Com doença genética, ela faz transfusão de sangue a cada 20 dias por 7 h
Quando tinha 1 ano de idade, Poliana Pacífico começou a ter sintomas que a levaram a ser diagnosticada com anemia. O tratamento com infusão de ferro não surtiu efeito, porque, afinal, o problema não era causado pela deficiência do mineral.
Mais tarde, uma investigação mais detalhada confirmou que, na verdade, ela tem talassemia maior, condição genética e hereditária que afeta a produção de hemoglobinas. Se não identificada e tratada precocemente, a doença progride com complicações para diferentes órgãos e pode levar à morte.
Com o diagnóstico correto, ela começou o tratamento com transfusão de sangue por volta dos 3 anos de idade. Poliana, hoje com 50 anos, tem algumas memórias dessa fase. Estresse, a veia que "se perde", furos em mais de um lugar.
É o tipo de coisa que não tem como explicar para uma criança.
Para dar conta, ela desenvolveu alguns mecanismos, como o de concessão, em que só faria o procedimento se determinada enfermeira estivesse presente. "Mas sempre fui uma criança que sabia que aquilo tinha de ser feito, não questionava muito." De certa forma, a pessoa se acostuma a tratar uma doença crônica, por toda a vida.
A vivência de Poliana estimulou os pais dela a se unirem com outras famílias para criar a Abrasta (Associação Brasileira de Talassemia) em 1982. A organização busca disseminar informações, acolher pacientes e desenvolver estratégias para o acesso ao tratamento.
A causa tem data marcada: 8 de maio, Dia Internacional da Talassemia. O tema da campanha deste ano destaca a importância da educação sobre a doença para driblar as lacunas do tratamento.
O que é talassemia?
A resposta a essa pergunta tem várias camadas.
Existem diferentes tipos de talassemia —tanto que se fala em síndromes talassêmicas— e cada uma tem seu grau de complicação.
Para começar, a talassemia é uma doença genética que ocorre pela mutação do gene envolvido na produção de hemoglobinas, que estão nos glóbulos vermelhos e são responsáveis por levar oxigênio para todo o corpo.
Também é uma condição hereditária, ou seja, passa de pais para filhos. Mas, dependendo da mutação, a pessoa pode portar o gene sem manifestar a doença.
Agora, é preciso entender que uma hemoglobina é formada por proteínas chamadas alfaglobinas e betaglobinas.
Quando a mutação genética afeta a produção de alfaglobinas, ocorre a talassemia alfa.
Quando a mutação do gene impacta a produção de betaglobinas, resulta na talassemia beta.
O impacto em uma dessas globinas ou nas duas prejudica a produção de hemoglobinas, que ficam com a função comprometida.
Por isso a transfusão de sangue é necessária, para "alimentar" o organismo com hemoglobinas saudáveis.
O terceiro ponto é que, dentro dessas classificações, a doença ainda pode se manifestar —ou não— de formas diversas:
- A talassemia beta pode ser maior, intermediária ou menor.
- Já a talassemia alfa pode ocorrer como portador silencioso (a pessoa carrega a mutação genética, mas não tem a doença), traço alfa talassemia, doença da hemoglobina H e hidropsia fetal.
É onde a mutação ocorreu que vai determinar o tipo da doença. E para a enfermidade se manifestar, é preciso que a pessoa tenha herdado o gene com mutação de ambos os genitores.
Sintomas e complicações da talassemia
Enquanto o portador silencioso não tem sintomas, os que manifestam a doença têm sinais variados.
"Na alfa-talassemia e beta-talassemia menor, como tem anemia leve, ela pode se manifestar com cansaço, observado mais nas mulheres em idade adulta", explica Sandra Loggetto, gerente médica do Ambulatório de Transfusões para Hemoglobinopatias do Banco de Sangue de São Paulo.
Na talassemia maior, na intermediária e na doença da hemoglobina H, os sintomas são mais intensos. Como há menos produção de hemoglobinas saudáveis, pode ocorrer:
- Cansaço;
- Palidez;
- Olhos amarelados;
- Aumento de baço e fígado.
Poliana considera "inevitável" ter complicações por conta da talassemia, inclusive pelos efeitos colaterais das medicações. Ela teve catarata aos 18 anos e retirou o baço há cerca de 15 anos. Além disso, desenvolveu osteoporose precoce, decorrente do aumento da quantidade de ferro no organismo devido às constantes transfusões de sangue.
Como diferenciar anemia de talassemia?
Deficiência de ferro é a principal causa de anemia, mas nem toda anemia é causada pelo déficit do mineral. Loggetto afirma que o hemograma de uma pessoa com essa condição é parecido com o de alguém que tem talassemia, então o diagnóstico pode ser confundido.
Nesses casos, a infusão de ferro sem necessidade para talassemia pode intensificar o quadro. "E quanto mais tarde iniciar o tratamento correto, mais chance de complicação", diz a especialista. Mas tem como dosar a quantidade de ferro para saber a real causa da anemia.
Tratamento da talassemia
Na talassemia menor, o quadro de anemia é leve, então o tratamento não é necessário.
Porém, os cuidados são imprescindíveis para quem tem talassemia maior. Nessa condição, a transfusão de sangue é o caminho —porque, lembrando, como o organismo produz hemoglobinas alteradas, ele precisa receber hemoglobinas saudáveis.
A pessoa terá de receber sangue a cada 20 dias, em média, por toda a vida. Mas o tratamento que ajuda também tem efeito colateral. Junto com as células sanguíneas vem uma carga grande de ferro que o corpo não suporta nem tem mecanismos para eliminá-lo.
Se há acúmulo de ferro no organismo, as consequências envolvem diabetes, osteoporose e problemas hormonais. Para evitar esses quadros, é necessário usar medicamentos chamados quelantes, que vão tirar o excesso do mineral do corpo.
Poliana conta que cada transfusão de sangue leva cerca de sete horas, mas ela já se acostumou com a dinâmica do tratamento. Diz que viver com talassemia é "vigiar e orar a vida inteira". O cuidado envolve uma programação apurada para não perder o tratamento que, de maneira correta, permite melhor qualidade de vida.
Como o tratamento é bem específico, há centros de saúde que concentram o cuidado de pessoas com talassemia, então o acesso ao sangue é mais bem viabilizado. Ela afirma que foram poucas as vezes em que precisou adiar o procedimento, no máximo por uma semana, devido à falta de sangue nos bancos.
Quando viaja, Poliana não passa mais de 20 dias fora. "Tomo sangue antes de ir e já está marcada a transfusão para quando eu voltar." Como tem negócio próprio, também faz horários alternativos para se adaptar.
Nesse processo, ela diz que terapia é fundamental. "Ter problema de saúde crônico não é uma vida tranquila, porque você está sempre correndo atrás do prejuízo, tentando não piorar", afirma ela, que é psicóloga.
Talassemia tem cura?
A médica Sandra Loggetto diz que a cura da talassemia é possível por transplante de medula óssea, mas o procedimento deve ser feito o mais cedo possível. O doador compatível deve ser parente, que não tenha a doença ou que tenha a talassemia menor.
Porém, há alguns desafios, como o diagnóstico precoce e um doador totalmente compatível. Segundo ela, os estudos atestam que há resultados positivos quando o transplante é feito até os 16 anos de idade. "Uma pessoa mais velha, que foi exposta a muitas transfusões, pode ter complicação. O transplante não é isento de risco", diz.
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