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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Ela teve câncer na infância, perdeu pulmão, rim e descobriu síndrome rara

Priscila Carvalho

Colaboração para VivaBem

15/05/2023 04h00

A paranaense Gisele Linhares, 37, teve um câncer no rim, que afetou o pulmão, quando criança e passou por tratamento durante seis anos. A doença fez com que ela precisasse retirar parte de um pulmão e um rim. Algum tempo depois, ela foi diagnosticada com a síndrome de Poland, que causou uma atrofia no tórax e uma dificuldade motora em um dos braços. Abaixo, ela conta sua história:

"Quando tinha cinco anos, comecei a fazer xixi com sangue e também apresentei dores na barriga. No início, meus pais estavam passando por um momento difícil e não ligaram muito para os sintomas. Não fui prioridade e demorou para que eles me levassem ao hospital.

Minha mãe só me levou quando comecei a vomitar sangue e ter muita febre. Constataram que eu estava com tumor de Wilms, que é bem comum na infância e atinge os rins. Como foi um diagnóstico tardio, sofri com metástase que atingiu o pulmão e tive que tirar o do lado direito. Nesse período, fiz radioterapia, tratei a doença e me curei.

Meus pais se separaram e fui morar com o meu pai, porém, depois de algum tempo, ele me abandonou e eu fui morar com a minha irmã.

Gisele Linhares teve câncer na infância - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Quando tinha 13 anos, percebi que meus seios não cresciam e que meu tórax não se desenvolvia. Achei isso estranho.

Fui ao hospital em que me tratei quando criança e os especialistas me encaminharam para outra unidade. Foi então que os médicos descobriram que eu tinha síndrome de Poland, que se caracteriza pela ausência ou hipoplasia da mama.

Isso mexeu muito com a minha autoestima e ficava triste. Colocava umas meias [nos seios] para disfarçar, mas dava para ver que não era real.

Mesmo tendo a síndrome, não pude operar naquele momento e os médicos disseram que eu tinha que esperar até os 18 anos.

Como não tinha parte do pulmão, os especialistas preferiram expandir o tórax para frente e toda quarta-feira injetavam soro e esticavam a minha pele para ir crescendo e, no futuro, receber uma prótese [de silicone].

Juventude difícil

Gisele Linhares teve câncer na infância - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Como já estava morando sozinha e não tinha muitos recursos, alguns dias chegava a não ter dinheiro para comer. Ia com crianças catar papelão e não tinha uma estrutura.

Antes disso, cheguei a morar em uma favela com a minha irmã e passei por momentos bem difíceis. O final do ano doía e, às vezes, passava sozinha ou com amigos. De vez em quando, me convidavam para passar junto e eu aceitava.

Segui estudando e consegui terminar o segundo grau e fazer um técnico em instrumentação cirúrgica.

Por causa da doença no passado, precisava fazer um acompanhamento que não fazia, pois tinha que trabalhar e lidar com uma família que não era presente. Foquei em estudar e trabalhar. Minha meta era ter minha casa própria e precisava ressignificar minha vida.

Graças ao curso técnico que fiz, consegui um trabalho em um hospital do grupo Marista. Eles falavam muito em educação, davam treinamentos. Isso começou a abrir meus olhos e eu queria mudar minha vida.

Gisele Linhares teve câncer na infância - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Comecei a trabalhar como assistente numa área nova, porque via uma oportunidade. Cursei com bolsa e depois fui promovida para técnica administrativa. Tinha feito jornalismo e depois segui numa pós-graduação, também com bolsa, para fazer uma especialização na área da saúde.

Concluí e hoje faço um mestrado também na área da saúde e trabalho atualmente com suplementos e contratos.

A síndrome afetou a força no meu corpo. Por causa dela, sofri com algumas sequelas e não tenho muita força nos dois lados do meu corpo, e um lado é um pouco mais fino.

Percebi também que toda vez que estou com uns quilos a mais, engordo mais do lado esquerdo e o direito não se desenvolve. Só a equipe médica consegue perceber. Não é tão visível.

A capacidade do meu pulmão também é prejudicada e antes não sabia que estava somente com 48% de funcionalidade. O médico me disse que eu tinha que ter uma vida de atleta e precisava expandir o órgão. Comecei a fazer tudo: correr, exercícios e participei até da São Silvestre.

Gisele Linhares teve câncer na infância - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Entrei na categoria PCD (pessoa com deficiência) quando ainda não havia lei de cotas, e a minha deficiência se enquadra na questão de mobilidade, pois a questão motora tem vários níveis. Vejo que pessoas com deficiência conseguiram ter um avanço no Brasil, mas ainda há muito o que melhorar.

Pessoas com uma vida dura precisam aprender a construir boas memórias, talvez por nunca saber qual a limitação que meu pulmão ou minha saúde me colocará, prefiro viver o hoje, estudando, trabalhando, construindo minha família, cuidando da minha saúde e vivendo experiências que ajudem outras pessoas."

O que é a síndrome de Poland?

A síndrome de Poland é uma anomalia congênita rara (ou seja, já se apresenta desde o nascimento do paciente), com risco de menos de 1% de recorrência na mesma família.

Sua manifestação clínica é extremamente variável, podendo ser caracterizada por ausência parcial ou total dos músculos peitoral maior, peitoral menor, serrátil (nas costelas), da mama e do complexo areolopapilar (região do mamilo).

Pode ainda provocar defeitos em cartilagens e costelas (presentes em 15% dos casos com acometimento do lado direito), hipoplasia (formação incompleta) de tecidos subcutâneos da parede torácica, braquissindactilia ipsilateral (dedos juntos e curtos) e alopecia da região axilar e mamária (ausência de pelos).

Sua causa ainda é desconhecida; porém, a teoria da interrupção do fornecimento de sangue para as artérias embrionárias é a mais aceitável pelos especialistas.

Pode ainda ter origem genética secundária a mutações de genes que regulam o desenvolvimento embrionário e afetam particularmente os músculos da cintura peitoral e as estruturas do esqueleto.

O tipo de tratamento vai depender das características de cada caso, podendo envolver cirurgias reparadoras estéticas, colocação de prótese de silicone e outros procedimentos indicados pelos especialistas.

Fonte: Gustavo Higa Ogawa, cirurgião torácico do Hospital Marcelino Champagnat (PR).