'Não queria acreditar', diz mãe de duas filhas com a mesma doença rara
Quando Stephany tinha 2 anos, seus pais perceberam dificuldades em sua audição. Ela também demorou a falar. Depois de consultar médicos de diferentes especialidades, a família recebeu o diagnóstico de alfamanosidose quando a menina já tinha 12 anos.
"Ela passou com otorrino, clínico, pediatra, mas nenhum tinha diagnóstico. Até que chegou no geneticista, que pediu exames e confirmou", relata a mãe Coraci Oliveira das Chagas.
Anos mais tarde, a outra filha Rayane, hoje com 21 anos, passou pela mesma jornada. Os primeiros sinais —iguais aos de Stephany— foram notados quando ela tinha 4 anos, e o diagnóstico de alfamanosidose veio aos 9. Pela experiência anterior, a mãe já suspeitava.
Mas, às vezes, a gente não queria acreditar que era o mesmo problema, tinha o medo do diagnóstico. Coraci Oliveira das Chagas, mãe
O que é alfamanosidose?
A alfamanosidose é uma doença rara. Estudos estimam de um a dois casos a cada 1 milhão de nascidos vivos.
De origem genética e hereditária, a condição é caracterizada pela ausência da enzima alfamanosidase, responsável por quebrar moléculas de açúcar (oligossacarídeos) no corpo.
Sem essa enzima, as moléculas se acumulam no organismo e causam danos progressivos às células.
Por ser uma doença rara e desconhecida pela maioria das pessoas, o diagnóstico é tardio, o que compromete o tratamento.
No caso de Stephany, foram dez anos sem respostas, nos quais ela fez cirurgias das adenoides (que quando aumentam de tamanho causam carne esponjosa) e no ouvido para inserção de um pequeno tubo a fim de corrigir a audição. Atualmente, ela usa prótese auditiva.
O processo de aprendizagem também foi lento, sem desenvoltura para ler, e hoje, com 30 anos, Stephany está na educação especial.
Desafios do diagnóstico
Um dos desafios para o diagnóstico precoce e preciso é a falta de médicos especializados em doenças raras, diz o geneticista Roberto Giugliani, professor titular do Departamento de Genética da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Existem em torno de 9.000 doenças raras, cada uma com sua particularidade, e nenhum médico vai conhecer todas elas.
Há teste específico para fazer o diagnóstico de alfamanosidose, mas nem sempre ele está disponível ou o médico não conhece ou não sabe onde faz.
O teste só é feito quando se pensa na doença, o que leva à primeira barreira da falta de conhecimento.
Além disso, os sintomas da alfamanosidose podem ser confundidos com outras questões de saúde e serem tratados isoladamente.
Sintomas da alfamanosidose
Os sinais variam de uma pessoa para outra e mudam conforme a fase da vida. Um artigo de 2008 descreve que podem ocorrer:
- Deficiência auditiva, agravada por otite ou acúmulo de líquido;
- Alterações oculares, como leve estrabismo e hipermetropia mais frequente do que miopia;
- Comprometimento das funções mentais;
- Atraso no desenvolvimento da fala.
Giugliani cita, ainda, aumento do fígado, problemas nas articulações e na parte respiratória, além de comprometimento neurológico. "Isso acontece pouco a pouco, porque é uma doença progressiva", afirma.
Coraci relata que receber o diagnóstico para as duas filhas foi "bem impactante", tanto por nunca ter ouvido falar da doença quanto pela perspectiva futura.
"O médico falou que não tinha cura nem remédio e que ela nem chegaria aos 30 anos de idade. Você fica meio sem acreditar, fica aérea, não sabe o que fazer, como procurar ajuda", ela lembra.
Tratamento
Apenas 5% das doenças raras têm tratamento específico, diz Giugliani, e a alfamanosidose é uma delas. Trata-se da reposição da enzima ausente, por infusão intravenosa, uma vez por semana. "O tratamento é mais eficaz quando começa mais cedo, por isso a importância de fazer logo o diagnóstico", diz o médico.
Porém, o medicamento é de alto custo —envolve engenharia genética em laboratório— e tem pouca demanda, não está incorporado ao SUS e o acesso, geralmente, é por via judicial.
Em setembro de 2021, Coraci acionou a Justiça, por meio da Defensoria Pública, para conseguir a medicação. O pedido foi negado e o órgão recorreu, mas ainda não há definição do caso.
Enquanto isso, Stephany e Rayane fazem acompanhamento com neurologista, fisioterapeuta e otorrinolaringologista em três hospitais diferentes de Brasília, onde moram. Esse cuidado também é essencial, com ou sem tratamento específico, porque é uma forma de tratar os sintomas da doença.
Referências:
Beck M, Olsen KJ, Wraith JE et al. Natural history of alpha-mannosidosis: a longitudinal study. Orphanet J Rare Dis 2013;8:88.
Malm, D., Nilssen, Ø. Alfa-manosidose. Orphanet J Rare Dis 3, 21 (2008).
Discover Alpha Mannosidosis. Disponível em: https://www.alphamannosidosis.com/br/
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