O que acontece no seu corpo quando você exagera nos ultraprocessados
A regra de ouro do Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde, é dar preferência a alimentos naturais e minimamente processados e à comida caseira. A ordem é que as pessoas evitem, ao máximo, produtos ultraprocessados, considerados nutricionalmente desbalanceados.
O que pega nesses itens é que eles são formulações industriais compostas por ingredientes baratos, como sobras de carnes e carcaças, soro do leite, etc. E ainda possuem quantidades irrelevantes de fibras, vitaminas e minerais.
Outra preocupação dos especialistas em nutrição é que o consumo desses itens tem crescido rapidamente a ponto de eles se tornarem responsáveis por mais da metade da ingestão de calorias diárias em países como EUA, Reino Unido e Canadá.
- No Brasil, esse percentual corresponde a 20%.
- 57 mil foi o número aproximado de mortes associadas ao seu consumo no país em em 2019.
O que você 'ganha' com isso
Os cientistas têm observado os efeitos do alto consumo de ultraprocessados na saúde. O volume exato da ingestão capaz de prejudicá-la ainda não está totalmente esclarecido.
O que sabe até o momento é que quanto maior for a sua ingestão, pior é a qualidade da dieta, que terá mais açúcar livre, gorduras saturadas, calorias e menos fibras.
E tais conclusões são consistentes o bastante para justificar a recomendação de cautela no consumo desses itens, especialmente quando se deseja prevenir e tratar doenças ou situações clínicas, entre os quais se destacam:
- Sobrepeso e obesidade
- Doenças cardiovasculares
- Diabetes
- Depressão
- Morte precoce
- Alguns tipos de câncer
Você vê o ponteiro da balança subir
Pesquisas que observam grupos de pessoas que consomem alimentos naturais e produtos ultraprocessados concluem que estes últimos promovem o aumento de calorias diárias. Estas, por sua vez, promovem o acúmulo de gordura no corpo —inclusive a abdominal.
Dados publicados nos periódicos Public Health Nutrition e PlosOne mostram que, com o tempo, o ganho de peso aparece, e ainda pode evoluir para quadros de sobrepeso e obesidade.
- O aumento do risco para obesidade é de 23% a 51%.
- Para a gordura abdominal, 39% a 49%.
- Basta elevar esse consumo em 10% para o risco de ter sobrepeso aumentar em 11%.
- Na obesidade, o percentual é de 9%.
Você é chamado a 'ouvir a voz do coração'
Estudos selecionados pelo Programa Global de Pesquisa Alimentar (UNC-Chapel Hill), que avalia políticas nutricionais e desenvolve pesquisas em larga escala para a prevenção de doenças, esclarecem que quando são comparados grupos de pessoas com alto e baixo consumo de ultraprocessados, aqueles que ingerem mais destes itens apresentam maiores taxas de colesterol, além de hipertensão e doenças cardiovasculares (do coração e dos vasos sanguíneos).
- O risco de desenvolver hipertensão (pressão alta) é de 21% a 23% maior.
- O risco de vir a ter um AVC se eleva em 34%.
- De ter um infarto, em 29%.
Você tem de dar mais atenção à glicemia
O risco de o diabetes aparecer supera os 50%. E a ligação entre o excesso de ultraprocessados na dieta e a doença é dose dependente: quanto mais você come, maior é o risco de a enfermidade dar as caras.
Entre adultos, compor o cardápio com 10% de ultraprocessados já eleva o risco de ter diabetes.
Já existe evidência de que o consumo ilimitado também pode levar ao diabetes gestacional. A pesquisa foi publicada no jornal científico Nutrients.
A conexão entre uma coisa e outra se justifica pelo fato de esses produtos serem pobres em termos nutricionais, ricos em açúcar, sódio e gordura trans.
Aditivos como edulcorantes (adoçantes como o aspartame) e emulsificantes (como a carboximetilcelulose, ainda teriam papel no ganho de peso e mudanças na microbiota intestinal, fatores que influenciam a doença.
Você perde o interesse pelas boas coisas da vida
Altas doses de ultraprocessados podem alterar a saúde mental. A depressão ou seus sintomas podem se instalar.
Sim, as causas dessa enfermidade são multifatoriais, mas sabe-se que dietas equilibradas, ricas em nutrientes, vitaminas, fibras e minerais funcionam como fator de proteção contra a doença.
Para além disso, os aditivos que compõem esses itens podem influenciar as funções do microbioma intestinal.
Alterações neste ambiente podem atrapalhar o trabalho das bactérias boas, o metabolismo local, e ainda levar a doenças inflamatórias capazes de alterar a boa relação entre a saúde do intestino e o sistema nervoso central: eixo cérebro x intestino.
Você pode morrer mais cedo
De acordo com um novo estudo da Faculdade de Saúde Pública de Harvard, ter uma dieta variada e equilibrada tem conexão com a redução do risco de morte prematura por todas as causas. Isso inclui doenças cardiovasculares, câncer e enfermidades respiratórias.
Portanto, quem extrapola com os ultraprocessados pode viver menos. Cientistas brasileiros concluíram que esses produtos são causa significativa de morte precoce entre nós. A ordem é reduzir o consumo o quanto possível. Esses dados foram publicados no American Journal of Preventive Medicine.
Você pode ser surpreendido por um tumor
Conservantes como nitritos e nitratos, frequentemente adicionados em carnes processadas, têm sido associados ao desenvolvimento de tumores.
Uma recente pesquisa realizada por cientistas de Brasil, Reino Unido, França e Portugal, publicado pelo periódico The Lancet, no início de 2023, observou a dieta de pessoas com idades entre 40 e 69 anos, por mais de 10 anos, e sua relação com o aparecimento de tumores.
A ingestão de ultraprocessados entre eles foi associada à maior incidência de morte por todos os tipos de câncer, em especial o de ovário entre as mulheres.
Desvende os processamentos
Processar é tudo o que altera o estado natural do alimento. Pode ser desidratação, congelamento, envasamento, ou mesmo a adição de sal, açúcar e aditivos capazes de realçar ou preservar seu sabor para torná-los mais atraentes.
O processamento pode ser classificados em 4 grupos:
1) Não processados ou minimamente processados: são os não alterados ou processados por meio de cozimento, desidratação, congelamento, etc. São exemplos: frutas congeladas, farinhas, leite pausterizado, carne congelada.
2) Ingredientes culinários processados: obtidos do grupo 1, são itens in natura criados por meio de técnicas como centrifugação, pressão, etc. São usados na preparação dos pratos: manteiga, óleos vegetais, sal.
3) Alimentos processados: adicionam substâncias nos alimentos dos grupos 1 e 2 com métodos de preservação que confiram estabilidade e durabilidade. Exemplos: vegetais enlatados, queijos frescos ou carnes curadas.
4) Alimentos ultraprocessados: contêm ingredientes não usados nas cozinhas caseiras (proteínas isoladas e aditivos como corantes, saborizantes, emulsificantes, etc.), o que faz deles mais atraentes e duráveis. Geralmente são calóricos (alto teor de açúcar, gorduras não saudáveis, amido refinado e sódio).
Aprenda a ler o rótulo
Na hora das compras, tire proveito da nova rotulagem dos produtos, que deve esclarecer ao consumidor os ingredientes neles contidos. Por exemplo, quando um item é rico em sódio ou gordura, esses dados devem estar em destaque na embalagem. Ao tomar conhecimento disso, você pode tomar decisões de forma a equilibrar sua dieta.
A ideia é que você dedique tempo para ler os ingredientes que compõem os itens que consome, em especial cereais matinais, barrinhas de proteína, pães embalados com plástico, iogurtes com sabor, macarrão instantâneo e carnes processadas (hambúrguer, linguiça, empanados, peito de peru, etc.).
Na dúvida, dê preferência aos alimentos frescos.
Fontes: Juliana Maria Faccioli Sicchieri, nutricionista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP e professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Nutrição e Metabolismo da mesma instituição; Luisa Gazola Lage, nutricionista doutaranda do programa de nutrição e saúde da Faculdade de Saúde Publica da USP; Rodrigo Pimentel, médico cirurgião e nutrólogo com mestrado em saúde coletiva, do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia, que integra a Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), chefe da Divisão de Gestão do Cuidado e Coordenador da Residência de Nutrologia do mesmo hospital. Revisão técnica: Luisa Gazola Lage.
Referências:
- Ministério da Saúde (Guia Alimentar para a População Brasileira)
- OMS (Organização Mundial da Saúde)
- Programa Global de Pesquisa Alimentar (Universidade da Carolina do Norte - Chapel Hill)
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