Estimulação cerebral profunda para Parkinson muda vida; acesso é desafio
Há uma estimativa de 200 mil pessoas com doença de Parkinson no Brasil, das quais 40% teriam indicação para a cirurgia de estimulação cerebral profunda (DBS, na sigla em inglês). O procedimento consiste na inserção de eletrodos em pontos específicos do cérebro para amenizar sintomas de tremores, lentidão e rigidez.
Apesar dos benefícios comprovados, o acesso ao tratamento encontra desafios, seja porque os pacientes nem sabem que ele existe ou porque há impasses no sistema de saúde —público ou privado— que adiam a realização da operação.
"Mesmo com a doença progredindo, o efeito benéfico da estimulação é para sempre", avalia Alexandre Novicki Francisco, neurocirurgião dos hospitais Universitário Cajuru e Marcelino Champagnat, em Curitiba (PR).
Como a doença de Parkinson é degenerativa e ainda sem cura, é esperado que as medicações, mesmo que eficientes, deixem de fazer efeito após quatro ou cinco anos de uso.
Se a pessoa toma muitas doses diárias, o próprio remédio causa efeitos colaterais, como movimentos involuntários e descontrolados.
Nesses casos, a cirurgia vem para controlar esses sintomas, reduzir ou até eliminar a medicação.
Para Mônica Saldanha, 48, professora de Crisópolis (BA), diagnosticada com Parkinson aos 38, o procedimento trouxe melhor qualidade de vida.
"Antes, eu ficava quase oito horas sem poder fazer nada, sem me mexer, porque o Parkinson me dá muita rigidez e dor", conta. "Ao acordar, eu demorava uma hora e meia para ficar bem e poder trabalhar; hoje, são 30 minutos."
Como a cirurgia foi em dezembro do ano passado, ela ainda está em fase de adaptação dos eletrodos. Por isso, alguns sinais persistem, como rigidez pela manhã e, às vezes, fala acelerada. Com o tempo, a expectativa é que o quadro amenize ainda mais.
Quem pode fazer a cirurgia de Parkinson?
Ter o diagnóstico de Parkinson não implica diretamente a necessidade de operar. Há pessoas com a doença que ficam bem com os remédios por toda a vida.
O procedimento é indicado quando:
- As medicações se tornam ineficientes;
- Os efeitos colaterais dos remédios trazem danos à rotina da pessoa.
Mônica ficou em tratamento medicamentoso por cerca de oito anos, até que as dores, dificuldade de andar e fraqueza ficaram mais regulares. Os efeitos colaterais prevaleceram. Foi quando ela concordou em fazer o implante dos eletrodos.
Assim, a DBS é geralmente feita numa fase intermediária da doença: nem logo ao diagnóstico nem no quadro avançado. E, a princípio, isso independe de idade.
"Operamos com relativa tranquilidade até os 70 anos de idade. Vai da idade biológica, que é diferente da cronológica", diz Francisco, que conta já ter operado paciente acima de 80 anos. "Mas a partir dos 70 anos, o cuidado é maior."
O que considerar para a cirurgia
Junto aos efeitos da medicação, é preciso avaliar o estado clínico, cognitivo e psicológico da pessoa. Idosos debilitados, acamados, não serão elegíveis; mas se estiverem lúcidos, ativos e com certa independência, podem ser considerados.
O neurocirurgião Leonardo Avellar, chefe do serviço e da residência de neurocirurgia do Hospital Geral Roberto Santos, em Salvador, pondera que pacientes jovens e resistentes podem ser cogitados para a cirurgia também.
"Quando muito jovem, achamos que vai ter muito benefício, para evitar problemas com medicação que vai usar cronicamente. Vai reduzir a dose e se proteger. É um raciocínio válido cientificamente, pelo tempo de exposição que vai ter à doença", explica.
Como a cirurgia é feita?
A cirurgia de estimulação cerebral profunda é muito minuciosa na parte de planejamento e a execução é milimetricamente calculada.
A primeira etapa é colocar um arco estereotáxico (foto mais abaixo) na cabeça da pessoa e levá-la para uma tomografia. No exame, por meio de softwares, os médicos criam uma espécie de mapa do cérebro, com coordenadas, para localizar o ponto exato onde o eletrodo será posto.
O local depende do problema a ser tratado, se são os tremores, a falta de equilíbrio ou a perda de força.
O resultado da tomografia é cruzado com imagens de ressonância magnética para confirmar se não há vasos sanguíneos no caminho que será perfurado para implantar o eletrodo no cérebro.
Na mesa cirúrgica, ainda com o arco na cabeça, a pessoa permanece acordada, com anestesia local. Dois cortes de quatro centímetros são feitos na parte frontal da cabeça e, em seguida, dois pequenos furos no crânio.
Com muita precisão, um eletrodo de teste é colocado no cérebro, em que os médicos avaliam a resposta imediata (se os tremores pararam, por exemplo).
Se estiver tudo certo, os eletrodos definitivos são colocados. Geralmente são dois, um de cada lado do cérebro.
Por fim, com anestesia geral, a equipe médica implanta um pequeno gerador abaixo da clavícula da pessoa, semelhante a um marca-passo, que vai enviar os pulsos elétricos para o cérebro. Todo o procedimento dura de quatro a seis horas.
Avellar, que operou Mônica, conta que ela tinha rigidez na mão. Ao segurar a mão dela após a implantação do eletrodo, já se notava melhora.
Dez médicos = dez tratamentos diferentes
Essa resposta instantânea impressionou o padre Valnei Pedro Reghelin, 57, que fez a cirurgia em 2015. "Você fica conversando com os médicos, isso é muito interessante", conta.
Para ele, que recebeu o diagnóstico aos 37 anos, a cirurgia eliminou as medicações após três meses.
Antes, ele também adotou remédios que, com o tempo, não controlavam mais os tremores na mão —preferindo escondê-la atrás das costas. A rigidez também afetou a perna direita e o rosto.
Valnei consultou cerca de dez médicos, no Brasil e no exterior, e cada um sugeria um tratamento diferente. Ele chegou a fazer uma talamotomia, procedimento parecido com o DBS, mas temporário, que estabilizou a doença por sete anos. Porém, os sintomas retornaram.
Para compreender e lidar com tantas mudanças, o padre diz que os acompanhamentos médico e psicológico foram fundamentais.
Uma psicóloga falou que eu tinha que pôr na cabeça que eu tenho Parkinson, mas eu não sou o Parkinson. Valnei Pedro Reghelin
Hoje, oito anos após a DBS, ele se sente muito melhor. "Controla totalmente tremores e alivia um pouco a rigidez muscular", descreve. Valnei faz tratamentos paralelos que auxiliam nos sintomas, como fonoaudiologia (devido a um enrijecimento da garganta que afetou a voz), fisioterapia e, mais recentemente, equoterapia.
Acesso à cirurgia
"Infelizmente, é uma tecnologia que muitos pacientes não sabem da existência", diz Vanessa Milanese, diretora de comunicação da SBN (Sociedade Brasileira de Neurocirurgia), sobre a cirurgia de estimulação cerebral profunda.
A falta de informação é um empecilho para o acesso ao tratamento, mas há questões burocráticas também. O procedimento está no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), mas Mônica conta que o plano de saúde dela negou o pedido. A justificativa dizia que não era seguro.
Ela acionou a Justiça e, após um ano e seis meses, conseguiu o aval da operadora. A professora relata outras dificuldades no tratamento. "Na cidade onde moro, não consigo comprar minha medicação subsidiada pela Farmácia Popular. Preciso viajar 90 km." No estado vizinho, Sergipe, ela compra o remédio por um custo três vezes menor do que na Bahia.
Em situação diferente, o padre Valnei também realizou a cirurgia pelo plano de saúde em Curitiba, mas sem restrições, mesmo sendo uma operação de alto custo. Milanese comenta que as tecnologias são caras, mas o surgimento de novas empresas que fornecem os equipamentos faz aumentar a concorrência e reduzir o preço.
Mesmo assim, há desafios. "Ao mesmo tempo que tem tecnologia, acaba sendo oneroso para o sistema de saúde como um todo", diz. E, segundo ela, há "uma certa restrição" de investimento no setor público. No momento atual, ela acrescenta que a pandemia fez reduzir a verba para diversos procedimentos eletivos.
Outro fator que encarece o procedimento é a logística. Os aparelhos, geralmente, saem de São Paulo para todo o país, e o valor do transporte é embutido no preço final. Seria mais caro destinar à Bahia, por exemplo, do que ao Paraná.
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