O que acontece no seu corpo quando você corta o carboidrato drasticamente
Dietas famosas como a cetogênica, whole 30, paleo, Atkins e South Beach partem da seguinte premissa: para perder peso rapidamente, basta restringir o consumo de carboidratos. Cada uma dessas propostas dietéticas parece ser uma nova receita, mas a abordagem que apresentam tem sido usada há mais de 150 anos como parte do tratamento da obesidade e do sobrepeso.
Antes de entender por que essa estratégia pode ser útil para esses grupos, é importante saber que os carboidratos são considerados os nutrientes mais importantes disponíveis em alimentos e bebidas, juntamente com as proteínas e gorduras. Isso explica por que são definidos como macronutrientes: sem eles, o seu corpo não funciona como deve.
Como são moléculas de açúcar, ao serem consumidos, se transformam mais rapidamente em glicose (açúcar do sangue), que tem uso imediato, mas pode ser estocada no fígado ou nos músculos.
Eles contêm importantes micronutrientes e fitoquímicos, como vitaminas (betacaroteno, licopeno, vitamina A) e minerais (cálcio, ferro, potássio, magnésio), além de fibras.
Constituem a principal fonte energética de células, tecidos e órgãos.
São essenciais para a manutenção do equilíbrio das taxas de glicemia e para as funções e integridade gastrointestinais.
De onde vem todo esse potencial?
São várias as explicações trazidas pelos cientistas. Portanto, ainda não há um consenso sobre o mecanismo por trás do benefício desse tipo de dieta, também conhecido como low carb. Veja as hipóteses que conhecemos até o momento:
Ao diminuir o consumo de carboidrato, os níveis de insulina, um hormônio envolvido no estoque de gordura no corpo, são reduzidos. Quando as funções do coração e do metabolismo melhoram, a perda de peso logo aparece (modelo carboidrato-insulina).
Com o maior consumo de gordura e proteínas, a saciedade aumenta e há maior controle do açúcar do sangue. Ao reduzir a fome, controla-se também o consumo de outros alimentos. Essa equação teria como resultado menor ingestão de calorias no dia a dia.
Já na dieta cetogênica, que sugere baixíssima ingestão do macronutriente (5% a 10% das calorias totais ou o equivalente ou abaixo de 50 g), a gordura é usada como substrato energético que favorece a produção de corpos cetônicos (cetonas) desencadeando um processo chamado cetose, que resultaria em quilos a menos.
O que você ganha com isso?
Parte dos estudos médicos hoje disponíveis mostra que não há diferença entre essas dietas e outras propostas de alimentação equilibrada que visam o emagrecimento, especialmente ao longo do tempo. As informações são da base de dados da Cochrane, órgão que analisa a qualidade das evidências científicas.
Por outro lado, outras pesquisas concluem que reduzir o carboidrato pode funcionar como estratégia nutricional quando se compara a outras dietas, principalmente quando ela é praticada por breve tempo (até 12 meses).
Embora o seu resultado não seja superior às abordagens convencionais, os possíveis efeitos esperados são os seguintes:
- Redução do peso
- Controle do diabetes
- Saúde do coração
Você vê ordem e progresso na balança
De fato, pode haver rápida perda de peso. Mas atenção: em um primeiro momento, isso se deve à perda de água. Afinal, cada molécula do macronutriente leva consigo esse líquido e, assim, haverá menor captação dele. Só depois ocorrerá a queda dos níveis de gordura.
A sugestão dos especialistas é que haja muita conversa e negociação entre médico e paciente para estabelecer estratégias de emagrecimento que contemplem mudança no estilo de vida, o que inclui dieta equilibrada (sem restrições excessivas) e exercícios físicos.
Você toma as rédeas do seu diabetes
Quem tem diabetes sabe: para controlar a enfermidade, a dieta é soberana junto aos exercícios físicos, que compõem a base do tratamento, que se complementa com o uso de remédios.
Dietas ricas em carboidrato simples aumentam a resistência à insulina. A redução do macronutriente dá uma controlada nas taxas glicêmicas.
Reduzi-los ajuda na mudança positiva nos biomarcadores do risco para doenças metabólicas: redução da circunferência da cintura, taxas de colesterol (LDL e HDL), glicose em jejum, etc.
Dietas com ingestão controlada de carboidratos colaboram para a redução do uso de medicamentos ao longo do tempo.
As atuais diretrizes da SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes) sugerem que a adoção ou não dessas dietas deve ser orientada e acompanhada por um profissional. Cabe a ele decidir quais seriam as melhores estratégias para cada paciente, bem como monitorar a eficácia e a segurança da medida.
Você dá uma folga para o seu coração
Perder peso pode beneficiar a saúde cardiológica, mas a literatura médica tem mostrado resultados diferentes quando a ferramenta utilizada para esse fim é uma dieta low carb.
As pesquisas ora mostram piora do LDL colesterol (o ruim) [possivelmente em razão do consumo de mais proteínas e gorduras], ora benefícios. Mas um fator já está estabelecido: há melhora nas taxas de triglicérides e HDL, o colesterol bom.
Uma recente revisão de pesquisas analisando a relação entre saúde do coração e dieta low carb concluiu existir redução de riscos para doenças como infarto ou AVC (acidente vascular cerebral), ao menos pelo período de 6 a 11 meses. O estudo foi publicado pelo jornal médico Plos One.
Mas o que é mesmo dieta low carb?
Pode parecer incrível, mas nem mesmo entre os cientistas existe um consenso sobre o que define uma dieta low carb.
A depender dos limites da restrição, o consumo de carboidrato tem sido classificado como:
- Muito baixo: menos de 10% de carboidrato ao dia (20 g a 50 g ao dia);
- Baixo: menos de 26% (menos de 130 g/dia);
- Moderado: 26% a 44% (menos de 150 g/dia);
- Alto: acima de 65% (o correspondente em gramas é individualizado).
Cada um com seus limites
Antes de embarcar nessa jornada, lembre que cortar drasticamente o carboidrato da dieta sem orientação e supervisão especializada pode ser uma má ideia.
Cada pessoa precisa de uma quantidade diferente desse macronutriente para o bom funcionamento do organismo. A razão para isso é que nessa conta pesam outros fatores como idade, gênero, condições gerais de saúde, entre outras.
Para manter o equilíbrio orgânico, o consumo deve corresponder —em média— de 45% a 55% do valor total de calorias diárias obtidas por meio de carboidratos.
Isso representa cerca de 250 g, considerando que a sua dieta contenha 2.000 kcal.
Medidas tão restritivas só se justificam quando integradas a um plano estruturado de perda de peso que inclua mudanças no estilo de vida.
Tipos diferentes
Os carboidratos são classificados em três tipos: açúcares, amido e fibras.
Os açúcares são chamados de carboidratos simples e podem ser adicionados em alimentos (doces, sobremesas, alimentos ultraprocessados, bebidas açucaradas). Estão também presentes em alimentos naturais como frutas, mel e o leite.
Já os amidos são os carboidratos complexos, formados por unidades de glicose unidas que o organismo transforma em açúcar e usa como fonte energética (pão, cereais, massas, batatas, ervilha e milho são exemplos).
Já a maioria das fibras, também um carboidrato complexo, não podem ser digeridas e, portanto, promovem a sensação de saciedade, prevenindo o consumo excessivo de alimentos, colaborando para reduzir o colesterol e o açúcar do sangue (frutas, vegetais, nozes, sementes, feijões e grãos integrais são exemplos).
Outras questões a considerar
Os especialistas consultados são categóricos: dietas com baixo consumo de carboidratos só devem ser realizadas por período limitado.
Boa parte dos estudos científicos declara que dietas low carb não são melhores que outras estratégias menos restritivas para a perda e a manutenção do peso.
Como são muito restritivas, a adesão a elas, ao longo do tempo, pode ser difícil e ainda pode trazer efeitos indesejados como falta de disposição, irritabilidade e dor de cabeça.
Ao dar preferência a proteínas e gorduras, perdem-se os micronutrientes contidos nos carboidratos, especialmente das fibras.
Além de microdeficiências nutricionais, pode haver alterações na palatabilidade e microbiota intestinal.
Órgãos como o coração e o cérebro podem sofrer com a insuficiência de um nutriente que é fonte de energia. Para compensar, o corpo altera rotas metabólicas e se vale de músculos e da gordura corporal para se manter equilibrado. Esse processo não se sustenta ao longo do tempo.
Saúde neurológica
Antes da existência de medicamentos para o controle da epilepsia, dietas pobres em carboidratos eram utilizadas para o tratamento da enfermidade. Hoje, elas seguem sendo uma alternativa para quadros que não respondem à terapia com remédios.
Estudos científicos em fase inicial também têm investigado a relação de variadas doenças neurológicas causadas por estresse oxidativo (perda da capacidade de ação dos antioxidantes contra os radicais livres) e processos inflamatórios locais.
Espera-se que, no futuro, o combate ao Alzheimer, enxaqueca e glioma, um tipo de tumor cerebral, possam ter como aliado esse tipo de regime alimentar.
Fontes: Corina Fontes, nutricionista do HU-UFSE (Hospital Universitário de Aracaju da Universidade Federal de Sergipe), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); Paulo de Souza Fonseca Guimarães, médico cirurgião geral, nutrólogo e professor da Escola de Medicina e Ciências da Vida da PUC-PR; e Silvia Helena de Carvalho Sales Peres, cirurgiã dentista, professora associada da FOB-USP (Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo), coordenadora do CATO (Centro Avançado Translacional do Obeso) da mesma instituição. Revisão técnica: Corina Fontes.
Referências:
- Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes (2019-2020)
- Posicionamento sobre o tratamento nutricional do sobrepeso e da obesidade: departamento de nutrição da Abeso (Associação Brasileira para o estudo da obesidade e da síndrome metabólica), 2022
- Oh R, Gilani B, Uppaluri KR. Low Carbohydrate Diet. [Atualizado em 2023 Jan 10]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 Jan-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK537084/
- Naude CE, BrandA, SchooneesA, NguyenKA, ChaplinM, VolminkJ.Low-carbohydrate versus balanced-carbohydrate diets for reducing weight and cardiovascular risk. Cochrane Database of Systematic Reviews 2022, Issue 1. Art. No.: CD013334. DOI: 10.1002/14651858.CD013334.pub2.
- Dong T, Guo M, Zhang P, Sun G, Chen B. The effects of low-carbohydrate diets on cardiovascular risk factors: A meta-analysis. PLoS One. 2020 Jan 14;15(1):e0225348. doi: 10.1371/journal.pone.0225348. PMID: 31935216; PMCID: PMC6959586.
- McDonald TJW, Cervenka MC. Ketogenic Diets for Adult Neurological Disorders. Neurotherapeutics. 2018 Oct;15(4):1018-1031. doi: 10.1007/s13311-018-0666-8. PMID: 30225789; PMCID: PMC6277302.
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