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'Não reconhecia rostos': entenda prosopagnosia, condição que 'cega' cérebro

Paula Trindade - Acervo pessoal
Paula Trindade Imagem: Acervo pessoal

Marcelo Testoni

Colaboração para o VivaBem

24/04/2023 04h00

Quando tinha 18 anos, Paula Trindade, de Mauá (SP), caiu de um cavalo e, sem capacete, bateu com a cabeça no chão. Ela desmaiou, foi socorrida e, depois que recobrou a consciência, aparentemente, parecia normal. "Dias depois, estava na rua e ouço alguém me chamar em tom contrariado: 'Nossa, passa por mim e nem cumprimenta'", lembra Paula, que hoje tem 27 anos.

A pessoa em questão era uma vizinha, que não foi reconhecida. "Foi tenso. Pensei que era pegadinha ou tentativa de golpe, mas havia na mulher algo de familiar. Só fui perceber quem era à medida que ela falava, pois reconheci sua voz", explica Paula.

Após esse constrangimento e de começar a notar dificuldade até para distinguir personagens de séries, ela procurou ajuda médica e foi diagnosticada com prosopagnosia.

Sem reconhecer feições

Prosopon, em grego, significa "rosto/feição", e agnosia,"incapacidade de reconhecer". "É um subtipo de agnosia, ou a perda da capacidade de reconhecer algo, e que, para além de rostos, pode se estender a sons, formas, sabores, cheiros, texturas, porque afeta qualquer sentido", informa Júlio Barbosa, médico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e neurocirurgião.

No meu caso, essa desordem foi provocada por uma pequena lesão neurológica, que afetou a percepção dos estímulos visuais, não a visão em si. Mas, felizmente, [a lesão afetou a percepção] de forma leve e eventual, não suficiente para me 'cegar' de reconhecer meus pais e a mim mesma. Paula Trindade

Em casos críticos, há pacientes que não diferenciam rostos de objetos, nem reconhecem a família e o próprio reflexo no espelho.

Paula - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Queda do cavalo provocou uma pequena lesão neurológica
Imagem: Acervo pessoal

Pode ser genético

Quanto às causas desse distúrbio, acreditava-se até então que fosse adquirido somente por traumatismos cranianos ou doenças que afetam áreas específicas do cérebro, como AVC, tumor, abcesso, esquizofrenia, Alzheimer.

Porém, estudos recentes sugerem que uma em cada 50 pessoas sofre de prosopagnosia em algum grau, sobretudo por origem genética hereditária.

Consequências

A incapacidade de identificar fisionomias e o estresse que isso gera impede quem tem prosopagnosia de se relacionar e a tendência é o isolamento.

Paula diz que enquanto se tratava, para não ser apontada em público como metida, arrogante ou mal-educada, apenas saia de casa acompanhada pelos parentes mais próximos ou por extrema necessidade.

Paula Trindade - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Com tratamento, Paula conseguiu reverter prosopagnosia
Imagem: Acervo pessoal

"A incapacidade de reconhecer facialmente as pessoas, principalmente as do próprio círculo, causa uma aflição é imensa e pode potencializar sensação de invalidez e baixa autoestima, de ser mal compreendido e injustiçado, e acaba levando ao desenvolvimento de ansiedade, tristeza e depressão", diz Leide Batista, psicóloga pela Faculdade Castro Alves, em Salvador (BA).

Na infância, pode ser pior. Apesar de a condição não provocar perda ou alterações de memória ou incapacidade de aprendizado, crianças nascidas com a condição acabam impedidas de qualquer interação, por nunca terem feito reconhecimento facial. Com autismo e síndromes de Asperger, Turner e Williams associados, elas ainda têm suas limitações sociais potencializadas.

Dá para reverter ou se adaptar

Para diagnosticar a prosopagnosia e suas causas, são realizados exames de imagem cerebral e testes neuropsicológicos. "Os testes são de reconhecimento de partes específicas de rostos e de percepção de expressões com ou sem mudanças, de indivíduos da população brasileira", informa Bruno Brito, psicólogo pós-graduado em neurociência pela UFP (Universidade Federal da Paraíba).

Entretanto, não há um único e específico tratamento, que pode variar desde uso de medicamentos a cirurgia e terapia ocupacional, sendo esta última bastante útil no desenvolvimento e melhora de atenção, percepção, autonomia, adaptação, motivação, humor, criatividade. O resultado também varia a depender do nível de comprometimento, idade e eficácia do que foi proposto.

"Não fiz cirurgia, mas precisei de anticonvulsivantes e uma reabilitação que durou mais de um ano, até me recuperar", diz Paula. Quando a prosopagnosia não é superada, o jeito é contornar seus déficits com a memorização de outras características, ou pistas, que ajudem a identificar alguém, entre as quais: voz, cheiro, estilo de se vestir, penteado e formato do corpo.