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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


À espera de um pulmão: 'Tudo difícil, desde tomar banho até amarrar cabelo'

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Rebecca Vettore

Colaboração para VivaBem

30/04/2023 04h00

Com menos de 25% do pulmão funcionando, Julia Alvares Dal'la aguarda há 6 meses na fila de transplante de pulmão. A paranaense de 19 anos nasceu com fibrose cística e teve uma vida relativamente normal, até que, em 2021, a doença rara e crônica, que atinge 70 mil pessoas em todo mundo, começou a progredir de uma forma mais agressiva, levando a jovem a passar mais tempo internada do que em casa. Abaixo, ela conta sua história:

"Nasci com esta doença. A descoberta foi feita enquanto eu ainda estava na maternidade com o teste do pezinho. Meu irmão também tem a doença, mas ainda não precisa entrar na fila de transplante.

Desde pequena tive uma vida relativamente normal, meu pulmão funcionava bem, porém ele ficou debilitado nos últimos anos. A única diferença na escola entre meus amigos e eu é que nunca consegui fazer atividade física e na adolescência sempre precisei andar mais devagar do que as outras pessoas.

Tive minha primeira pneumonia com 8 anos e depois ela aparecia uma vez por ano. O tratamento era feito com antibióticos.

Mas em 2021, enquanto estava no segundo ano de medicina, as coisas mudaram. Passei a ter pneumonia a cada 2 meses praticamente, e os remédios de antes não estavam mais resolvendo porque as bactérias (pseudomonas) que tenho no pulmão ficaram mais resistentes. Por isso, passei a ficar internada com frequência e tranquei a faculdade.

A doença foi progredindo mais rápido e em janeiro do ano passado, como não tinha nenhum remédio ou tratamento que resolvesse minha doença, e a capacidade pulmonar passou a 30%, recebi a indicação médica para entrar na fila do transplante.

Há um ano passei a usar oxigênio 24 horas por dia e já não aguento caminhar muito tempo.

Mas não foi rápido entrar na fila, passei por muita burocracia. Fiz muitos exames e só entrei na fila há 6 meses. Como na minha cidade (Maringá/PR) não fazem esse tipo de cirurgia, me mudei para Porto Alegre junto com a minha mãe.

Deixei tudo para trás na esperança de conseguir a doação de um pulmão. Enquanto aguardo, vou três vezes por semana ao hospital para fazer fisioterapia para meu físico aguentar o novo órgão.

@julia.dallago1

Espero que gostem, estou tentando aparecer mais pra voces ??

? som original - Julia Alvares Dal'la

Antes da minha última internação por pneumonia, a capacidade do meu pulmão estava em 25%. Acredito que agora já deve ter diminuído. A cada nova internação eu fico mais fraca.

Antes, na fisioterapia, conseguia fazer 30 minutos de esteira, hoje só consigo fazer 5 minutos.

Só fico em casa, inclusive para comer, para não pegar nenhuma doença. Quase todas as atividades do meu dia a dia estão difíceis de executar, desde tomar banho até amarrar o cabelo.

Faz pouco mais de uma semana que saí da última internação, mas vivo no hospital. Só para ter uma ideia, nos últimos seis meses precisei internar quatro vezes para tratar a pneumonia. A cada internação, ficava 20 dias no hospital. Então, desde outubro, passei 80 dias internada no hospital. Fico mais lá do que em casa.

Apesar de ser ruim ir toda hora ao hospital, tem um lado bom, que é poder me distrair conversando com outras pessoas. A equipe que me atende acabou virando uma segunda família.

No começo, quando mudei de cidade, foi mais difícil aguentar a saudade do meu pai, irmão e amigos, porém já me acostumei. A parte mais difícil tem sido esperar. Tenho medo de não aguentar esperar o transplante porque há pouca doação de órgãos. É bem complicado, já faz 20 dias que a gente não tem transplante por aqui. Falta conscientização.

Foto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Julia Alvares Dal'la fazendo fisioterapia
Imagem: Arquivo pessoal

Por isso, se você quer ser doador de órgãos, avise seus familiares. Acontece tudo normalmente, diferentemente do que as pessoas pensam, não deforma o corpo do doador.

A doação de órgãos é o ato mais bonito que o ser humano pode ter de amor ao próximo. Conseguir um transplante representaria a chance de ter uma nova vida."

Saiba mais sobre a fibrose cística

Também conhecida como doença do beijo salgado ou mucoviscidose, a fibrose cística é uma enfermidade genética recessiva. Por isso, de acordo com Alexandre Borges, pneumologista do HSF (Hospital São Francisco na Providência de Deus) e membro da SPT-RJ (Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Estado do Rio de Janeiro), os filhos vão desenvolver a doença, assim como aconteceu com a Julia e Murilo, se o pai e a mãe tiverem o gene da doença.

"Os pais da Julia devem ser portadores do gene da doença, mas não têm a fibrose e coincidiu de passarem, cada um, um gene para a filha, e ela manifestar a enfermidade. A doença altera todo o funcionamento das glândulas que produzem as secreções do pulmão, do pâncreas e do fígado. Nos homens também atrapalha a fertilidade", explica Borges.

A doença afeta de maneira igual homens e mulheres e acomete em torno de 70 pessoas a cada 100 mil nascimentos. A evolução da fibrose cística é progressiva e acontece de forma diferente em relação aos órgãos afetados, mesmo em casos de irmãos. Como a fibrose nasce junto com o paciente é comum ver a fase mais agressiva durante a juventude.

O nome beijo salgado é dado à doença porque quando criança, o paciente desidrata facilmente e o suor dele fica com um valor de sódio muito mais alto do que quem não tem a fibrose. Se você beijar essa paciente, vai sentir um gosto salgado.

Entre os outros sintomas, a barriga da criança pode inchar bastante porque o intestino ficou preso. "A pessoa fica bem no início se hidratando bastante, tomando xaropes mucolíticos, fazendo dieta para preservar os órgãos, como pâncreas e tubo digestivo. Mas, ao longo do tempo, os pacientes têm uma tendência de desenvolver diabetes, cirrose hepática, além do quadro de pneumonia", conta Borges.

Como não tem cura, o pneumologista do HSF explica que os tratamentos disponíveis são para cuidar daquilo que a doença vai mostrando, por exemplo, se o paciente desenvolver diabetes, vai tratar com insulina, dieta e medicação. Já se tiver pneumonia, o médico vai entrar com antibiótico, fisioterapia e vacinas para prevenção de infecção.

Em casos mais graves, como da Julia, a indicação é entrar na fila do transplante. Para metade dos pacientes que recebem o pulmão e não há rejeição, o tempo de sobrevida chega a 5 anos, segundo Borges. "Mesmo que o transplante seja um sucesso, ele não cura a doença. A fibrose continua nos outros locais que ela atinge, seja no pâncreas, no trato final, etc."