Nascer 'sem ânus' é gravíssimo: 'Minha filha podia morrer em 48 horas'
Rosângela* viveu uma gestação tranquila e deu à luz a filha em um parto sem muitas perturbações. Mas, minutos após dar o primeiro abraço no bebê, os médicos tiveram que tirá-la do colo às pressas, porque perceberam que a criança havia nascido com uma anomalia anorretal.
Conhecida popularmente como ânus imperfurado, a condição impede que o mecônio saia —o que pode ser fatal. O diagnóstico é feito por exame físico e radiografias e, se não tratado, pode evoluir para uma grave infecção, sepse, entre outros problemas.
No pré-natal, porém, é muito difícil de ser detectado, mas há tratamento e a criança pode viver normalmente. A VivaBem, Rosângela deu o seu relato:
Minha filha nasceu de parto normal. No dia, a médica me entregou ela e depois disse que iria levá-la para fazer uma avaliação rápida. Só que demorou. Nisso, eu vi a médica chamando o meu marido e só ouvi que tinha dado alguma malformação.
Ele saiu correndo da sala e eu só conseguia pensar: 'no ultrassom, ela tinha todos os dedos da mão e do pé!'.
Um tempo depois, a médica veio falar comigo e disse que a minha filha havia nascido com ânus imperfurado e precisaria operar em 48 horas. Foi horrível, eu fiquei desesperada.
Estava exausta e em transe. Tinha ficado muito feliz pelo nascimento da minha filha e, de repente, veio uma avalanche. Eu nunca tinha escutado falar nisso, não sabia que existia. Como assim um bebê que nem veio para mim já teria que operar e ir para a UTI?"
Estava em um isolamento após o parto e foram umas duas horas chorando desesperada sem saber o que iria acontecer.
A minha filha foi para a UTI fazer os exames e, naquele dia, ainda não operaria. Eu subi para o quarto e sabia que não poderia amamentá-la.
Na manhã seguinte, informaram que a ela tinha uma fístula, ou seja, um buraquinho entre onde viria a ser o ânus e a vagina. O organismo dela tinha feito um atalho naturalmente para ela conseguir evacuar.
Tivemos sorte, isso não acontece em todas as crianças e nos deu tempo. Então, finalmente, pude amamentá-la.
Naquela tarde o médico veio, conversamos e ele explicou que era um caso mais simples. Já tinham feito ultrassom e visto que o sistema digestivo dela era perfeito e ela tinha todos os caminhos, só não tinha mesmo o ânus. Era um tipo de má-formação menos grave, contornável.
Então, ele disse que poderíamos operar em cerca de um mês, quando ela tivesse um peso específico. Quando chegamos em casa, foi tudo normal, como se nada tivesse acontecido. Em um mês, ela fez a cirurgia.
Nessa fase, ela ficou dez dias na UTI, sendo monitorada.
A pior parte foram os dias pós-operação, porque ela precisou ficar em jejum por quatro dias para não evacuar e cicatrizar bem. Ela chorava de fome, ainda que estivesse sendo nutrida pela veia. Mas, depois, foi tudo bem.
No pós-operatório, fazíamos um exercício, como de fisioterapia, para que o ânus não fechasse após a cicatrização da cirurgia.
Aos 6 meses, ela começou a comer de verdade e tentávamos dar uma reforçada nos alimentos com fibras. Se ela ficasse dois dias sem evacuar, já era desesperador.
Seguimos um protocolo até ela completar um ano. No começo ela chorava, mas depois se acostumou. O médico, na época, disse que muitos pais desistem, porque as crianças ficam resistentes, e aí precisa refazer a cirurgia, por isso fizemos até o final.
Hoje, a vida é normal. Só continuo tentando manter uma alimentação rica em fibras.
No começo, foi um processo pesado. Foi bom poder conversar com uma amiga de uma amiga, cujo filho passou por situação parecida. Ajudou a me tranquilizar.
Por isso, é importante compartilhar. É uma condição muito desconhecida, pouca gente sabe que existe."
Entenda a anomalia anorretal
A anomalia anorretal (AAR) é uma falha no desenvolvimento do feto durante a gestação, sem causa específica, que corre em 1 a cada 4 mil nascidos vivos.
É popularmente chamada de 'ânus imperfurado', pois em alguns tipos a criança nasce sem nenhum orifício na pele, por onde exteriorize mecônio após o nascimento.
Elber Nordi, cirurgião pediatra da BP (Beneficência Portuguesa de São Paulo)
Há uma curiosidade em torno do tema, porque Sasha Meneghel, filha da Xuxa, já precisou desmentir diversas vezes que nasceu com essa condição.
Quando ocorre essa má formação, uma pele recobre a área onde o ânus deveria estar. Essa pele pode ter vários centímetros de espessura ou ser apenas uma membrana fina. Isso vai definir se há alguma abertura estreita ou se ela está totalmente ausente.
Na maioria dos casos, os bebês precisam passar por uma cirurgia imediatamente para criar uma passagem para as fezes.
Mas há casos em que a criança primeiro faz uma colostomia temporária (uma pequena abertura na parede abdominal que é conectada ao cólon para permitir a passagem das fezes para dentro de um saco plástico preso à parede abdominal).
Às vezes, alguns sinais indiretos na ultrassonografia podem sugerir a anomalia, mas é muito difícil realizar um diagnóstico quando a mãe ainda está gestando a criança. Outras más-formações podem ser sinal de alerta, como as renais, esofágias, cardíacas ou de coluna vertebral e outros membros.
O tratamento é sempre cirúrgico. Quando há fístulas, como o caso da filha de Rosângela, o procedimento é bem menos complexo. Uma única cirurgia posiciona o reto no local original do ânus.
Após correção final, o paciente costuma ter vida normal, porém há crianças que enfrentam outros problemas devido à associação de más-formações.
*Nome alterado para preservar a identidade da criança e da entrevistada.
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