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'Meu bebê mexia pouco o lado direito e descobri que era um AVC'

Lauângel Nicoli, 36, ao lado do filho, Romeo, 2 - Arquivo pessoal
Lauângel Nicoli, 36, ao lado do filho, Romeo, 2 Imagem: Arquivo pessoal

De VivaBem, em São Paulo

18/04/2023 04h00Atualizada em 25/04/2023 12h32

Lauângel Nicoli Marques, 36, viveu uma gravidez tranquila em Vitória, mas quando o filho completou três meses percebeu que ele não movia um lado do corpo. Depois de diversas consultas médicas e de uma série de exames, o diagnóstico veio: ele tinha sofrido um AVC (Acidente Vascular Cerebral).

Ao iniciar a fisioterapia que ajudaria a recuperar os movimentos de Romeo, atualmente com 2 anos, a mãe descobriu que ele convivia com a Síndrome de West, uma doença rara que afeta 1 em cada 3 mil a 4 mil bebês. A Viva Bem, ela contou a história.

"Descobri minha gravidez no dia 17 de março de 2020. Logo depois, tudo fechou devido à pandemia. Tive que fechar meu comércio porque, grávida, não queria me expor aos riscos. As coisas foram se adaptando conforme dava. A gente nunca tinha passado por isso e eu ficava com medo. Eu dizia que depois que o Romeo nascesse, eu iria voltar à ativa.

A gravidez no geral foi muito tranquila e a partir da 39ª semana comecei a fazer exames semanalmente. Os resultados sempre indicavam que o Romeo estava saudável, sem alteração nenhuma, tudo muito perfeito.

No último exame, porém, apareceu uma centralização fetal [uma condição em que há redistribuição do fluxo sanguíneo preferencial para órgãos nobres, como o cérebro]. Então, tivemos que fazer uma cesária de emergência.

Fui fazer um exame de rotina e saí com o neném no colo. Foi estressante, mas depois tudo foi tranquilo. Novamente, os exames estavam normais e, mais tarde, fui liberada do hospital sem nenhuma intercorrência.

Estudei um pouco sobre desenvolvimento infantil antes de ter o Romeo, que é meu primeiro filho, e quando ele completou três meses percebi que algo não estava normal. Achava que ele estava tendo um torcicolo, já que só virava a cabeça para um lado, se interessava em mover apenas o lado esquerdo do corpo. Falava sobre isso com as pessoas, mas ninguém acreditava que pudesse ter alguma coisa.

Levei ele ao pediatra e não encontraram nada. Depois, fomos numa fisioterapeuta. Ela avaliou e disse que não era nada, que não tinha a ver com torcicolo e nos orientou a buscar um neurologista. Eu procurei o Dr. Marcelo Masruha, que atendia também a família do meu marido. Naquela época, o Romeo estava com 4 meses.

Ele fez uma avaliação clínica e diagnosticou que o meu filho poderia ter tido um AVC (Acidente Vascular Cerebral). Fizemos uma ressonância e isso se confirmou. Naquele dia, o meu mundo caiu. O Dr. Marcelo indicou que ele fizesse fisioterapia e, desde então, ele faz dois estilos diferentes durante a semana para recuperar o lado direito.

Convulsão e novo diagnóstico

Romeo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Romeo sofreu um AVC e foi diagnosticado com Síndrome de West
Imagem: Arquivo pessoal

Enquanto ele fazia o tratamento, ele sofreu uma convulsão. Isso ocorreu quando ele fez 8 meses, em uma festinha de 'mês aniversário'. Corremos para o médico, fizemos exames e descobrimos que ele tinha Síndrome de West, um tipo raro de epilepsia.

Eu vi o meu filho, molinho, nos meus braços. Fiquei realmente desesperada porque descobri, mais tarde, que ele poderia ficar vegetando. Ele começou com a medicação e foi um choque para mim. Não aceitava muito no começo. Tinha estudado tanto introdução alimentar e então tinha que dar todo dia um comprimido? Eu pensava: 'ele é tão pequeno e já vai ter que tomar remédio?'.

Depois de uma conversa com o Dr. Marcelo, eu comecei a rezar para isso fazer efeito. E então, com 1 ano e 3 meses, ele sofreu uma nova convulsão e tivemos que acrescentar outra medicação. Hoje, ele toma dois remédios intercalados, além de fazer o acompanhamento médico.

Readaptações

Eu não digeri a condição dele na hora — só depois de um ano e pouco aceitei que era uma mãe de criança atípica. Até hoje faço terapia. Quando você engravida, você cria planos baseados em uma vida comum e tudo isso caiu por terra. O Romeo veio e disse: 'eu sou esse'. Eu sou extremamente apaixonada e vivo por ele. Mas, de vez em quando, fico desestruturada e por isso a terapia ajuda.

Tivemos que readaptar tudo. Eu não deixo ele sozinho. Posso deixá-lo no quarto ou na brinquedoteca, mas sempre passando o olho. Eu tenho muito medo de ele sofrer uma nova convulsão, de se bater. Fico sempre com medo de alguma coisa acontecer.

Ele não anda sozinho, só com apoio, mas ele vai andar com ajuda da fisioterapia. Ele já fala algumas palavras, se comunica bem, mas a evolução é mais lenta que a de uma criança típica.

Agora, ele vai à escolinha de manhã e tem um educador só para ele. Por isso mesmo é que ele está na aula, porque assim ficamos mais despreocupados. É importante que ele esteja no convívio com outras crianças, fazendo atividades iguais às demais, estar inserido até para que os outros alunos verem que o diferente também é normal.

romeo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A mãe diz que sonha com o dia que o filho consiga andar
Imagem: Arquivo pessoal

É uma condição rara, mas encontrei outras mães que também têm filhos com Síndrome de West. Temos um grupo nas redes sociais e formamos uma rede de apoio uma para a outra, para trocar angústias, medos. Isso é muito importante, até para não se sentir sozinha diante da sociedade.

Não conseguimos identificar o que ocasionou o AVC dele. Existem alguns exames que pode ajudar, mas não quis fazer. Já aconteceu. O que eu quero agora é que meu filho ande. Meus sonhos mudaram muito desde então.

Durante esses dois anos de vida me deixei de lado e coloquei como compromisso cuidar de mim como mulher. Hoje sonho em ter uma vida saudável para cuidar de mim e do meu filho. Eu não tenho mais aqueles sonhos de viajar, pegar a mochila. Meus sonhos são detalhes. É uma fala, uma mão direita aberta. Coisas que para outras pessoas passariam batido. O que eu me empenho é em dar uma qualidade de vida para o meu filho."

AVC na infância

Segundo o médico Marcelo Masruha, especialista em neurologia e neurologia infantil pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil, o AVC isquêmico no período perinatal é um evento raro. A incidência é cerca de 1 em cada 4000 recém-nascidos por ano.

Pode ser causado por complicações durante a gravidez ou parto, infecções congênitas, como rubéola ou herpes, além de anomalias congênitas, como malformações. Além disso, problemas com a coagulação do sangue ou doenças genéticas também são apontadas como possíveis causas de um AVC nesta idade.

Em cerca de 40% dos casos a causa não é identificada, sendo chamados de idiopáticos. Para esses casos, acredita-se que uma trombose na face fetal da placenta, com posterior embolia do trombo, seja a causa provável. Médico Marcelo Masruha.

Síndrome de West

Também conhecida como síndrome dos espasmos infantis, a Síndrome de West é um tipo raro de epilepsia. Ela afeta aproximadamente 1 em cada 3 mil a 4 mil bebês nascidos vivos.

A condição geralmente se desenvolve nos primeiros anos de vida. As causas, por sua vez, não são totalmente compreendidas. No entanto, fatores genéticos, problemas metabólicos e qualquer lesão cerebral — inclusive os AVCs — em um bebê podem resultar na síndrome.

A síndrome também pode ocasionar danos cerebrais antes, durante ou após o nascimento. O tratamento é feito com medicamentos e dieta cetogênica (composta por alta gordura, proteína moderada e baixo carboidrato).

O tipo de tratamento é decidido de forma individual, avaliando as características do paciente, bem como a causa específica. Se as crises forem controladas, a síndrome de West tende a desaparecer após 3-4 anos de idade.
Médico Marcelo Masruha.

Caso a síndrome desapareça no paciente, é comum que o cérebro dele tenha predisposições a gerar crises epilépticas ao longo da vida. Contudo, isso também pode ser controlado por meio de medicação.

A síndrome de West pode afetar significativamente o desenvolvimento de uma criança, especialmente se não for tratada precocemente. Os espasmos podem levar a atrasos no desenvolvimento motor, cognitivo e da fala. Além disso, o padrão anormal de atividade elétrica no cérebro associado à síndrome pode causar danos cerebrais a longo prazo.

O diagnóstico precoce da síndrome ajuda a elaborar um tratamento mais eficaz, que podem ajudar a reduzir os danos cerebrais a longo prazo, além de diminuir potenciais atrasos no desenvolvimento da criança.

Isso também pode ajudar a identificar quaisquer causas subjacentes da condição, como lesões cerebrais, problemas metabólicos ou genéticos. Assim, os médicos podem tratar efetivamente a causa raiz do problema, além de controlar os sintomas da síndrome de West.