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Câncer e saúde mental: como acolher e ser acolhido diante da doença?

Linda Rojas com o marido Caio e o filho Martin. Ela foi diagnosticada com câncer de mama duas vezes e contou com rede de apoio, fundamental para o tratamento - Aldo Barranco
Linda Rojas com o marido Caio e o filho Martin. Ela foi diagnosticada com câncer de mama duas vezes e contou com rede de apoio, fundamental para o tratamento Imagem: Aldo Barranco

Do VivaBem, em São Paulo

10/05/2023 04h00

"A galinha ficou doente, e o galo nem ligou, e os pintinhos foram correndo pra chamar o seu doutor." O trecho da música infantil passa desavisada pela maioria das pessoas, mas para famílias com histórico de alguma doença, o assunto é sério.

"O Caio tem quase uma repulsa com o galo. Para ele é muito tocante, porque ele não foi o galo", diz a influenciadora Linda Rojas, referindo-se ao marido. Ela foi diagnosticada com câncer de mama duas vezes antes dos 30 anos de idade e o companheiro esteve presente em todos os momentos.

No Instagram, ela compartilhou um vídeo deles com o filho Martin, brincando juntos na sala de casa. Quando a música da Galinha Pintadinha entra em cena, Caio reage: "Aqui em casa não tem isso, não. Aqui todo mundo vai chamar o seu doutor", indigna-se.

A cena é simbólica e representa a importância do suporte a pessoas com câncer. Esse apoio pode vir da família, de amigos e, quando necessário, de profissional da psico-oncologia —que é diferente do atendimento psicoterápico fora do cenário do câncer.

Rede de apoio

Uma pesquisa do Instituto Vencer o Câncer em parceria com a IQVIA mostra que 62% dos pacientes ou ex-pacientes de câncer tiveram suporte da família em meio aos efeitos colaterais das medicações.

Na hora de receber orientações no tratamento, 50% pediram a companhia de um familiar para se sentirem mais seguros e 30% disseram que o familiar se ofereceu para acompanhar. Por outro lado, 15% não acharam necessário ter acompanhamento e 5% disseram que não tiveram apoio, mas gostariam de ter tido.

Linda conta que, por sua personalidade, pedir ajuda foi difícil e preferiu segurar a barra durante o primeiro tratamento. "Não deixei muito as pessoas me ajudarem", lembra. Quando o segundo diagnóstico veio, ela diz ter chegado ao "fundo do poço" e se jogado na rede de apoio. "Me deixei ser amparada, consolada, ficar triste."

O marido, a mãe e a sogra eram o núcleo que oferecia suporte físico e emocional, enquanto a família no Chile, o pai e o irmão dela também apoiaram no conforto das emoções. Ela também teve amigas que a ajudaram a trazer leveza, oferecendo risadas e massagens.

Nas redes sociais, Linda também encontrou uma forte rede de apoio e se emociona ao falar dela. "Outra pessoa que viveu aquilo é o mais próximo de estar dentro da sua alma e do seu coração", diz. No Instagram, onde tem mais de 30 mil seguidores, ela compartilha a visão de paciente, curiosidades e processos do tratamento a partir de sua experiência.

Como oferecer apoio a quem tem câncer?

Estar com câncer é algo sério, mas a psicóloga Paula Xavier, da Dasa Oncologia Bahia, lembra que, às vezes, o diagnóstico pode não ser a coisa mais importante para aquela pessoa nos últimos anos. A pandemia, a perda de emprego, por exemplo, podem ser mais latentes e gerar sofrimento.

Por isso, o acolhimento ao paciente é válido para além da doença. Nesses casos, Caio Henrique Vianna Baptista, integrante do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer, dá cinco dicas a familiares e amigos que oferecem suporte a pessoas com câncer:

  1. Se necessário, faça acompanhamento psicológico. "Ser familiar de paciente oncológico é muito difícil. A pessoa acha que tem de ser fonte de toda força do mundo, mas não é assim. Tem de admitir fraqueza também."
  2. Trate o paciente de igual para igual. A pessoa que tem a doença não deve ser tratada de modo infantilizado, e nem sempre precisa que outros façam tudo por ela. É importante que a pessoa mantenha sua autonomia, mas viva com certo suporte.
  3. Sempre diga a verdade. Tanto o paciente quanto as pessoas ao redor devem falar abertamente sobre seus sentimentos uns aos outros. Aqui, é preciso um equilíbrio complexo: falar, mas evitar sobrecarregar o paciente com problemas desnecessários; e, por parte de quem está com câncer, evitar esconder sentimentos por medo de deixar a família frágil. "Esse equilíbrio se consegue com o aprendizado sobre o caso, com a passagem do tempo e suporte psicológico", diz Baptista.
  4. Conte com a espiritualidade. Do ponto de vista psicológico, a crença funciona como recurso de enfrentamento, não importa a religião.
  5. Preze pelo autocuidado. "Isso rebate no paciente e ajuda na qualidade de vida dele. O familiar tem direito de viver a vida dele e muitos perdem isso para cuidar do paciente, o que também não pode acontecer."

Psico-oncologia: apoio profissional

Foi na segunda jornada do câncer que Linda buscou acompanhamento psicológico. "Poderia ter acontecido antes, mas eu não tinha essa consciência", afirma. Para ela, "fez toda a diferença" ter rede de apoio e suporte especializado, que segue até hoje ajudando a "abrir gavetas" do autoconhecimento que ficaram fechadas durante o câncer. Baptista diz que nem todos precisarão de acompanhamento especializado, mas a maioria sim.

O câncer traz a ideia de que a morte está muito perto. A relação entre apoio psicológico e câncer é muito natural e necessária. Caio Baptista, integrante do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer

Embora alguns só comecem a psicoterapia após confirmar um câncer, o acompanhamento psicológico deve compreender o momento anterior. "Quando a pessoa está investigando um possível diagnóstico, já lida com o medo de perder o mundo presumido, de como era a vida antes do câncer", comenta Xavier.

Segundo ela, é preciso entender o paciente além da doença: o que é qualidade de vida para ele? O que é essencial na vida e na rotina? Quais são os projetos futuros? São perguntas essenciais que ajudam o psico-oncologista a ser, inclusive, um tipo de porta-voz da pessoa para a equipe médica.

Diante da proposta de um tratamento, os desejos e expectativas da pessoa devem estar alinhados e o psicólogo vai comunicar isso aos oncologistas. E, independentemente do protocolo adotado, da disponibilidade ou não de terapias, o importante é garantir segurança e amparo.

Linda Rojas - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Caio, marido de Linda, raspou o cabelo quando ela também precisou se desfazer dos fios
Imagem: Arquivo pessoal

"Tem gente que quer explicação, informação sobre câncer, e gente que só quer alguém que a ouça, que possa ajudar a vencer o medo", conta Elisa Parahyba Campos, coordenadora do Laboratório Chronos: Centro Humanístico de Recuperação em Oncologia e Saúde, do Instituto de Psicologia da USP.

A unidade oferece atendimento psicológico gratuito a pessoas com câncer e seus familiares, desde que o paciente tenha acompanhamento médico. "Muitas vezes, a pessoa que tem câncer não consegue falar com um familiar. Como não somos familiares, a pessoa se abre e fala tudo que está sentindo. É um alívio", diz a pesquisadora.

Está constatado que o atendimento psicológico ajuda o paciente. Não cura, mas a doença pode não progredir com a mesma rapidez se não tivesse apoio. Elisa Parahyba Campos, coordenadora do Laboratório Chronos

A pesquisa do Instituto Vencer o Câncer mostra que contar sobre a doença para familiares e amigos é o segundo maior desafio para pacientes e ex-pacientes —aceitação fica em primeiro lugar. Mas o apoio da família é o aspecto de maior satisfação em relação ao tratamento: 52% se dizem muito satisfeitos.

Cuidar de quem cuida

O diferencial da psico-oncologia para a psicoterapia tradicional é que, além de considerar as peculiaridades de uma pessoa com câncer, o acolhimento se estende a quem está no entorno dela.

A abordagem com o familiar pode ocorrer de algumas formas, explica Paula Xavier, da Dasa:

A equipe médica observa quem costuma acompanhar o paciente nas consultas ou rotinas de exames e tratamentos.

Os profissionais também buscam identificar na primeira consulta quem são as pessoas que mais importam para o paciente.

O familiar pode acionar a equipe de psicologia a qualquer momento, caso não tenha sido alcançado antes.

Ou o próprio paciente pode sinalizar o sofrimento do acompanhante.

A abordagem da psico-oncologia é diferente para cada grupo, o paciente e o familiar. Baptista explica:

Paciente: a vivência é muito única com relação ao corpo e à doença, então o atendimento será voltado para a aceitação dos limites do corpo, dos sintomas da doença ou das reações dos medicamentos.

É trabalhada também a adesão ao tratamento, que também pode ser impactado pelo estado psicológico.

Aqui, é importante entender a relação social que a pessoa tem com o câncer, se o considera uma sentença de morte, um castigo ou tem referências mais positivas.

Familiares e amigos: o atendimento conduz a pessoa a entender como pode ajudar o outro durante um processo que não está sob seu controle. "É fortalecer para que seja alicerce para o paciente, não outro núcleo de problemas", diz o psicólogo.