isso é muito perverso.
O problema é que, daqui a algumas semanas ou meses, esse medo pode ter desdobramentos sérios para pessoas que já têm alguma propensão de serem naturalmente mais preocupadas, nervosas ou ansiosas.
Pais também podem se negar a levar seus filhos para a escola. Isso seria um exemplo de repercussão exagerada desencadeada por dois fatores: o fato concreto, que são os episódios de violência com morte dentro das escolas que aconteceram recentemente, e os boatos, que geraram ansiedade em excesso.
Esses boatos também estão circulando em grupos de WhatsApp de pais, mães e professores. Reproduzir esse conteúdo pode contribuir para a sensação de medo? Qual a melhor forma de agir para evitar o pânico?
FA: Sem dúvida. A informação se espalha de uma maneira muito rápida e absurda, então, quando você compartilha esses boatos, isso implica em uma preocupação exagerada em todo mundo.
Eu acho que quanto menos a gente divulgar esses boatos, melhor. A outra coisa é buscar a veracidade dessas informações. Não dá para tomar como verdade e pensar "vamos espalhar isso aí porque todo mundo tem que estar preparado".
Você espalhar isso é tudo o que a pessoa que iniciou o boato quer, então não espalhe nem entre em pânico. Ao mesmo tempo, é importante ficar de olho e denunciar [essas ameaças].
O que os pais podem fazer para ajudar uma criança ou adolescente que está com sintomas de ansiedade e medo de ir à escola?
FA: Tem uma máxima do tratamento de ansiedade que diz que a melhor forma de perder os medos é gradualmente ir enfrentando essas fobias, seja de agulha, sangue, elevador ou ir para escola.
Então, você vai, aos poucos, se aproximando da situação ou do objeto que te causa medo. No caso da escola, a mãe pode ficar um pouquinho esperando fora do local, mas a criança está ali, e ela vai se habituando novamente. Tratar medo e ansiedade evitando a situação só alimenta esses sentimentos.
Mas é muito difícil pensar no que fazer agora, imediatamente. Tem que ter muito cuidado ao falar "tem que enfrentar". Depende muito da idade, acho que não tem que forçar a barra nesse sentido.
Mas, se daqui a duas semanas, por exemplo, depois que passar toda essa boataria, a criança tiver a mesma atitude, aí já tem alguma coisa que é exagerada e é essa criança que vai precisar ser estimulada a ir voltando aos pouquinhos, às vezes com auxílio de tratamento especializado.
Eu ficaria atento para o exagero desses medos que são normais agora, se eles continuarem nessa intensidade quando você já não tiver mais uma situação potencialmente perigosa. Neste momento, agir com parcimônia e ponderação é a melhor coisa.
Qual é a melhor forma de abordar esse assunto com crianças de diferentes faixas etárias?
FA: Isso vai de acordo com o grau de desenvolvimento que ela está na vida. Mas uma conduta básica que se deve ter com criança é você informar as coisas até onde vai a curiosidade delas.
Então, se ela te pergunta por que tal coisa aconteceu, você não precisa contar todos os detalhes da história para a criança, mas, sim, falar sobre os dados da realidade, como "tem gente que faz algo assim e isso é muito ruim, mas é minoria".
A criança pode se questionar "mas uma criança da minha idade matou alguém, a troco do quê?". E você pode dizer "olha, muitas vezes as pessoas que fazem isso têm problemas graves, mas pouca gente é assim".
Você não deve detalhar para ela "ele pegou uma machada e cortou o pescoço das crianças", por exemplo, porque aí você vai estar alimentando algo que eu não sei a dimensão que isso pode tomar numa criança pequena, além de alimentar uma ansiedade muito grande.
O diálogo tem que ser sempre no sentido de não alimentar algo antecipatório e isso tem muito a ver com ansiedade. Ansiedade não é sinônimo de medo nem de preocupação, é sinônimo de antecipação. Qualquer situação antes da hora gera ansiedade.
Isso é diferente de esconder os fatos. É importante falar sobre o assunto, mas sempre baseado no quanto que a criança leva para você, o quanto ela sabe.
Já para crianças com dois, três anos de idade, que ainda não têm dimensão de morte ou finitude, não tem sentido falar sobre esses ataques.
Professores também estão com medo e receio de permanecer nas salas de aula. Como lidar com a sensação de insegurança no seu próprio ambiente de trabalho?
FA: A escola precisaria garantir a segurança, mas a gente sabe que não funciona assim para a maioria das escolas.
Vale sempre consultar a Secretaria de Educação para saber qual é o posicionamento, e do ponto de vista pessoal tem que ficar atento com o fato de que essas coisas podem acontecer. Ao mesmo tempo, pensar que, sim, é uma tragédia, um horror, mas isso não acontece a toda hora.
Os recentes episódios de violência em escolas também chamaram a atenção para a falta de segurança no ambiente escolar, incluindo a escassez de psicólogos. Você acha que o atendimento psicológico poderia ajudar a prevenir esse tipo de ataque?
FA: Prevenir, não. Mas eu acho que ajuda acolher quem está nas escolas, a falar a respeito do assunto, como quais são os riscos [desse tipo de ataque].
A informação ajuda a tirar essa coisa meio fantasmagórica desses episódios, porque eles são horrorosos e não vão deixar de ser horrorosos, mas pelo menos os psicólogos ajudam a explicar "olha, isso acontece por causa disso e disso".
É uma informação que é positiva, não para gerar mais medo na população, mas talvez mais conhecimento de como as coisas podem acontecer.
É claro que vai ter aquela criança que sente mais medo e que, ao ouvir isso, vai ficar com mais medo. Mas não falar ou não abordar o assunto individualmente não é uma boa ideia.
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