Ela tomou Ozempic por dois meses sem saber que estava grávida; há riscos?
Com 7 kg acima do peso ideal, Alessandra* usou Ozempic para emagrecer com o acompanhamento de uma endocrinologista. Nesse período, ela atingiu seu objetivo, mas posteriormente descobriu que usou a medicação sem saber que estava grávida.
Com muitos enjoos e indisposição, Alessandra achou que os sintomas eram devido aos efeitos colaterais da medicação, mas um teste de gravidez mostrou que ela estava enganada. "Tomei Ozempic nos dois primeiros meses de gestação, entre agosto e outubro de 2021. Não pretendia engravidar, mas assim que descobri a gravidez, parei de usar o remédio após entrar em contato com a minha endocrinologista e com o meu obstetra", conta ela, que já tinha uma filha de 2 anos na época.
Não existem estudos sobre o uso do Ozempic (semaglutida) em grávidas, mas alguns experimentos realizados em ratos mostraram reduções acentuadas no peso corporal materno, um aumento da mortalidade fetal e prejuízos no crescimento embrionário.
Nos fetos dos animais foram observadas malformações viscerais e esqueléticas, incluindo efeitos nos ossos longos, costelas, vértebras, cauda, vasos sanguíneos e ventrículos cerebrais. Em coelhos e macacos cinomolgos (Macaca fasciculares) foram observados aumento de abortamento e incidência de anormalidades fetais.
As evidências encontradas em animais preocupam o uso em humanos. Dessa forma, um efeito direto da semaglutida no feto não pode ser excluído e as gestantes não devem se submeter a esse risco. Danielle Dias, endocrinologista do Hospital Universitário João de Barros Barreto, da UFPA (Universidade Federal do Pará)/Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares)
Como não há segurança estabelecida em gestantes, é recomendado que o uso da semaglutida seja imediatamente suspenso assim que for descoberta a gestação ou dois meses antes de uma gravidez planejada, devido à longa semivida do medicamento.
Segundo Dias, mesmo mulheres que usam Ozempic para tratar diabetes devem parar a medicação. "Durante a gestação, o tratamento do diabetes deve ser realizado com insulina. A metformina também pode ser prescrita em algumas situações específicas", diz.
Ela temia malformação, mas bebê nasceu saudável
Sem muitas informações sobre o assunto, o maior receio de Alessandra era que sua bebê nascesse com alguma malformação, mas a gestação correu dentro do esperado para mãe e filha. Ela não precisou fazer nenhum acompanhamento ou exame diferente, além do que já estava previsto no pré-natal.
"Quando engravidei, já estava no meu peso ideal, 57 kg. Segui a alimentação recomendada e engordei 16 kg. Minha filha nasceu saudável, pesando 3,5 kg. Ela está com 10 meses e tem se desenvolvido bem."
Uma das ações do Ozempic é inibir o apetite, mas na gestação o indicado é ganhar peso de forma controlada.
O ideal é que a grávida se alimente adequadamente, não coma em dobro, como acreditam alguns, mas também não fique muito tempo sem comer. Jejuns prolongados na gestação não são indicados pois podem aumentar sintomas como náuseas e azias, além de causar hipoglicemia (baixa de glicose), que se for crônico pode aumentar o risco de diabetes gestacional na reta final. Ana Paula Avritscher Beck, ginecologista e obstetra do Departamento Materno Infantil do Hospital Israelita Albert Einstein
Na gravidez, o metabolismo se modifica, a formação e crescimento do feto demandam energia, o que conseguimos com a alimentação. "Outro aspecto é que no final da gestação existe a dificuldade para ingerir um volume grande de alimento, devido ao tamanho do útero, que restringe o espaço abdominal. Daí a recomendação para se fazer refeições mais frequentes e com menor volume", diz a endocrinologista Maria Edna de Melo, especialista da SBEM-SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo).
No caso de mulheres que pretendem engravidar, mas que têm sobrepeso ou obesidade, o recomendado é iniciar um tratamento prévio para emagrecer com acompanhamento médico, de acordo com as endocrinologistas ouvidas pela reportagem. Isso porque a perda de peso em mulheres com obesidade aumenta a fertilidade e engravidar com peso mais próximo da normalidade reduz risco de diabetes e hipertensão gestacional, entre outras complicações.
O efeito da semaglutida sobre a fertilidade humana é desconhecida, mas estudos realizados em animais constataram que o medicamento não afetou a fertilidade masculina nos ratos, enquanto nas ratas houve uma redução do período fértil e um número reduzido de ovulações —o que pode apenas estar associado à perda de peso corporal materna.
A ginecologista e obstetra Ana PaulaAna Paula Avritscher Beck pondera que com o uso crescente da semaglutida para emagrecer sem orientação médica —vale lembrar que não há retenção de receita—, uma das preocupações é que haja um aumento no número de gestações e mulheres usando a medicação inadvertidamente.
"Como a maioria das pessoas não costuma ler a bula dos remédios, são necessárias campanhas de conscientização, incluindo conversa entre médico e paciente para esclarecer dúvidas e alertar sobre os riscos", diz.
*O nome foi alterado a pedido da entrevistada.
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