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EUA aprovam medicamento para facilitar transplante de fezes

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Imagem: iStock

Patrícia Figueiredo

Da Agência Einstein

21/04/2023 04h00

Mesmo ainda pouco conhecido, o transplante de fezes ganhou uma versão mais tecnológica nos EUA: a agência reguladora de medicamentos FDA (Food and Drug Administration) aprovou pela primeira vez a venda de um medicamento feito a partir do material fecal de doadores.

O produto permite facilitar o tratamento desses pacientes, pois, diferente do transplante, é feito no próprio consultório médico.

Apesar de ainda causar estranhamento, o procedimento é uma importante alternativa no tratamento de alguns tipos de colite associada à bactéria Clostridioides difficile. Essa doença, que acomete o intestino grosso, pode provocar diarreias, dor abdominal, desidratação e até perfuração do intestino. Em alguns casos, o transplante pode ser a única solução, especialmente quando o paciente não responde bem aos antibióticos.

O transplante de fezes consiste em inserir no organismo do paciente doente o conjunto de bactérias, vírus e fungos presentes nas fezes de um doador saudável.

Esse conjunto de microrganismos, chamado de microbiota fecal, é essencial para garantir o bom funcionamento do intestino grosso.

O material fecal do doador ajuda a restaurar o equilíbrio da microbiota do paciente, eliminando a bactéria causadora da colite.

"Esses transplantes têm uma taxa de sucesso muito alta para a colite associada ao C. difficile, que é uma infecção muito difícil de tratar", explica o médico Sérgio Araújo, cirurgião do Hospital Israelita Albert Einstein e professor de Cirurgia do Aparelho Digestivo na Faculdade de Medicina da USP.

O transplante de microbiota pode ser feito por meio de uma colonoscopia. Primeiro, o doador é avaliado e as fezes são testadas, para garantir que não há riscos para o receptor. Depois, o material fecal é processado, diluído e, então, colocado no intestino do paciente através de um colonoscópio.

Já na versão industrializada do transplante, as fezes de vários doadores diferentes são processadas e então liofilizadas, que é uma espécie de processo de desidratação e que garante maior uniformidade e ajuda a reduzir os custos do procedimento.

O produto final, chamado Rebyota, teve o registro aprovado pela FDA no final de novembro do ano passado. O medicamento é vendido em sachês e inserido no reto do paciente no consultório médico, ou seja, é um procedimento bem mais simples do que o transplante. No entanto, ainda não há previsão de quando o remédio poderá chegar ao Brasil.

Primeiro transplante de fezes no Brasil

Ainda que no Brasil não existam alternativas industrializadas para o transplante de fezes, como a que foi aprovada recentemente nos EUA, os procedimentos para transplantar a microbiota de um doador para pacientes com colite já são feitos no país há anos.

O primeiro transplante de fezes ocorreu em 2013 no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Depois, a técnica ficou mais comum em outras unidades de saúde e, em 2017, foi criado um centro especializado neste tipo de tratamento no Hospital das Clínicas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

O objetivo do centro era criar um banco de doadores, como os bancos de sangue que fornecem material para transfusões, por exemplo, e assim facilitar o acesso da população ao tratamento, explica Eduardo Vilela, diretor do Centro de Transplante de Microbiota Fecal da UFMG.

Transplante de fezes - Assessoria de Comunicação do HC-UFMG/Ebserh via Agência Einstein - Assessoria de Comunicação do HC-UFMG/Ebserh via Agência Einstein
Imagem: Assessoria de Comunicação do HC-UFMG/Ebserh via Agência Einstein

Até o momento, 11 transplantes já foram realizados no local, e a taxa de cura foi superior a 90%. O procedimento ainda não é autorizado pela Anvisa, mas pode ser realizado por meio de um protocolo de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição.

"Nós avaliamos 154 possíveis doadores e apenas quatro estavam aptos a doar. Todos passaram por questionários, exames laboratoriais e exames moleculares de fezes. E aí, ao final, temos um produto que é congelado a -80ºC. É preciso um freezer especial e tudo isso é muito caro", afirma Vilela.

Segundo o pesquisador, a principal vantagem da versão industrializada aprovada nos EUA é a possibilidade de reduzir os custos do tratamento e levá-lo a cidades que não contam com bancos de doadores.

Vai facilitar a vida de muita gente. Apesar de não sabermos o custo ainda desse produto [nos EUA], é estratégico o Brasil desenvolver essa tecnologia também no futuro. Eduardo Vilela, diretor do Centro de Transplante de Microbiota Fecal da UFMG.

Até o momento, a única indicação médica cientificamente comprovada para o transplante de fezes é para casos de colite associada à bactéria C. difficile. Apesar disso, cientistas de diversos lugares do mundo já estão estudando como o transplante pode ser benéfico para o tratamento de outras doenças, como diabetes, acúmulo de gordura no fígado e até obesidade.

Versão industrializada

Assim como no Brasil, médicos dos EUA também realizam, em hospitais de todo o país, centenas de transplantes de fezes por ano. O procedimento é feito por lá desde a década de 1980 e atualmente é indicado para pacientes que tiveram infecção pelo C. difficile pelo menos três vezes.

A aprovação de uma versão industrializada do tratamento foi celebrada pela agência reguladora local. Porta-vozes da FDA classificaram a novidade como "um marco importante" porque a colite associada ao C. difficile está ligada a cerca de 15 mil a 30 mil mortes por ano nos EUA, de acordo com a agência.

"A aprovação do Rebyota é um avanço no tratamento de pacientes com infecção recorrente por C. difficile", disse Peter Marks, diretor do Centro de Avaliação e Pesquisa Biológica da FDA.

"Essa condição recorrente afeta a qualidade de vida do paciente e também pode ser potencialmente fatal. A aprovação do primeiro produto de microbiota fecal pela FDA representa um marco importante, pois fornece uma opção adicional aprovada para essa doença", completou Marks.

No Brasil, não há dados confiáveis da mortalidade provocada pela infecção por Clostridioides difficile. Isso porque, apesar de existir uma classificação específica para esta condição no SUS, em muitos casos as complicações são registradas com o nome dos principais sintomas, como diarreia ou perfuração do intestino grosso, por exemplo.

Transplante de fezes - Agência Einstein - Agência Einstein
Imagem: Agência Einstein

Para o cirurgião do Einstein e professor da USP, Sérgio Araújo, a aprovação de um produto similar pela Anvisa no Brasil poderia ajudar a popularizar a técnica. "Eu sou a favor de um produto industrial e regulamentado pela Anvisa, porque você permite que mais lugares do país tenham acesso a esse tratamento", avalia.

"Um dos grandes problemas de você medir a eficácia do transplante de fezes é que você não pode comparar tratamentos não comparáveis, ou seja, medir o impacto de um transplante feito em um hospital de São Paulo e outro do Rio de Janeiro, com doadores diferentes. Quando você tem a mesma fonte, ou seja, um só produto biológico, você pode comparar", completa o cirurgião.

O que é colite pseudomembranosa

A colite pseudomembranosa é uma doença causada pela secreção de toxinas pela bactéria Clostridioides difficile e pode acometer o intestino grosso em toda sua extensão. A bactéria se prolifera com mais frequência em pacientes que fizeram uso prolongado de antibióticos, já que ela se aproveita da diminuição no número de bactérias intestinais saudáveis para se instalar.

"A Clostridioides difficile está presente na microbiota de muita gente, a gente estima que em torno de 5% dos indivíduos sadios, ainda que de maneira transitória, tenham essa bactéria nas fezes", explica o médico da UFMG, Eduardo Vilela.

"Mas, em situações como uso de antibióticos, pode ocorrer um desequilíbrio da microbiota e o Clostridioides difficile encontra um ambiente que favorece sua propagação", completa.

Além de pacientes que tomaram antibióticos, a doença também costuma afetar pacientes com doenças imunológicas ou em tratamento oncológico, já que os medicamentos quimioterápicos também estão associados a casos de colite induzida por C. difficile.

Os principais sintomas da doença são diarreia, dores abdominais intensas e febre.

O diagnóstico atualmente é feito por exames de fezes e, em alguns casos, por meio de endoscopia.

O tratamento pode ser feito com antibióticos destinados ao controle da bactéria C. difficile. No entanto, para pacientes em que a colite se torna recorrente, o tratamento com antibióticos pode não dar resultados.

"A infecção em casos mais graves pode ter formas fulminantes e pode levar a sepse ou megacólon tóxico. Em casos muito agudos, pode ser necessário até mesmo tirar parte ou todo o intestino grosso", explica Vilela, da UFMG.

Por conta da gravidade da doença, a popularização do transplante de fezes pode ser uma saída importante para melhorar a qualidade de vida dos pacientes e também para diminuir a mortalidade em decorrência da inflamação.

"Quando chega neste ponto da colite refratária, você não tem mais alternativa de tratamento com remédio, é uma situação muito ruim. O transplante de fezes é uma solução criativa e acessível, que pode ajudar muita gente se for mais popularizada e desestigmatizada", completa Sérgio Araújo, do Einstein.