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Por má-formação, ele usou fralda até os 9: 'Lembro da 1ª viagem à praia'

Renan relembra de episódios de bullying que sofreu na escola por usar fralda até os 9 anos - Arquivo pessoal
Renan relembra de episódios de bullying que sofreu na escola por usar fralda até os 9 anos Imagem: Arquivo pessoal

Janaína Silva

Colaboração para VivaBem

28/04/2023 04h00

Renan Augusto Costa Bernardo, 29, nasceu com uma má-formação chamada espinha bífida (mielomeningocele) que prejudica o desenvolvimento da bexiga, intestinos e membros inferiores. Com isso, ele não tinha o controle da urina —condição conhecida como bexiga neurogênica— e, até os 9 anos, usou fraldas e passou por constrangimentos e bullying na escola.

Após uma cirurgia que ampliou o órgão, ele ganhou mais autonomia e independência, mesmo que tenha que usar uma sonda para esvaziá-la de 4 em 4 horas. "Convivo até hoje com a condição, já que não há cura", afirma.

Renan estuda direito e pretende atuar com questões relativas a pessoas com deficiência. Vive em Indaiatuba, interior paulista, e é voluntário no conselho municipal da pessoa com deficiência de sua cidade e da comissão da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) local, atuando em plantão jurídico voltado ao tema. Abaixo, ele conta sua história:

"Não era uma vida fácil. Recordo-me de dois episódios de bullying na escola. Em uma brincadeira de criança, uma amiga percebeu que eu estava de fralda. No segundo, estava ensaiando para uma apresentação e a música era 'Vamos Pular'. Quando pulei, sem perceber e como era de se esperar, a urina vazou e tive que ir correndo ao banheiro e lá fiquei até que minha mãe viesse me buscar para me levar para casa.

Ouvia sempre frases como: 'é frescura, é brincadeira normal de criança, precisa aprender a lidar'. Ninguém considerava, na época, o impacto que isso representa na vida de uma criança e, depois, como adulto.

Lembro de cada detalhe da internação e de toda a equipe médica que sempre fez questão de explicar todo o procedimento para que não ficasse nenhuma dúvida, mesmo eu sendo uma criança à época.

Toda equipe do Cacau* sempre esteve —e ainda está— à disposição para responder indagações, orientar e fazer o acompanhamento necessário. Sou muito grato a todos eles pela atenção.

Recordo-me da minha mãe, ainda antes da cirurgia, questionando sobre se haveria prejuízos à vida sexual futura. E como se tratava apenas da bexiga e do trato urinário, não houve outros comprometimentos.

Renan Augusto Costa Bernardo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Renan quando estudou no Senai
Imagem: Arquivo pessoal

Aprendi a maneira correta de usar a sonda, higienizar as mãos, identificar se o local é apropriado ou não e se há espaço suficiente. Não que precise ser estéril como um hospital, mas limpo.

Esse aprendizado é importante para que seja possível ensinar outra pessoa a fazer, se necessário.

Após a cirurgia, só quem eu quero que saiba da minha condição e da necessidade de usar uma sonda para esvaziar a bexiga tem conhecimento. Do contrário, nem percebem.

Algumas vezes, passo por situações nas quais sou questionado por usar o banheiro para pessoas com deficiência, pois muitos pensam que é apenas para cadeirantes.

Tenho uma vida comum, contudo, tomo certos cuidados, principalmente para evitar infecções.

Renan Augusto Costa Bernardo 3 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Renan prestes a dar um mergulho
Imagem: Arquivo pessoal

Como a ampliação da bexiga empregou parte do intestino, à medida que cresci, o órgão também acompanhou o desenvolvimento. Às vezes, acontece de eu ter pedra na bexiga, sem maior gravidade.

Graças à assistência do Cacau, pude dormir fora de casa quando ainda era criança, lembro da primeira viagem à praia, fiz curso no Senai, me formei eletricista.

Sem o apoio dessa entidade e da equipe do médico Antonio Macedo Jr, não teria tido coragem para fazer nada disso. Fiz uma viagem internacional, pratico esportes e sou mergulhador certificado."

O que é bexiga neurogênica?

A bexiga neurogênica é uma condição decorrente da espinha bífida, chamada também de mielomeningocele, que consiste em uma má-formação da coluna, na parte mais baixa, a sacral.

Nessa região estão as raízes nervosas que vão para a bexiga, para o intestino e, também, para parte de membros inferiores.

Na bexiga, os nervos são afetados e, em quase 90% dos casos, as crianças vão precisar de ajuda para urinar, seja com passagem de sondas ou de cirurgias, como a do Renan.

É preciso fechar a medula primeiramente. Desde 2011, a correção é feita antes de a criança nascer, em uma cirurgia intrauterina que envolve equipes de neurocirurgia e medicina fetal.

"Entretanto, após o nascimento, todas terão bexiga neurogênica", afirma Antonio Macedo Jr, urologista pediátrico, professor livre-docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e um dos idealizadores do Cacau.

Os casos dessa condição, em sua maioria, são cirúrgicos, mas há situações em que a operação para reconstrução e aumento da bexiga é desnecessária.

Essas crianças precisam ser avaliadas por urologista pediátrico para classificar o tipo e iniciar o tratamento. "A meta número 1 é não deixar o paciente ter infecções urinárias, porque elas prejudicam os rins que podem perder funções e deixar de funcionar, exigindo transplante ou diálise."

O médico realiza a cirurgia feita em Renan desde 1998 e 600 pacientes já passaram por ela. Desde o ano 2000, o procedimento leva o nome do urologista pediátrico Antonio Macedo Jr, que é referência mundial.

A cirurgia consiste na retirada de 40 cm do intestino para expandir o órgão cujas funções são armazenar e eliminar a urina. Ele conta que foram feitos testes para confecção da bexiga em laboratório, no entanto nada funcionou.

Com a expansão, é feita uma saída por meio de uma válvula, como se fosse um umbigo na barriga, em que a sonda é inserida a cada 3 ou 4 horas, para esvaziá-la.

"A ampliação é como um paraquedas que expande devido à urina. Porém, as paredes do intestino são mais finas e não possuem musculatura, por isso a urina é retirada por sonda."

*A operação e todo o acompanhamento de Renan foram feitos com o apoio de instituições como o Cacau (Centro de Apoio à Criança com Anomalia Urológica) e a FAH (Fundação Amor Horizontal) que recebe doações de pessoas físicas e empresas por meio do site amorhorizontal.org, e distribui os recursos às organizações voltadas à melhoria da qualidade de vida das crianças no Brasil.