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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Cuidando de si para cuidar do outro: terapia ajuda pais de crianças com TEA

Poucos meses após o diagnóstico do filho Gustavo, Domênica voltou a fazer psicoterapia - Arquivo pessoal
Poucos meses após o diagnóstico do filho Gustavo, Domênica voltou a fazer psicoterapia Imagem: Arquivo pessoal

De VivaBem, em São Paulo

17/05/2023 04h00

A rotina de famílias que têm filhos com TEA (transtorno do espectro autista) é intensa em vários níveis. Muitas horas de terapias variadas, preocupação, isolamento e fardo financeiro sobrecarregam os pensamentos e têm impacto direto na saúde mental dos cuidadores.

Na teoria, alguns pais reconhecem que precisam de acompanhamento psicológico. Na prática, a urgência é dar suporte à criança ou ao adolescente. A conta nem sempre fecha e o autocuidado fica em segundo plano. Falta tempo e dinheiro para arcar com tudo.

Porém, quando há possibilidade de acesso, os resultados vão além de si. Uma mãe e um pai com quem VivaBem conversou relatam que fazer terapia os ajudou a lidar com as próprias questões emocionais, o que gerou equilíbrio para cooperar com o tratamento do filho.

A consultora de RH Domênica Mendes, 34, conta que voltou a fazer terapia quando o filho Gustavo tinha 3 anos. Na época, o diagnóstico dele tinha sido fechado havia pouco tempo. Estafa mental, crises de ansiedade e pânico deram o sinal de alerta para ela.

"Eu tinha crise toda semana, ficava muito preocupada, com medo de morrer e faltar para ele, de não ser boa mãe", lembra. Ela percebeu que esse estado colocava o filho na mesma vibração, gerando gatilhos de crises nele. "Eu estava atrapalhando o desenvolvimento cognitivo dele."

Com o tempo, a terapia aliviou o coração e a mente dela, que reconheceu estar fazendo o melhor, na medida que podia.

Se eu estivesse bem por mim, consequentemente seria bom para o Gustavo e ele teria mais possibilidade de desenvolver as questões dele, sem lidar com as minhas. Domênica Mendes, mãe de Gustavo

Domênica também notou que, com as emoções reguladas, visualiza mais possibilidades de melhoria para o filho e se conscientiza do que pode prejudicá-lo.

Para Bruno Basílio, consultor de TI de 38 anos, fazer terapia após o diagnóstico do filho Dimitri, 10, não foi opção. "A quantidade de informações e todo o processo que passamos, incluindo o luto de descobrir que seu filho não será nem terá um crescimento típico, gera uma ansiedade absurda e necessidade de acompanhamento terapêutico", afirma.

TEA - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Com psicoterapia, Bruno voltou o olhar para si sem perder de vista o filho Dimitri
Imagem: Arquivo pessoal

Ele iniciou a psicoterapia na época em que o diagnóstico do TEA chegou. Bruno chorou por dias, mas o suporte psicológico conteve os danos. "O tempo da negação foi bem menor, ainda mais enxergando o quanto isso iria prejudicar ele e o tratamento que fazíamos e viríamos a fazer com ele."

No front de guerra

Quem cuida de pessoas com TEA sofre um impacto mental tão significativo quanto o de um soldado de guerra. Foi o que apontou um estudo publicado em 2010 no Journal of Autism and Developmental Disorders, feito com mães de adolescentes e adultos com o transtorno.

Por alguns anos, os pesquisadores mediram o nível de cortisol no organismo delas em períodos específicos e identificaram uma baixa quantidade, o que se relaciona ao estresse crônico. É diferente de uma situação pontual que gera estresse agudo e eleva a taxa do hormônio, que volta ao normal depois.

Esse baixo nível contínuo de cortisol foi observado em outros estudos com soldados de guerra, sobreviventes do Holocausto e pessoas que sofrem de transtorno de estresse pós-traumático.

"Dentro da descoberta do TEA, tem negação, aceitação, compreensão, o aprender a lidar. É o processo da própria pessoa", comenta Taislaine Monteiro, psicóloga especialista em TEA e terapia ABA.

Na experiência da profissional, são poucos os que recorrem ao apoio psicológico. Segundo ela, além da sobrecarga financeira e da falta de tempo, outro fator que inibe a busca por ajuda é a dificuldade de aceitação.

"A gente sabota nossos processos e, de forma geral, os pais não querem mexer nessa ferida que já é muito difícil de lidar", diz a especialista.

A profissional tem foco na criança com autismo e faz a interface com a família e a escola para que esses ambientes também contribuam com o tratamento. Ela oferece orientação parental, promove conversas semanais e indica estratégias para conflitos diários.

Esse suporte, porém, não substitui a psicoterapia que os pais poderiam fazer para lidar com os próprios dilemas e, consequentemente, ajudar a criança.

Tratamento mútuo

Mesmo na recusa, o acolhimento sem julgamentos é fundamental para esses pais e mães, o que é feito pela validação dessa dor. Para ajudar na adesão dos adultos, Monteiro lembra que a terapia vai além do TEA e não existe o rótulo "terapia para mãe ou pai de autista".

Esses pais não precisam temer a terapia como se fosse a dos filhos. Eles podem encarar como qualquer indivíduo que faz terapia, que é para se entender melhor no mundo, entender quem somos, cheios de demandas e problemas. Taislaine Monteiro, psicóloga especialista em TEA

A psicóloga elenca os benefícios da psicoterapia para os cuidadores nesses casos:

Diminui a ansiedade e possível depressão que podem desenvolver;

Reduz as expectativas muito altas que pais colocam no tratamento e na criança com TEA;

Ajuda a entender que o transtorno não tem cura, é a condição da pessoa, e aceitar isso é muito importante para sofrer menos;

Trabalha as angústias que vão surgir no decorrer do crescimento do filho.

"Quando os pais conseguem ter boa elaboração de tudo isso e ressignificar o autismo na terapia, até a cobrança sobre o filho diminui", afirma.

Bruno atesta o enriquecimento que a terapia trouxe para o relacionamento dele com Dimitri. "Me ajudou a enxergar quais eram minhas prioridades, a organizar meu trabalho sem perder meu filho de vista, até mesmo por serem necessidades que se alimentavam."

Ele conta que o processo também contribuiu para olhar para si novamente, sair para lugares de que gosta e fazer o que lhe satisfaz. "Demorei para chegar nesse ponto de equilíbrio, perceber que se não estivesse bem o suficiente, ele também não estaria."

Para Domênica, a terapia que ela faz tem impacto significativo no Gustavo. "A forma como eu lido com minhas frustrações e estresse ajuda o Gu a se comportar também", comenta.