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'Achava que ia morrer': por que algumas pessoas têm medo de dormir?

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Imagem: iStock

Janaína Silva

Colaboração para o VivaBem

23/05/2023 04h00

O coração bate mais forte, você começa a suar e tremer, sente falta de ar, calafrio e pânico. Parece até que está vendo um filme de terror, não é? Mas essas são algumas das sensações que pessoas com somnifobia têm só de pensar em dormir.

Quem tem medo de dormir ainda pode apresentar esses sintomas ao se deparar com elementos que remetam ao adormecimento, como vestir o pijama ou até mesmo entrar em uma loja de colchões, segundo Alicia Carissimi, psicóloga, representante do Conselho de Psicologia da ABS (Associação Brasileira do Sono) e professora na Faculdade Dom Bosco, em Porto Alegre, RS.

A aposentada Denise Sá, 67, nunca chegou a confirmar um diagnóstico, mas conta que já sofreu muito com o medo de dormir. "Achava que fosse morrer", diz.

Asmática desde a adolescência, o sono sempre foi uma questão. "Sem muitas opções medicamentosas para asma na época, passei muitas noites em claro tentando respirar. Passei por internações e tive paradas respiratórias", conta.

A chegada de novos medicamentos trouxe qualidade de vida. Mas, durante um período de sua vida, o que sofreu com a asma deixou resquícios na hora de dormir. "A noite ia criando uma ansiedade, as horas passavam no relógio e não conseguia pegar no sono. Me recordo de ligar e desligar a TV, e a preocupação com o horário para acordar dificultava ainda mais o relaxamento."

Ela se lembra que o período mais conturbado foi quando tinha que acordar em torno das 5h30 da manhã, pois sabia que iria dirigir o dia todo e precisava descansar.

Hoje Denise tem o hábito de se deitar cedo, mas o sono demora em torno de duas horas para chegar —muito porque leva o celular para cama e joga paciência.

O que é fobia

As fobias são transtornos da ansiedade e suas causas são associadas à combinação de fatores genéticos e ambientais.

Elas podem ser desenvolvidas ainda na infância, devido a experiências de vida compartilhadas, como quando um familiar próximo tem algum temor.

A prevalência de fobias específicas na população é de 4% a 9%, de acordo com Carissimi.

Há pessoas que conseguem viver com a fobia, por não entrarem em contato com o que provoca o temor. A psicóloga exemplifica com uma pessoa que tem fobia de aranha, mas não convive em ambientes que a coloquem em contato com o animal. "Já a relação com o sono é mais complexa e gera ainda mais angústia e medo."

O tratamento deve olhar não apenas para a fobia, mas para as demais doenças que fazem com que o indivíduo durma mal todas as noites.

Manias ou hábitos inadequados agravam o problema e tornam a rotina ruim. À tarde, a pessoa já começa a se questionar sobre como será a próxima noite de sono e se irá conseguir dormir. Surgem, então, as crenças distorcidas relativas ao momento de descanso, como acreditar que se não adormecer chegará atrasada aos compromissos, que irá brigar com membros da família ou que não renderá no trabalho. Passa, assim, a ter medo da noite, de ir para cama e não adormecer. Andrea Bacelar, neurologista, especialista em medicina do sono e diretora da ABS (Associação Brasileira do Sono)

Causas do medo

O início da somnifobia pode estar muito ligado a um transtorno do sono, como apneia e insônia, ou a episódios de pesadelos e traumas, como pode ser o caso de Marcia Eliana Mazzini, 67, professora aposentada.

"Nunca gostei de dormir, sempre achei perda de tempo", diz. A relação ruim com o sono, apesar de Marcia não ter buscado um diagnóstico, talvez tenha começado quando sua filha, que hoje tem 32 anos, ainda era um bebê. "Ela era uma ótima criança, mas eu me obrigava a verificar constantemente a respiração dela", conta.

Marcia diz que ainda hoje não gosta de dormir e que precisa ter sempre uma claridade ao acordar, pois não tolera o ambiente todo escuro. "Reluto em ir dormir, fico vendo TV, filmes e séries no sofá, e acabo cochilando em torno de duas horas, quando o sono vence. Fui ao médico e ele receitou zolpidem, mas nunca tomei, tenho medo de dormir demais. Alguns dias, fico um caco, com muito mau humor."

Ela conta que faz terapia, mas nunca abordou essa questão. "Sei que após a separação, dormir sozinha foi outro fator que tornou o adormecer ainda mais difícil."

Como tratar?

Um dos principais tratamentos, segundo a especialista em medicina do sono, é não farmacológico, que consiste em desconstruir todas as crenças que a pessoa tem referente ao adormecer. A terapia cognitivo-comportamental, ou TCC, com começo, meio e fim, faz com que a pessoa volte a aprender a dormir, eliminando as crenças e tornando a noite mais tranquila e o adormecer mais natural.

Primeiramente, verifica-se a higiene do sono, como estão as rotinas em relação à hora de dormir, buscando elencar mudanças que favorecerão o processo, se há momentos de relaxamento. Alicia Carissimi, psicóloga e representante do Conselho de Psicologia da ABS

Um dos aspectos principais que se trabalha nesse caso, segundo Carissimi, é a terapia de exposição. Ela consiste em estabelecer uma escala do que é mais fácil para a pessoa na hora de dormir ao que é mais difícil e, a partir daí, iniciar o treino por meio de exposições a essas situações, usando fotos, imagens e até com o auxílio da realidade virtual.

Por exemplo, colocar o pijama pode ser mais fácil do que a hora de se deitar na cama; então, passa-se a treinar o indivíduo a se imaginar nessas situações até realmente enfrentá-las de fato. "Junto à técnica, trabalha-se o relaxamento, a respiração e a redução das tensões."

Quando o medo de dormir tem relação com o transtorno do estresse pós-traumático, os traumas vividos —guerras, sequestros, conflitos, violências, abusos e até mesmo a pandemia— são reproduzidos à noite, em sonhos que fazem reviver o trauma. Dessa forma, as pessoas despertam e começam a ter medo de voltar a dormir porque não querem ter os pesadelos.

"Nesses casos, a terapêutica é combinada com o uso de medicamentos específicos para melhorar humor", diz Bacelar.

E quando quem está com medo de dormir é uma criança, por causa dos pesadelos? "O agravamento se dá da maneira como o assunto é tratado pelos adultos. O recomendado é tranquilizá-la, passar confiança e, principalmente, segurança, como explicar que a mamãe e o papai estão com ela e irão protegê-la. Não se deve reforçar o medo, questionando o que viu, como era e se sentiu medo", afirma Gustavo Moreira, pediatra, especialista em medicina do sono, médico na Unifesp e coordenador no Instituto do Sono.

Lembrando que nem todo medo de dormir é somnifobia. Ele só deve ser considerado como preocupante quando prejudica a qualidade de vida da pessoa, que, nesse caso, deve buscar tratamento.

Fontes: Alicia Carissimi, psicóloga, representante do Conselho de Psicologia da ABS (Associação Brasileira do Sono) e professora na Faculdade Dom Bosco, em Porto Alegre (RS); Andrea Bacelar, neurologista, especialista em medicina do sono e diretora da ABS e da Clínica Bacelar, no Rio de Janeiro (RJ); Gustavo Moreira, pediatra, especialista em medicina do sono, médico na Unifesp e coordenador no Instituto do Sono.