'Enxergo em preto e branco e não conheço cores': ela tem condição rara
Jéssica Flores Fontoura, de 25 anos, nasceu com acromatopsia completa e por isso não enxerga nenhuma cor além de preto, branco e cinza. Além de ausência de cores, o distúrbio visual ainda causa baixa visão e hipersensibilidade à luz.
No entanto, a condição nunca foi um fator limitador para a jovem. Formada em audiovisual, já fez intercâmbio nos Estados Unidos e, agora, se prepara para mudar de Gravataí (RS) para São Paulo (SP), onde vai trabalhar e morar sozinha. A seguir, ela conta a sua história:
"Quando eu tinha cinco anos, estudava em uma escola pública e a professora chamou a minha mãe para uma conversa. Ela achava estranho o fato de eu usar sempre os mesmos lápis de cor para pintar os desenhos e não os fazer coloridos, como as outras crianças da turma. A orientação era que minha mãe me levasse a um oftalmologista para verificar se eu tinha algum problema de visão.
Como meu pai sofre de miopia, eu fazia acompanhamento oftalmológico desde os meus três meses e até então nada de errado havia sido diagnosticado pelo profissional. No entanto, minha mãe seguiu a recomendação e me levou em dois especialistas, mas nada foi diagnosticado. Foi quando uma das profissionais sugeriu que ela me levasse a um neurologista.
Em um exame simples onde a médica pediu para eu separar as varetas de um jogo por cores e eu as separei em apenas três grupos, ela percebeu que havia algo de errado, que eu não identificava cores.
Após um exame mais detalhado, veio o diagnóstico: eu tinha acromatopsia completa e não enxergava diferenciação entre as cores além de preto, branco e cinza. Além de ausência de cores, o distúrbio visual ainda causa baixa visão e hipersensibilidade à luz.
Diagnóstico possibilita melhor qualidade de vida
O diagnóstico me ajudou a ter mais qualidade de vida. Quando criança, eu não gostava de brincar no quintal, ir à piscina ou parquinho, a claridade do sol me causava incômodo e não conseguíamos entender o porquê.
Logo passei a usar óculos de grau devido à baixa visão e também, desde bem pequena, sempre tive óculos de sol que me dava mais conforto quando eu saía para as áreas externas.
Ainda na infância, eu já sentia um certo preconceito das pessoas. Na escola que eu frequentava, a coordenação sugeriu que eu fosse trocada de sala e fosse para uma turma "especial", como eles chamavam, na época. Porém, minha mãe não aceitou e eu segui sendo alfabetizada em uma turma que eles intitulam de "normal".
Para enxergar a lousa eu sempre sentei na frente e muito próximo ao quadro. Além disso, eu explicava para os professores e entregava um laudo médico mostrando que eu não enxergava cores, então, eles só usavam giz branco para que eu pudesse compreender tudo o que era escrito na lousa.
A fase mais complicada, com certeza, foi a adolescência, quando o bullying e o preconceito se intensificaram. Os apelidos que os outros alunos me colocavam por eu não enxergar as cores não me afetavam, mas quando falavam da minha baixa visão me magoavam bastante.
Mas é como eu costumo falar, não tem nada que uma pessoa com deficiência não consiga fazer, então eu vou tentar.
Quando terminei o ensino médio, comecei a graduação de áudio visual, por mais irônico que possa parecer, era o que eu sempre quis. E nessa fase, mais uma vez tive que lidar com o preconceito. Alguns colegas de sala se negavam a fazer trabalho comigo por acharem que eu não iria agregar, mas os professores sempre me mostravam o contrário e muitas vezes adaptavam as aulas para me incluir.
Eu não consigo enxergar colorido, mas eu enxergo a sombra e cada sombra tem uma particularidade, uma intensidade, então eu poderia aprender de outra maneira. E assim foi até que me formei em 2019.
Armário etiquetado
Como eu separo as minhas roupas é algo que sempre atrai a curiosidade das pessoas.
Na hora de comprar alguma peça eu pergunto para a vendedora que cor que é e se as peças que escolhi estão combinando, ou então, vou acompanhada, tornando as coisas mais fáceis.
Já em casa, no começo eu dividia meu guarda-roupa por sessões: um lado roupas neutras e do outro as coloridas. Assim eu sabia que quando fosse colocar algo colorido deveria pegar uma peça do lado neutro para não ficar chamativo.
Depois passei a etiquetar as peças. Colocava em cada uma, a cor que era e ia me orientado pelo que aprendi com as pessoas.
Mas hoje, confesso que não ligo mais para isso. Coloco uma roupa e se eu olhar no espelho e achar que ficou legal eu uso! Independentemente de se as cores estão combinando ou não. Basta eu gostar da forma que eu me vejo.
Mudando de cidade
Apesar da deficiência, sempre fui muito independente, em casa e nos meus afazeres. No ano passado fiz intercâmbio em Los Angeles, nos Estados Unidos, onde morei por três meses.
Atualmente trabalho com planejamento em uma agência de publicidade e estou me preparando para mudar do Rio Grande do Sul para São Paulo, a trabalho. É uma sensação de capacidade incrível e é importante que as pessoas vejam que uma deficiência não limita uma pessoa".
O que é acromatopsia
A Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica explica que a acromatopsia é um distúrbio visual com causa genética, que se caracteriza pela ausência de visão de cores, baixa acuidade visual, fotofobia (sensibilidade à luz) e nistagmo (tremor nos olhos).
A causa desse distúrbio é a ausência de cones (fotorreceptores) na retina. Na maioria dos casos, o diagnóstico é feito ainda na infância.
Pacientes com acromatopsia completa só conseguem perceber tons de preto, branco e cinza. Pacientes com acromatopsia incompleta podem perceber algumas poucas cores.
Os principais sintomas são:
- Dificuldade para abrir os olhos em locais com muita claridade
- Tremores dos olhos
- Dificuldade para enxergar
- Dificuldade para distinguir cores
- Visão a preto e branco
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