Em 3 anos, 1,6 milhão de crianças não recebeu vacina contra a pólio no país
No Brasil, 1,6 milhão de crianças não recebeu nenhuma dose da vacina DPT, que previne contra difteria, tétano e coqueluche; e também nenhuma dose do imunizante contra a pólio, entre 2019 e 2021.
Globalmente, 48 milhões de crianças não receberam nenhuma dose da DPT entre 2019 e 2021. É o que revela o relatório Situação Mundial da Infância 2023: Para cada criança, vacinação (The State of the World's Children 2023: For Every Child, Vaccination - disponível somente em inglês), lançado pelo Unicef nesta quinta-feira (20).
Os dados brasileiros foram compilados pelo Unicef, mas são baseados nas informações que cada município brasileiro envia ao SUS. O relatório faz um alerta para a urgência de retomar as coberturas vacinais no mundo.
Para uma criança ser considerada imunizada, ela precisa tomar todas as doses recomendadas de cada imunizante e as doses de reforço, quando indicadas. Uma criança é chamada de vacinada quando tomou apenas uma dose. O relatório global usa como base a tríplice bacteriana (DTP), que conta com três doses.
Enquanto uma criança não estiver protegida, todas as crianças estarão em risco. Nísia Trindade, ministra da Saúde, em fala durante lançamento do relatório
No Brasil, de 2019 a 2021:
1,6 milhão de crianças não tomou nem a primeira dose da DTP. Para se ter uma ideia, em média, nascem 3 milhões de bebês por ano, todos elegíveis a essa vacina, ou seja, em 3 anos, 9 milhões de crianças deveriam ser vacinadas.
Outras 700 mil tomaram a primeira e/ou a segunda dose, mas não tomaram a terceira.
Isso leva a um total de 2,4 milhões de crianças não imunizadas com a DTP. Segundo dados do DataSUS, no mesmo período, 13 milhões tomaram a vacina DTP —de quaisquer doses—, o que corresponde a uma cobertura vacinal de 65%.
O Brasil é responsável por 40% das crianças sem nenhuma vacina DTP na América Latina.
Os dados são semelhantes para a vacina contra a pólio, que também conta com três doses.
1,6 milhão de crianças não recebeu nem a primeira dose contra a pólio, entre 2019 e 2021.
Outras 350 mil tomaram a primeira e/ou a segunda dose, mas não tomaram a terceira.
Isso leva a um total de 2 milhões de crianças não imunizadas contra a pólio. De acordo com o SUS, no mesmo período, 18 milhões tomaram a vacina contra a pólio —de quaisquer doses—, o que corresponde a uma cobertura vacinal de 70%.
Para essas duas vacinas, o índice de cobertura deve ficar acima de 95%, conforme preconiza o Ministério da Saúde.
Essas crianças foram deixadas para trás, ficando desprotegidas frente a doenças sérias e evitáveis. As crianças nascidas pouco antes ou durante a pandemia agora estão ultrapassando a idade em que normalmente seriam vacinadas, ressaltando a necessidade de uma ação urgente para alcançar aquelas que perderam as vacinas e prevenir surtos e a volta de doenças já erradicadas no Brasil, como a pólio. Youssouf Abdel-Jelil, representante do Unicef no Brasil
"Temos o grande desafio de retomar as altas coberturas vacinais em todo Brasil após o retrocesso que vivemos nos últimos anos. Atualmente, o Brasil conta com uma cobertura vacinal das mais baixas de sua história desde a criação do Programa Nacional de Imunizações. Já tivemos 95% de cobertura em relação a vacinas como da poliomielite, e agora não chegamos a 60% de crianças vacinadas. Esse quadro tem que mudar. Para isso, de uma maneira muito clara, temos de combater o negacionismo e às fake news", afirma Nísia Trindade, ministra da Saúde.
Problema é mundial
Os números brasileiros fazem parte de um desafio global urgente. Segundo o relatório, o mundo vive o maior retrocesso contínuo na imunização infantil em 30 anos, alimentado pela pandemia de covid-19.
E tem mais: 67 milhões de crianças foram privadas total ou parcialmente de suas vacinas de rotina entre 2019 e 2021 devido aos fechamentos e às interrupções no atendimento médico causados pela pandemia de covid-19.
Nos últimos três anos, mais de uma década de ganhos duramente conquistados na imunização infantil de rotina erodiram. Unicef
A cobertura de vacinação infantil diminuiu em 112 países e a porcentagem de menores vacinados em todo o mundo caiu 5 pontos, para 81%, um mínimo inédito desde 2008. A África e a Ásia Meridional foram especialmente afetadas.
A pandemia também exacerbou as desigualdades existentes. As crianças que não estão recebendo vacinas vivem nas comunidades mais pobres, remotas e vulneráveis.
Nos domicílios mais pobres, uma em cada cinco crianças não receberam nenhuma vacina, enquanto nos mais ricos apenas uma em 20.
O relatório identificou, ainda, que crianças não vacinadas vivem frequentemente em comunidades de difícil acesso, tais como zonas rurais ou favelas urbanas.
Percepção sobre importância das vacinas
O relatório mostra, também, que a percepção sobre a importância e a confiança nas vacinas para crianças diminuiu em 52 dos 55 países pesquisados.
No Brasil, embora os índices continuem altos, houve uma queda de 10 pontos percentuais —antes da pandemia, 99,1% dos brasileiros confiavam nas vacinas infantis, e pós-covid são 88,8%.
Diferentemente dos resultados globais, no Brasil, a queda de confiança foi mais acentuada entre homens mais velhos (maiores de 65 anos). Na maioria dos países pesquisados, a queda foi maior entre mulheres e pessoas com menos de 35 anos.
Importância histórica das vacinas
As vacinas salvam 4,4 milhões de vidas por ano, um número que, segundo as Nações Unidas, pode aumentar para 5,8 milhões em 2030 se suas metas ambiciosas de "não deixar ninguém para trás" forem cumpridas.
"As vacinas desempenharam um papel muito importante de permitir que mais crianças tenham uma vida longa e saudável", disse à AFP Brian Keeley, redator-chefe do relatório. "Qualquer queda nas taxas de vacinação é preocupante."
Antes da introdução de uma vacina, em 1963, o sarampo matava cerca de 2,6 milhões de pessoas anualmente, a maioria crianças. Em 2021, este número havia caído para 128 mil.
Entre 2019 e 2021, no entanto, a porcentagem de crianças vacinadas contra o sarampo caiu de 86% para 81%, e o número de casos em 2022 dobrou em relação a 2021.
Esses números apresentados hoje trazem grande preocupação desse quadro de desproteção. Quero reafirmar o compromisso do Ministério da Saúde com essa agenda, e mais do que o Ministério da Saúde, é um compromisso de todo o governo federal, e precisamos que seja um compromisso da sociedade, sem isso não conseguimos mudar esses números. A participação ativa da sociedade será fundamental. Não podemos ficar inertes diante da situação apresentada. Nísia Trindade, ministra da Saúde
O perigo da pólio
A poliomielite provocou inúmeros surtos e epidemias em território nacional e em outras partes do mundo no século 20. No Brasil, foram 26.827 casos entre 1968 e 1989, segundo o Ministério da Saúde. Muitas campanhas de vacinação em massa foram necessárias até que o país fosse declarado livre da poliomielite, em 1994.
De 2015 para cá, porém, a cobertura vacinal tem deixado a desejar, o que acendeu o alerta sobre a possibilidade de retorno da doença no país.
Disponível no SUS, o esquema de vacinação contra a poliomielite é composto de cinco doses. As três primeiras, aos 2, 4 e 6 meses de idade, devem ser feitas obrigatoriamente com a vacina de vírus inativado (chamada de VIP), administrada com uma injeção. Já as duas últimas são feitas com a vacina oral de vírus atenuado, a "gotinha", aos 15 meses e aos 4 anos.
A imunização completa garante proteção contra o poliovírus, que pode levar à paralisia permanente dos braços e pernas e até à morte, em alguns casos.
Em nota ao VivaBem enviada no início de outubro de 2022, o Ministério da Saúde informou que não há registro de circulação viral da poliomielite no Brasil, mas reforçou que pais e responsáveis vacinem suas crianças com todas as doses indicadas para manter o país protegido da doença —ela ainda não foi erradicada em todo o mundo.
Como reverter esse quadro?
Para vacinar cada criança, é vital fortalecer a atenção primária à saúde e fornecer aos trabalhadores da linha de frente, em sua maioria mulheres, os recursos e o apoio de que precisam.
O relatório global constata que as mulheres estão na linha de frente da distribuição de vacinas, mas recebem baixos salários; têm empregos informais; e enfrentam falta de treinamento formal, oportunidades de carreira, além de ameaças à sua segurança.
O relatório está pedindo aos governos que:
- Identifiquem e alcancem urgentemente todas as crianças, especialmente àquelas que perderam a vacinação durante a pandemia de covid-19;
- Fortaleçam a demanda por vacinas, inclusive construindo confiança;
- Priorizem o financiamento de serviços de imunização e atenção primária à saúde;
- Reforcem os sistemas de saúde, incluindo investimento e valorização de profissionais de saúde, em sua maioria mulheres.
Diante dos dados brasileiros, o Unicef destaca duas linhas de ação complementares e fundamentais. Em curto e médio prazo, o país precisa investir para ampliar os percentuais de coberturas vacinais em todos os estados e municípios, em um esforço conjunto em nível federal, estadual e municipal para que todas as cidades retomem o patamar de mais de 95% de cobertura vacinal de rotina, recomendado pela OMS.
Em paralelo, é urgente encontrar e vacinar cada uma das 1,6 milhão de crianças que ficaram para trás e não receberam nenhuma vacina contra pólio ou a DPT entre 2019 e 2021; e daquelas que perderam outras vacinas do calendário ou estão com doses atrasadas.
"Uma busca ativa dessas crianças, olhando para municípios e estados com maiores números absolutos de não vacinadas e não imunizadas, é essencial, pois elas já ficaram para trás e correm o risco de nunca serem imunizadas e protegidas contra doenças evitáveis. É urgente, também, retomar as campanhas de vacinação e estratégias de comunicação voltadas a famílias e profissionais de saúde, mas de forma regionalizada, respeitando a situação específica de cada território", defende Youssouf Abdel-Jelil.
Para contribuir com esse esforço nacional, o Unicef no Brasil conta com a estratégia de Busca Ativa Vacinal (BAV), desenvolvida para apoiar municípios para encontrar crianças não vacinadas ou com atraso vacinal, e tomar as medidas necessárias para que elas atualizem sua carteira de vacinação.
A estratégia conta com capacitações para profissionais de saúde, educação e assistência social, e uma ferramenta tecnológica para auxiliar nesse trabalho intersetorial. Para a BAV, o Unicef conta com a parceria estratégica da Pfizer e o apoio da Fundação Luiz Egídio Setúbal.
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