Ela aguardou 7 anos por bariátrica no SUS: 'Achei que obesidade me pararia'
Com 140 kg e complicações devido à obesidade, a enfermeira Ana Nery, 50, entrou na fila do SUS para fazer a cirurgia bariátrica, mas a vaga para operar só saiu sete anos depois. "É muito para quem está doente."
Moradora de Volta Redonda, Ana tem feito todo o tratamento num hospital no Rio de Janeiro. Apesar da demora, ela afirma ser grata e diz que a espera valeu a pena. Conheça a história dela:
"Meu problema com a balança começou aos 30 anos, quando fui diagnosticada com hipotireoidismo e tive um ganho de peso muito rápido, fui dos 65 kg aos 100 kg em dois anos. Com o tempo, e a combinação entre alimentação ruim e sedentarismo, esse número só foi aumentando até chegar a 140 kg.
Geralmente comia muita fritura, hambúrguer, pizza, doce, refrigerante, e quase não bebia água e não consumia frutas, verduras e legumes. Também não praticava exercício físico regularmente, me sentia cansada e ofegante quando fazia caminhadas esporadicamente.
Fiz várias dietas para perder peso, mas parava na metade porque me sentia frustrada em não conseguir o resultado esperado. Até emagrecia alguns quilos, mas sofria com o efeito sanfona e voltava a engordar novamente.
Também tomava remédios para emagrecer sem prescrição médica, mas passava mal com os efeitos colaterais, tinha dores de cabeça, enjoos, fraqueza e náuseas.
A obesidade é uma doença que mexe muito com o emocional, perdi a vaidade, a autoestima e o amor-próprio. Não me aceitava, tinha vergonha do meu corpo, não gostava de me olhar no espelho, só usava roupas plus size, não tinha uma vida social, evitava ir a festas e eventos.
Parei de andar de ônibus porque morria de medo de ficar presa na catraca, ou de sentar em uma cadeira de um lugar público e ela quebrar.
Ao longo dos anos desenvolvi vários problemas de saúde devido à obesidade, desde dificuldades para andar, a lesões no joelho e tornozelo, e quadros de hipertensão e insuficiência venosa.
Em 2014, fui diagnosticada com gordura no fígado, o médico disse que eu precisava seguir uma dieta balanceada e emagrecer senão poderia ter complicações.
Fiquei com medo de morrer por conta da obesidade, queria a chance de ter uma vida melhor e mais saudável, mas já tinha tentado de tudo por conta própria. Como enfermeira, meu papel é cuidar das pessoas, mas era eu que estava precisando de ajuda.
Em 2015, entrei na fila do SUS para fazer a cirurgia bariátrica, sabia que podia demorar, mas não imaginava que era tanto. A vaga para operar só saiu sete anos depois, em 2022.
Nos primeiros anos até me ligavam uma vez por ano para saber se eu ainda tinha interesse em continuar na fila, mas depois pararam. Cotei o valor do procedimento em alguns hospitais privados, a média era R$ 30 mil, passei a guardar dinheiro, mas nunca era o suficiente.
Com o passar dos anos, minha saúde foi piorando, ficava 10 minutos em pé e já precisava sentar para descansar. Conheci algumas pessoas que morreram antes de conseguir a cirurgia, isso só aumentava minha tristeza e ansiedade.
Chegou um momento que perdi a esperança de ser chamada pelo SUS para fazer a bariátrica e só pensava: 'Uma hora a obesidade vai me parar'.
'Chorei de emoção quando recebi ligação falando que havia vaga'
Em 2021, atingi o peso máximo de 140 kg. Em 2022, recebi uma ligação informando que havia uma vaga para fazer a cirurgia. Chorei de emoção e alegria, foram anos esperando por esse telefonema.
A atendente me explicou todas as etapas e na semana seguinte já passei na consulta com o cirurgião bariátrico e com a equipe multidisciplinar. Na época, estava com 136 kg e IMC (índice de massa corporal) de 52, quadro de obesidade mórbida.
O médico explicou que ele faria o 1%, os outros 99% eram minha responsabilidade, o sucesso do tratamento dependia de mim. Era a minha chance de mudar de vida, agarrei a oportunidade com tudo.
Segui todas as recomendações, passei a me alimentar melhor, a fazer caminhadas diariamente e a mudar minha mentalidade.
Fui submetida a técnica de bypass gástrico no dia 1º de agosto de 2022, pesando 134 kg. Minha recuperação foi ótima, não senti dor e tive uma boa adaptação a todas as mudanças.
Comecei a fazer academia pela primeira vez na vida, aos 50 anos. Faço treinos de musculação e aeróbico três vezes por semana acompanhada de um personal trainer. Nos outros dois dias, caminho e corro na rua. Tenho uma alimentação balanceada, peso as comidas, ando com marmitinhas na bolsa térmica e como de 3h em 3h.
De agosto de 2022 a fevereiro de 2023, já eliminei 42 kg, estou pesando 92 kg —o médico disse que esse resultado era esperado para 1 ano pós-bariátrica. A meta estabelecida com a nutricionista é chegar a 70 kg.
Minha saúde melhorou consideravelmente, não tenho mais nenhum daqueles problemas, apenas faço o controle do hipotireoidismo com medicação e exames. Me sinto bem, com disposição, vitalidade e recuperei minha autoestima.
Minha experiência com o SUS teve dois lados. O negativo foi a espera, sete anos na fila para quem está doente é muito tempo, é desesperador.
O lado positivo foi que a partir do momento que saiu a vaga foi tudo rápido. Fui bem tratada e acolhida pela equipe e fiz todo o processo, desde as consultas, exames pré-operatórios, cirurgia e acompanhamento pós-cirúrgico, sem pagar nada.
Se assim como eu, a pessoa só tiver essa opção, é uma espera que apesar de longa, vale a pena. Sou muito grata ao SUS. A cirurgia bariátrica e a mudança por um estilo mais saudável transformaram a minha vida, ganhei uma nova chance de viver."
Saiba mais sobre cirurgia bariátrica
A cirurgia bariátrica é indicada para pessoas com obesidade que estiverem com IMC (índice de massa corporal) acima de 35 associado a alguma comorbidade ou acima de 40 independentemente de comorbidade.
Recentemente, a cirurgia bariátrica foi aprovada pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) para pacientes com IMC de 30 a 35, e diabetes do tipo 2 sem sucesso no controle com outros tipos de tratamentos.
No Brasil, são permitidas duas técnicas de cirurgia bariátrica:
O bypass gástrico reduz o tamanho do estômago através de grampeamento, sem retirar nenhuma parte do órgão ou do intestino. O procedimento é feito por um desvio, diminuindo o espaço para o alimento e promove o aumento de hormônios que dão saciedade. Também ajuda no controle de outras doenças, como diabetes tipo 2 e hipertensão arterial.
Na técnica da gastrectomia vertical, o estômago é transformado num tubo e fica com capacidade reduzida e, consequentemente, menor espaço para os alimentos. Também é eficaz no controle da doença obesidade e suas comorbidades.
Os cuidados antes da cirurgia incluem a realização de vários exames pré-operatórios, como endoscopia digestiva, ultrassom abdominal e exames laboratoriais. Além disso, é imprescindível a avaliação por uma equipe multidisciplinar formada por cardiologista, psiquiatra, psicólogo, nutricionista e endocrinologista.
Os cuidados no pós-operatório incluem uma dieta líquida até 15 dias após o procedimento; uma dieta pastosa por duas semanas e, por fim, a dieta normal, sempre sob orientação médica.
Um mês após a intervenção, a pessoa está liberada para fazer atividade física. Nos meses seguintes, é necessário fazer um acompanhamento com consultas periódicas e exames desde que exigidos pelo médico.
A bariátrica no SUS
No Brasil, em média, o paciente espera cinco anos pela cirurgia bariátrica no SUS. Apesar do aumento da obesidade e da progressão da doença, houve queda no número de cirurgias bariátricas no Brasil.
Segundo levantamento do Ministério da Saúde, o número de cirurgias bariátricas realizadas pelo SUS caiu 81,7% em 2021, se comparado a 2019.
Durante a pandemia, muitas cirurgias eletivas foram adiadas, o que elevou consideravelmente o tempo de quem aguarda o procedimento.
Fonte: Fernando Barros, cirurgião bariátrico, professor adjunto do Departamento de Cirurgia da UFF (Universidade Federal Fluminense), membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica.
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